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Desvelando a mentalidade autoritária dos “camisas pretas” do capitão

Há alguns anos venho trabalhando com o que chamei de reconhecimento de padrões autocráticos. É um campo promissor, mas ainda em desenvolvimento. Agora, a propósito da campanha eleitoral de 2018 no Brasil, temos uma oportunidade de aplicação dessa “proto-ciência” para desvelar mentalidades autoritárias, como a dos “camisas pretas” do capitão Jair Messias Bolsonaro.

Os bolsonaristas acreditam piamente que “quem não apoia Bolsonaro desperdiça a última chance de varrer os mesmos de sempre da política. Não tem virgem na zona, nem meio termo”. Analisem os padrões autocráticos presentes na frase acima, entre aspas, escrita por um bolsonarista no Twitter:

1) “A última chance” | A visão de que há uma última chance é milenarista ou apocalíptica. A democracia é um esforço de reconstrução contínuo. Nunca há uma última chance porque não há um final que se aproxima.

2) “Os mesmos de sempre” | Os atores políticos nunca são os mesmos de sempre. Perduram algum tempo na cena pública e são substituídos por outros. Quando Lula assumiu o governo, por exemplo, ele não era o mesmo de sempre (quer dizer, dos governantes anteriores). Não são as pessoas más que corrompem a política. Uma pessoa honesta pode adotar práticas corruptas em razão da pressão ambiental do sistema. Assim, a pretensa renovação pode sempre renovar os corruptos.

3) “Varrer… da política” | Varrer é um ato de limpeza que tem como norte uma impossível e imaginária pureza e não a democracia. Imaginar que se possa varrer pessoas (porque são putas e não “virgens na zona”) – separando os bons dos maus antes do Armagedon – é, novamente, decair numa perspectiva salvacionista compatível com uma visão autoritária (e autocrática), pois quem será o demiurgo que julgará e fará a separação?

4) “Não tem… meio termo” | A democracia implica negociação que sempre pressupõe meio termo. Quando não há meio termo deve prevalecer a proposta política de alguém que se coloca acima da interação democrática. A vontade política que prevalece nunca é a original, de um ator político particular, mas o resultado (a rigor imprevisível) da interação de miríades de inputs (que modificam necessariamente as propostas iniciais).

Estes elementos já são suficientes para revelar a mentalidade autocrática do bolsonarismo.

Não se pode deixar de notar que a instrumentalização política do discurso moralista e punitivista de certos agentes da Lava Jato concorreu para fortalecer o bolsonarismo. Tudo estaria resolvido se limpássemos o mundo dos maus. Ocorre que a democracia não é o regime dos bons, dos honestos, dos puros e sim dos seres humanos realmente existentes, com todas as suas imperfeições, impurezas e sujeiras. Não é o regime sem corrupção e sim o regime sem um senhor, ainda que este senhor seja honesto.

Com efeito, não se pode negar a evidência de que os mais enfáticos defensores do ativismo político dos operadores da Lava Jato – justamente os que contribuíram para idolatrar o juiz Sergio Moro (o que é diferente de respeitá-lo e reconhecer o seu bom trabalho) – acabaram se alinhando à candidatura de Bolsonaro. Basta fazer a lista: Joyce, Janaína, Bia Kicis, Felipe Moura Brasil e parte dos jornalistas que compõem o staff do blog O Antagonista e mais umas três dezenas de pessoas que escrevem regularmente na imprensa ou nas mídias sociais e que hoje são reconhecidas como expoentes da chamada “nova direita” (olavista e bolsonarista). Não pode ser por acaso.

O ideal é menos corrupção com mais democracia. Mas quem acha que o fim da corrupção é mais importante que a democracia pode acabar tendo mais corrupção e, com certeza, terá menos democracia.

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