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Maddox: a democracia militante, Loewenstein e Lerner

ADVERTÊNCIA

As minhas notas (de Augusto de Franco) ao artigo de Graham Maddox serão oportunamente interpoladas no texto abaixo. Depois serão comentados, em outras publicações, os artigos originais de Loewenstein e a literatura sobre democracia militante, sobre soldados da democracia e outros contrabandos não-liberais ou contra-liberais (no sentido político do termo).

Dada a constatação de que não basta não violar as leis para proteger a democracia, abrem-se dois caminhos. O primeiro, liberal, é um pacto social, mesmo que tácito, de respeito às normas não escritas. O segundo, não-liberal, é retomar a perigosa ideia de democracia militante.

Essas conversas de ‘democracia militante’ e de ‘soldados da democracia’, são um ataque frontal ao coração da democracia. Sim, são necessários agentes democráticos, mas eles são polinizadores, fermentadores, netweavers – não combatentes. Não podem existir milícias democráticas. A política democrática não é guerra e sim evitar a guerra.

Abaixo o artigo de Maddox.

KARL LOEWENSTEIN, MAX LERNER E A DEMOCRACIA MILITANTE: UM APELO À “DEMOCRACIA FORTE”

Graham Maddox, Revista da Advocacia Pública Federal, volume 5, n.1 (2021)

Publicado originalmente em “Australian Journal of Political Science”, Volume 54, Issue 4, 2019. Autorização para a tradução datada de 02/06/2021.

Graham Maddox é Professor Emérito de Ciência Política na University of New England, onde foi por doze anos Reitor da Faculdade. Membro vitalício de Clare Hall, Cambridge, e do Center of Theological Inquiry em Princeton (NJ). Foi presidente da Associação de Estudos Políticos da Austrália em 1995-6. Seus livros incluem “Political Parties in Australia” 1978 (co-autor); “The Hawke Government and Labour Tradition”, 1989; “Australian Democracy in Theory and Practice” 5ª ed. 2005; “Religion and the Rise of Democracy”, 1996; “Political Writings of John Wesley”, 1998. Editou e co-editou livros sobre o republicanismo australiano, a legitimidade política e o cosmopolitismo.

Tradutor: Thiago Aguiar de Pádua | Pós-Doutoramento (UnB, Università degli Studi di Perugia e Univali). Doutor e Mestre em Direito (UniCEUB). Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito do UDF – Centro Universitário do Distrito Federal (Mestrado). Membro do Centro de Estudos Constitucionais – CBEC. Membro da Academia Brasiliense de Letras. Advogado.

RESUMO

Na década de 1930, Karl Loewenstein reagiu à facilidade com que o Partido Nazista subiu ao poder dentro da democracia parlamentar. Na América do Norte, Max Lerner ecoou o apelo de Loewenstein por uma “democracia militante”, mas identificou um diferente “inimigo interno”, os maliciosos interesses capitalistas. A resposta de Loewenstein ao populismo foi uma “Democracia autoritária”, enquanto Lerner desejava envolver as pessoas em um compromisso público. Este artigo busca um caminho do meio para uma concepção de democracia que evite as vicissitudes de maiorias transitórias, sem ceder terreno a qualquer minoria entrincheirada ou momentânea. Em sua aparência moderna de “neoliberalismo”, o capitalismo corporativo fez incursões nas sensibilidades dos democratas e precisa ser confrontado por uma noção de “democracia forte”, expressa através do engajamento de todas as populações.

INTRODUÇÃO

A atual atenção generalizada sobre os movimentos populistas foca a resposta dos anos 1930 ao populismo na forma de “democracia militante”. Este artigo busca analisar as aplicações divergentes do termo na década de 1930, utilizadas por Karl Loewenstein e por Max Lerner, considerando sua possível relevância para os estudos contemporâneos da democracia e do populismo de direita. No contexto do pré-guerra, a democracia estava, sem dúvida, sob ameaça, e o debate Loewenstein-Lerner pode lançar luzes sobre questões contemporâneas, quando a comunidade internacional está experimentando um declínio no apoio à ideia de democracia.

