Do ponto de vista da democracia – e de outras variáveis supostamente correlatas (como IDH, PIB per capita etc) – pode-se afirmar que menos de 30 países (Estados-nações), num total de cerca de 200 – deram certo. Dá ou não dá para pensar que há um problema com a forma Estado-nação?
Estatistas, nacionalistas, antiglobalistas e outros ferrenhos defensores de uma ideia vetusta de soberania, deveriam pensar nisso, se pensassem… Mas eles não pensam, porque não tomam a democracia como um valor (e a rigor, não levam em conta nem mesmo indicadores de qualidade de vida e convivência social, ou seja, estão assobiando e andando para as pessoas).
Eis os Top 25 da nossa lista (elaborada pelo Renato Jannuzzi Cecchettini para o PROJETO DEMOCRACIA) que cruza vários (exatamente meia dúzia de) indicadores: EIU Democracy Overall score 2016, FH Aggregate Score, WEF Global Competitiveness Index, FFP Total, IDH e PIB per capita 2015. Pegamos os 50 melhores em cada um deles. Depois selecionamos quais países aparecem em todos os 6 no Top 50. O que forneceu a lista abaixo de 25 países:
Noruega
Suíça
Dinamarca
Suécia
Austrália
Holanda
Nova Zelândia
Islândia
Irlanda
Finlândia
Canadá
Luxemburgo
Alemanha
Estados Unidos
Reino Unido
Áustria
Japão
Bélgica
França
Malta
Espanha
Portugal
República Checa
Itália
Lituânia
Se não levarmos em conta pequenos países e ilhas (como Andorra, Bahamas, Barbados, Cabo Verde, Chipre, Ilhas Marshall, Mauricio, Kiribati, Liechtenstein, Micronésia, Palau, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, São Marinho e Tuvalu), é isso aí. Em cerca de 200 países, com uma ou outra exceção, é o que se salva.
Se pegarmos (e cruzarmos) outros tantos indicadores que dizem respeito à qualidade de vida e de convivência social – por exemplo, conectividade, laicidade, cultura de paz etc. – o resultado será mais ou menos o mesmo! Sim, isso chega a ser espantoso, além de revelador. Por isso pode-se dizer que a lista acima é a dos países que deram certo.
Para não falar de outros aspectos culturais. Por certo, cultura tem a ver com política, embora ainda não saibamos exatamente de que modo as coisas estão relacionadas. Por exemplo, observamos, já faz algum tempo, que nenhum país em que mais de 2 pessoas em cada 10 se declaram seguidoras do Islã (segundo pesquisa do Pew Research Center) é uma democracia (com exceção de Chipre e da Indonésia, é claro – que é uma flawed democracy segundo o EIU).
Talvez o que se está chamando de crise da democracia representativa tenha muito mais a ver com a crise do Estado-nação, que está se revelando uma forma de governança inadequada diante da emergência de uma sociedade-em-rede. Estados-nações que deram errado, deram errado em vários sentidos, em geral em tudo que diga respeito à qualidade de vida e de convivência social. Não por acaso também não são Estados com regimes considerados satisfatoriamente democráticos segundo todos os rankings existentes.
Claro que há limites da representação nas democracias realmente existentes, que são democracias representativas vigentes em Estados-nações. Toda representação tem limites e já implica em delegação, ou seja, em alienação e denegação do próprio poder, mas este é um limite que haveria em qualquer regime democrático, mesmo diferente do que foi implantado (e depois universalizado, ou melhor, internacionalizado) pelos modernos, enquanto houver representação (e alguma sempre haverá: ou seja, isso é mais um limite do que uma crise).
O problema é que a democracia (representativa) passou a valer apenas para as formen Estado-nação, surgidas da guerra, da paz de Westfália e, muito provavelmente, o que se qualifica como crise da democracia é uma crise da democracia em Estados-nações, que têm estruturas e dinâmicas avessas à continuidade do processo de democratização. Esta forma, sim, parece estar em crise (independentemente do regime político), na medida em que não funciona a contento e não tem bons resultados, para as pessoas, nas 60 ditaduras que remanescem e em todos os demais regimes híbridos, flaweds ou part-free: somando todos isso dá cerca de 170 países, ou seja, mais de 80% das nações e, assim, quem pode dizer que isso deu certo?
Estamos trabalhando nisso. Ainda no primeiro semestre de 2018 deve sair um primeiro paper sobre o tema.
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