Publicado na revista Inteligência Democrática
Uma hipótese.
O PT concluiu (ou está a um passo de concluir) que a estratégia eleitoral de conquistar hegemonia sobre a sociedade, a partir de vitórias eleitorais sucessivas, delongando-se nos governos para ter tempo de controlar as instituições e modificá-las por dentro, não tem mais grandes chances de sucesso. Não, pelo menos, em doses homeopáticas, como previa até há pouco.
A nova realidade que surgiu não foi bem a da ascensão de uma força política orgânica, como a que o PT constituiu ao longo de três a quatro décadas, e sim uma rebelião dos insatisfeitos e irritados com o petismo – o que configurou um imenso e capilarizado antipetismo.
De sorte que o PT, decorridos oito anos do seu principal revés (o impeachment, seguido da prisão de Lula e das derrotas eleitorais de 2018 e 2020), ficou em minoria nos parlamentos e nos governos em nível nacional (com exceção da presidência da república), estadual e municipal. Além disso, ficou em minoria nas novas mídias sociais e nas ruas.
Nessas novas circunstâncias, o PT não tem mais a menor garantia de que vencerá as próximas eleições de 2024, 2026, 2028 e 2030. Pelo contrário, está fortemente desconfiado de que poderá perdê-las.
Em minoria nesses âmbitos políticos e sociais, ao PT restou um alinhamento dos tribunais superiores, do ministério público e dos grandes meios de comunicação profissionais (como os principais canais de TV a cabo), para fazer sua política, bypassando as mediações institucionais onde a correlação de forças lhe é desfavorável. E que tende a ficar mais desfavorável ainda, pois o antipetismo não diminuiu e sim aumentou bastante, inclusive pelo descontentamento generalizado com decisões autoritárias e desastradas do STF – visto por amplas parcelas da população como alinhado ao governo – que atingem não somente o estamento político (como o Congresso Nacional, francamente não-governista), mas a vida das pessoas comuns (como ocorreu, por exemplo, com as ordens de bloqueio do X e das multas extorsivas a quem usar VPN para acessá-lo).
O que fazer numa situação assim?
Confrontadas com a contrariedade e até mesmo com a indignação de boa parte da sociedade brasileira que seu apoio inegável às ditaduras (como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Angola – para não falar da Rússia, da China e do Irã) provocou, as bases mais radicalizadas do PT e seus dirigentes históricos (incluído Lula), foram chegando à conclusão de que não adianta muito disfarçar tal posição antidemocrática com desculpas de que o Brasil quer apenas ampliar suas relações comerciais com esses países e manter a sua vocação de mediador em busca da paz. O próprio Lula escarneceu dessas desculpas, urdida por intelectuais e jornalistas passapanistas, ao dizer e repetir, com todas as letras, que o interesse do Brasil em se alinhar ao eixo autocrático tem objetivos políticos estratégicos.
O engajamento no BRICS (agora, talvez, ampliado com Venezuela e Nicarágua) – uma articulação política de ditaduras e governos populistas, sobretudo de esquerda, disfarçada de bloco econômico – é uma evidência de que já foi feita a opção do governo e do PT pelo lado sombrio da força nesta segunda guerra fria que está em curso. O PT acha que é esse “lado” que vencerá a guerra.
A guinada que amadurece nos porões do governo e na cúpula do partido é a de que é preciso seguir em frente, manter o caminho e acelerar o passo, dobrando as apostas em vez de recuar e contemporizar. Assim, o PT age como se estivéssemos em uma situação pré-revolucionária, embora sabendo que as condições objetivas para tanto não estão dadas. Então está tentando forçar uma configuração de condições subjetivas que possa criar artificialmente as condições objetivas, a partir da vontade, de cima para baixo.
Para afastar a possibilidade de surgimento de uma força política democrática liberal (o que, na verdade, estima ser o grande perigo para o seu projeto), o PT investe, em consequência, cada vez mais, na polarização tóxica com o bolsonarismo, propagando a ideia perversa e incorreta de que ainda estamos sob risco de um golpe de Estado, desta feita pela entrada dos fascistas na disputa eleitoral. A vitória eleitoral dos fascistas seria, nessa releitura, equivalente a um golpe de Estado.
A explicação é que os fascistas (entendidos de modo safado como todos aqueles que não se subordinam a Lula) usam as mídias sociais para espalhar o ódio, lançam mão de fake news e outros artifícios que seriam ilegais para vencer ilegalmente a disputa eleitoral (como se todos que se opõm ao PT fossem bolsonaristas, golpistas e terroristas: por acaso a mesma linguagem usada por Nicolás Maduro para caracterizar a oposição ao seu governo). É necessário, portanto, que lhes sejam retirados os instrumentos para cometer essa “fraude”. A proibição do X, a multa para quem acessá-lo por VPN e, em seguida, uma regulamentação das mídias sociais que retire desses golpistas a capacidade competitiva, passam a ser providências estratégicas para tentar eliminar concorrentes que podem ameaçar a continuidade do PT no poder.
Ora, isso não pode ser feito sem alguma dose de autocratização do regime político. O PT está disposto a arcar com esse custo se souber que mais adiante conseguirá se recompor como força hegemônica. É um jogo de vale-tudo e de vida ou morte, uma vertigem que leva a aumentar sempre a velocidade, como se não houvesse amanhã.
Como haverá um amanhã, isso só se sustenta se houver uma mudança brusca na correlação de forças, na verdade uma revolução (para frente), que justifique a adoção de remédios alopáticos fortes, com sérios efeitos colaterais. Estamos vivendo agora no Brasil neste preciso momento em que está havendo uma mudança importante na conjuntura.