Quando Loewenstein lançou, em 1937, seu projeto para recomendar uma “democracia militante” para o mundo liberal, era uma época de grave perigo para o moderno estado democrático em razão das forças fascistas. A perplexidade mais profunda de Loewenstein foi despertada pela facilidade com que o Partido Nazista Alemão, originalmente um movimento minoritário, chegou ao poder através dos meios legais. A propaganda nazista foi amplamente dirigida contra os milhões de judeus, feitos para viverem como estrangeiros em suas terras natais, e que então sofreram uma opressão indescritível (cf. Kallis, 2005). A designação da população judaica como “o Outro” tinha a intenção de provocar um sentimento de resposta “emocional” da população alemã, tornando-os desejosos de um Führer, como salvador.

1. KARL LOEWENSTEIN

Quando a democracia estava em maior perigo na era das guerras mundiais e na era dos ditadores no século XX, seus defensores, como Dewey (1916), McIlwain (1939), Barker (1942; cf. Stapleton 1994, p. 210- 14) e Lindsay (1943), produziram uma boa literatura. Karl Loewenstein expressou uma paixão genuína pela (sua versão de) democracia. Ele tinha estudado direito público e ciência política em sua cidade natal, Munique, e fugido do regime nazista quando a perseguição aos judeus e dissidentes se tornou perigosa. Estabeleceu uma carreira acadêmica em Amherst, Massachusetts, onde se concentrou no estudo das instituições políticas. Ao longo dos anos cinquenta a setenta, ele ensinou os alunos a distinguirem entre “constituições nominais” (observadas apenas no nome, uma vez que se ajustam vagamente à realidade política) e “constituições normativas” (totalmente operacionais). O termo “semântico” ele reservou para Constituições impostas cinicamente apenas para reforçar o poder dos regimes autoritários (Loewenstein, 1951). Ele declarou que a Constituição “normativa” era “como um traje que se encaixa, e que realmente é usado” (Loewenstein, 1965, p. 148). Os nazistas de quem ele escapou rasgaram cada fragmento de restrição constitucional sobre suas próprias ações e, efetivamente, destruíram a ideia de uma Constituição “normativa”.

Em seus dois artigos publicados na American Political Science Review, de 1937, Loewenstein montou uma defesa contra políticas inconstitucionais sob a rubrica de “democracia militante”. O ethos da democracia que alimentou a tolerância, a liberdade de expressão, de reunião e de imprensa, eleições abertas e sufrágio universal permitiu que partidos fascistas competissem no mesmo nível que partidos democráticos estabelecidos. O autoritarismo do nazismo foi “enraizado no emocionalismo”, manifestado pelo “entusiasmo nacionalista agudo” e pela “permanente coerção psíquica”, com “intimidação e terrorismo, cientificamente aplicados” (Loewenstein, 1937a, p. 418). O povo judeu era um bode expiatório conveniente para o derrame da emoção impregnada de ódio que mobilizou muitos no apoio à sua eliminação. O Lügenpresse (“fake news”) ajudou a concentrar o ódio no “Outro” (cf. Ash, 2017). Em contraste, os democratas britânicos estavam acostumados a manter o “entusiasmo” sob suspeita; sua forma parlamentar e o governo de gabinete eram adequadamente racionais (Loewenstein, 1937a, p. 418). No entanto, a “racionalidade” da democracia abriu vias de procedimento legal que amaciaram o terreno para invasões autoritárias. O fascismo só poderia ter sucesso “sob as condições extraordinárias oferecidas pelas instituições democráticas”. O nazismo estava perfeitamente “ajustado à democracia”. Ele “oficialmente anexou a legalidade”. (Loewenstein 1937a, p. 423-44). O grande paradoxo foi que, enquanto o fascismo explorou os mecanismos legais da democracia (seu “Cavalo de Tróia”) para seus próprios fins, denegriu publicamente tudo o que ela representava como a antítese da autêntica cultura, denunciando as instituições liberais como estéreis, corruptas e inúteis.

