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Intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro

A intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro ocorreu de acordo com a Constituição e a pedido do governador, com a concordância dos presidentes da Câmara e do Senado.

Não é intervenção militar, como diz o PT. É uma intervenção do poder civil constitucional, que será comandada por um militar, um funcionário público subordinado ao presidente civil. Do contrário todas as intervenções das FFAA no Rio teriam sido intervenções militares.

A esquerda e a direita – sempre de mãos dadas quando se trata de desmoralizar as instituições da democracia – são contra a intervenção por motivos torpes. O PT é contra a intervenção porque precisa de uma bandeira para desviar a atenção dos crimes que cometeu e tentar dar a volta por cima nas eleições de 2018. Bolsonaro é contra a intervenção também por razões eleitoreiras: ele quer nos empulhar apresentando-se como a única solução para o problema da segurança. Pura bravata, que não conta nem com o apoio dos militares.

Claro que apenas esta intervenção não vai resolver o problema. É uma tentativa de conter a escalada do crime em uma unidade da Federação. Não se sabe se conseguirá. O crime se enraizou a tal ponto no aparelho de Estado, sobretudo em grande parte das forças policiais, nos presídios, nos meios políticos e, inclusive, jurídicos, que não há solução fácil, nem rápida.

Nos regimes democráticos uma situação como esta do Rio de Janeiro não se resolve em menos de uma década. E, mesmo assim, se medidas forem tomadas agora para tentar conter a degeneração.

Em regimes autocráticos, há uma aparente (e falsa) solução, bem mais rápida: eliminam-se os concorrentes sociais e o crime passa a ser monopólio do Estado. Em Cuba, Fidel fez isto: passou a comandar o narcotráfico, designando para tanto os heróis de guerra Arnaldo Ochoa Sánchez, general de Divisão das Fuerzas Armadas Revolucionarias e o militante comunista La Guardia, ambos depois fuzilados (num julgamento fajuto) quando a operação foi descoberta. Na Venezuela, Chávez e Maduro tentaram fazer a mesma coisa: o narcotráfico passou a ser comandado pelos homens fortes do regime, como Diosdado Cabello e Tareck El Aissami.

Dito isto, convém resumir em alguns pontos o debate político enviesado que correu após o anúncio da intervenção.

Está na cara que uma intervenção nas áreas administrativas da segurança do Rio de Janeiro não ocorre apenas porque o crime cresceu na sociedade, nas favelas e nas ruas e sim porque ele capturou parte dos aparelhos de Estado que deveriam cuidar da segurança.

Deste ponto de vista, cabe a pergunta: a intervenção era necessária ou não era. Se era, não cabe interpretações do tipo:

1) Temer decretou a intervenção para faturar eleitoralmente. Por acaso seus críticos também não se opõem à intervenção para faturar eleitoralmente?

2) Temer queria uma desculpa para não aprovar a reforma da previdência. Ora, se ele não quisesse aprová-la não teria enviado o projeto. Se a reforma não for aprovada isso deve ser cobrado dos congressistas que a ela se opõem e das corporações enquistadas no Estado (inclusive de juízes e procuradores, que têm previdência privilegiada) e das que atuam como correias de transmissão de partidos (como a CUT). A culpa pela não aprovação não é de Temer, mas dos que são contra a reforma, a começar dos que agora estão bradando contra a intervenção (como o PT e Bolsonaro).

3) Temer decretou a intervenção num jogo de cartas marcadas com seu correligionário Pezão. Ora, Pezão declarou que perdeu o controle da situação na área de segurança. Seja ele amigo ou inimigo de Temer (ao que se saiba ele é amigo mesmo de Cabral, que foi eleito e reeleito com o apoio do PT), não faz a menor diferença. Ou intervenções só podem ser decretadas contra inimigos? Aí não seriam medidas de Estado, constitucionais, e sim ofensivas partidárias, operações da luta política para destruir inimigos.

4) Trata-se de uma intervenção militar. Errado. Trata-se de uma intervenção constitucional, apenas na área da segurança, que escolheu um funcionário público das FFAA para coordenar o processo, subordinado, porém, ao presidente civil.

5) O objetivo da intervenção é reprimir os movimentos sociais. Só se forem os movimentos sociais que estão organizando o crime no Rio de Janeiro, tocando o terror na cidade, comandando o narcotráfico nas favelas, constituindo milícias, se infiltrando nos órgãos policiais e nos presídios. São?

6) A intervenção não foi discutida com os militares e será inócua porque eles (os militares) não terão autorização para matar os bandidos. Falso. A intervenção foi discutida, sim, com o comando do Exército (e das FFAA em geral). Só não foi discutida com Bolsonaro, que não representa as forças armadas e está contrariado porque quer se eleger com base na bravata de que só ele pode resolver o problema da segurança (distribuindo armas para o povo e licença para a polícia matar pessoas, o que é inconstitucional).

7) A intervenção é inconstitucional. Não é. É atribuição do presidente da República, que pode ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, em caráter consultivo, mas tais instâncias não têm poder de veto sobre a decisão presidencial.

8) A intervenção foi um ato autoritário. Toda intervenção é autoritária. O Estado-nação é mais autoritário do que democrático (e tanto é assim que teve de ser domesticado pela fórmula do Estado democrático de direito). A rigor, no limite, todo governo, mesmo formalmente democrático, é oligárquico (quem não está contente com isso deve propor novas formas de democracia). Mas, na democracia que temos (não na que não temos), que entrem então em ação os mecanismos de pesos e contrapesos disponíveis. A intervenção só vale se for aprovada pelo parlamento. Que o parlamento, então, concluindo que a medida é antidemocrática, revogue o decreto presidencial. Ah! Mas esse parlamento que está aí fará a vontade do presidente porque é corrupto. É mesmo? Então por que Temer não o corrompe para aprovar a reforma da previdência?

Ainda há um ponto, todavia, que merece ser destacado: a intervenção não é uma guerra.

A ação contra os bandidos no Rio de Janeiro (ou em qualquer lugar) deve ter caráter policial, não militar. O que não significa que não possa ser comandada por um militar de carreira (até deve, considerando que não se pode saber até que ponto os agentes policiais locais estão envolvidos com o crime).

Trata-se de enfrentar o crime organizado, na sociedade e no Estado (justamente nas áreas que teriam como missão a repressão ao crime e que, em parte, estão coalhadas também de criminosos). A intervenção, portanto, deve ser administrativa e de inteligência.

Matar alguns bandidos que tocam o terror nas ruas, controlam as favelas, achacam a população com suas milícias, traficam drogas e armas, não resolveria o problema, seja porque esses meliantes são produzidos em profusão, seja porque não se pode matar parte da polícia, dos políticos e, inclusive, dos juízes (que viraram bandidos ou atuam em conluio com eles) – e mesmo que isso fosse possível, seria um atentado à democracia, notadamente aos direitos políticos e civis da população.

Ou seja, não é guerra. A guerra, sobretudo interna, movida por forças do Estado contra parte da sua própria população e, inclusive, contra outras forças do mesmo Estado – quer dizer, a guerra civil – traz sempre consequências piores do que o problema.

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