A incapacidade da República de Weimar de se defender contra a ascensão do Partido Nazista exerceu muita influência sobre Loewenstein (1). Ele culpou a “igualdade formal” da representação política proporcional como a maior falha da democracia: “Sob o encanto da igualdade formal, é o formalismo exagerado do Estado de Direito que não exclui do jogo os partidos que negam a própria existência das regras” (1937a, p. 424).

O fascismo exibiu um “impulso missionário” para conter a maré do “caos bolchevique” (Loewenstein, 1937a, p. 419). Seu “entusiasmo” se espalhou para pequenos movimentos reacionários em democracias como França, Holanda, Suíça, Noruega, Tchecoslováquia, Irlanda e até mesmo a “racional” Grã-Bretanha. As recomendações de Loewenstein foram dirigidas principalmente às democracias que ainda mantêm os ideais centrais de seus regimes. Ele acreditava que os nazistas só poderiam ser resistidos pela adoção de seus próprios métodos, defendendo a “preservação da democracia por métodos não democráticos”. Ele elogiou as medidas tomadas pelos vizinhos da Alemanha, incluindo as medidas óbvias e razoáveis de banir exércitos privados, o uso de uniformes paramilitares e a exortações à rebelião.

Esses excessos normalmente poderiam ser tratados pelos códigos criminais existentes na maioria dos países (Loewenstein, 1937b, p. 645). No entanto, Loewenstein desejava apoiar a introdução de legislação antifascista, como a proibição de partidos alegadamente fascistas, restringindo a liberdade de discurso que se torna “abuso político” (Loewenstein 1937b, p. 652), a vigilância rigorosa das comunicações e a capacitação da polícia secreta para filtrar a propaganda subversiva. Esses oficiais deveriam ser cuidadosamente selecionados e intensamente treinados. “Na política”, escreveu Loewenstein, “a defesa é moldada de acordo com os métodos de luta do agressor” (1937b, p. 642; cf. Minkenberg, 2006). Ele citou Leon Blum, para dizer que “durante a guerra, a legalidade tira férias” (Loewenstein 1937a, p. 432). Loewenstein recomendou medidas de repressão contra órgãos que possam entrar legalmente na política eleitoral e subverter o sistema por dentro. A triagem geral das comunicações dificilmente poderia ser confiada aos potencialmente subversivos; portanto, seria uma intromissão na liberdade das pessoas. Ele começou condenando o autoritarismo do fascismo, e terminou com uma democracia autoritária.

Loewenstein evidentemente pensava que a democracia era muito preciosa para ser confiada às pessoas. Ele, então, sutilmente transformou a democracia em uma aristocracia, uma vez que “a democracia liberal, adequada … apenas para os aristocratas políticos entre as nações, está começando a perder o dia para as massas despertas” (1937b, p. 657). “Emocionalismo” é a característica falha do povo:

“A salvação dos valores absolutos da democracia não deve ser esperada a partir da abdicação em favor do emocionalismo, utilizado para propósitos egoístas desenfreados por líderes autoproclamados, mas por transformação deliberada de formas obsoletas e conceitos rígidos nas novas instrumentalidades ‘disciplinadas’, ou mesmo – não tenhamos medo da palavra – ‘democracia autoritária’. (Loewenstein 1937b, p. 657, ênfase adicionada)”.

Loewenstein, portanto, queria redefinir a democracia como “autoridade disciplinada por homens de mente liberal”. E o velho enigma surge novamente: Quis custodiet custodes ipsos? Quem decidirá quem são os homens e mulheres de “mentalidade liberal”, e quem guardará os guardiães? Embora suas prescrições possam prenunciar uma espécie de democracia caracterizada pelo governo das “elites”, em breve promovido por Joseph Schumpeter (1943, 269), sua tese em si é um desafio à democracia entendida no contexto histórico e filosófico.

Loewenstein era um observador atento das constituições comparadas e da política comparada em geral. Ele encontrou nas vicissitudes das antigas constituições romanas uma sucessão de modelos, ou “tipos ideais”, pertinentes à erudição moderna. Perto do final de sua vida, em 1973, ele escreveu um relato substancial dos sucessivos sistemas políticos romanos: “The Governance of Rome”. Os modelos apresentados foram a República; o Principado, que Loewenstein alegou ser uma monarquia constitucional; e o Dominato, uma autocracia coerciva de pleno direito. Pertinente para a presente discussão foi sua apresentação do ofício republicano da ditadura. Ele pretendia que as medidas de emergência da democracia militante fossem temporárias, e o modelo romano era instrutivo. A ditadura era uma magistratura estabelecida, embora ocasional, da república inicial: “Para lidar com o que pode ser chamado de governo de crise, os romanos encontraram a solução na instituição da ditadura constitucional, uma magistratura regular, embora extraordinária” (Loewenstein 1973, p. 75). Significativamente, ele observou que o ditador era o único “magistrado republicano importante sem investidura por eleição popular” (1973, p. 77), mas escolhido por um dos cônsules da época. O mandato do ditador foi estritamente limitado a seis meses, durante os quais ele reinou supremo sobre todas as outras magistraturas, e não foi sujeito ao veto de outros funcionários. Loewenstein ficou impressionado que aqueles romanos chamados para o serviço de emergência desta forma agiram com honra, muitos renunciando ao poder assim que sua tarefa atribuída foi concluída, não esperando o término de seu mandato de seis meses (1973, p. 79). Voltando ao problema moderno, Loewenstein insistiu que “nenhuma Constituição bem construída de nosso tempo pode se dar ao luxo de ignorar as exigências e potencialidades da situação de crise, e deixar de reconciliá-la, na medida do possível, com os princípios de uma sociedade livre sob o estado de direito” (Loewenstein 1965, p. 220).

Endossando a intenção de Loewenstein de modificar a “estrutura mental” da época, pode-se propor uma base mais histórica / filosófica para a democracia que desloque a opinião da “maioria transitória” (mas não privilegie a opinião da minoria transitória). Como Karin Bischof explica, “o conceito de democracia de Loewenstein é um conceito de democracia liberal e representativa, com uma postura forte de controle parlamentar, e é grosso modo orientado pelo entendimento de Max Weber de democracia como uma “autoridade jurídica racional”, como um “sistema racional” (Bischof, 2016; Loewenstein 1937a, p. 428). Evitando a ideia de Rousseau de uma democracia “radical”, Loewenstein seguiu as concepções britânica e americana de governo liberal-representativo (Bischof, 2016).

Se pudéssemos excluir da reforma de Loewenstein o autoritarismo, poderíamos endossar seu planejamento de reestruturação mental e ficaríamos num espaço mais confortável, pois este é o território da cultura política, e é evidente, a partir do exemplo histórico, que pelo menos um clima protodemocrático prevalece, receptivo à introdução de instituições democráticas, como um pré-requisito para a democracia (Inglehart e Welzer, 2005, p. 145–147). Como o próprio Loewenstein diz, “temos que pensar em décadas ou séculos ao medir a recessão ou o avanço de grandes movimentos seculares, como democracia ou capitalismo” (1939, p. 521). A democracia militante de Lowenstein foi logo assumida por Max Lerner, na américa do norte.

2. MAX LERNER

Max Lerner era bem conhecido antes de escrever seu primeiro livro individual: “It’s Later Than You Think. The Need for a Militant Democracy” ([1938] 1989a). Ele já era amplamente reconhecido como editor da The Encyclopaedia of Social Science (1927-1932) e também da The Nation, uma revista de notícias liberal. Defensor ferrenho do New Deal, ele ensinou em várias universidades influentes, incluindo Harvard, Notre Dame e Brandeis, e tornou-se jornalista de várias publicações.

Lerner estava tão perturbado com o avanço do nazismo quanto Loewenstein. Ele escreveu seu livro à sombra da incursão de Hitler na Renânia. Sempre otimista sobre a perspectiva de uma completa “Frente Popular” democrática (2), ele “cortejou a democracia como um de seus soldados” (Lerner, 1989b, p. 83), mas estava bem ciente dos perigos que as estruturas de poder internas representavam. Em sua reflexão de cinquenta anos sobre a publicação de seu livro, ele disse que tinha sido “um ataque contra um dinossauro em casa, um expansionista do fascismo no exterior, e, um clássico liberal passivo que se mostrou impotente na luta contra qualquer um” (Lerner, 1989b, p. 83) Ele parece ter antecipado a angústia com que alguns autores mais recentes lamentaram o declínio dos ideais democráticos nos Estados Unidos moderno, a “Superpotência” e declínio da sociedade civil. Foi quando os cidadãos foram ensinados a pensar em si mesmos como “consumidores”, e quando as associações voluntárias foram suplantadas por corporações legitimadas como “pessoas jurídicas”, que as forças do mercado começaram a invadir e esmagar a sociedade civil ao lado do setor privado (Barber, 2001, p. 282). A perda da sociedade civil acabou por abrir o terreno para um estado democrático “incorporado”. Sheldon Wolin toma o estado nazista como ponto de referência, revertendo ou invertendo a aplicação da ideia “totalitária”. O regime totalitário invertido é:

“… decididamente capitalista, não amigo das classes trabalhadoras e, claro, visceralmente antissocialista. Em contraste com os nazistas, a economia em constante mudança da Superpotência, apesar de sua afluência, faz do medo o companheiro constante da maioria dos trabalhadores. Redução do tamanho, reorganização, bolhas explodindo, sindicatos falidos, habilidades rapidamente desatualizadas e transferência de empregos para o exterior não criam apenas medo, mas uma economia de medo, um sistema de controle cujo poder se alimenta da incerteza, mas um sistema que, segundo seus analistas, é eminentemente racional. (Wolin, 2008, p. 67; cf. Maddox, 2016, p. 267-269)” (3).

Lerner apelou a uma “democracia militante” investida no poder do povo. Mais recentemente, Benjamin Barber despertou esse sentimento em um apelo por uma “democracia forte”, que pede as pessoas para governar. Não depende da chegada de um democrata credenciado como salvador, mas do recrutamento do “povo”, por mais falhos que sejam, para a tarefa de autogoverno: “É necessário apenas a fé nos efeitos democratizantes que a participação política tem sobre os homens [sic], uma fé não no que os homens são, mas no que a democracia faz deles” (Barber, 2003, p. 237).

Uma vez que Lerner pegou emprestado o termo “democracia militante” de Loewenstein, não era surpreendente que Loewenstein fosse um crítico proeminente de seu livro. O otimismo de Lerner sobre a possibilidade de educar a “maioria democrática” nasceu em sua crença de que Roosevelt deu grandes passos no sentido de motivar o público a favorecer suas políticas. Loewenstein era cético ao extremo. Lerner está em desacordo com Loewenstein, quando ele lamenta “a estima que muitos de nós sentimos pelas elites do mundo e o desprezo que alguns de nós ainda possuem pelo homem comum” (Lerner, 1989a, p. 245). Loewenstein retruca: “Um partido trabalhista como unidade política independente, pelo menos neste país [os EUA], seria um desastre de primeira magnitude, porque destruiria de uma vez o equilíbrio entre os dois partidos alternados” (Loewenstein, 1939, p. 520) (4). Firmemente comprometido com o modelo bipartidarista adversarial, ele considerava a representação proporcional que produzia sistemas multipartidários como “o erro mais grave da ideologia democrática” (Loewenstein, 1937b, p. 424).

No entanto, Lerner (1989a) segue Loewenstein até certo ponto: “Por “militante” quero dizer uma democracia que, para usar uma frase de William James, tornou-se resistente e não sensível. Deve aprender a reconhecer e saber quem são seus inimigos, entender suas táticas, estar disposta a descobrir essas táticas e confrontá-las”.

Lerner começou com uma discussão sobre a ascensão dos nazistas na Alemanha, observando quão “astutos foram os cálculos de Hitler sobre os pontos fracos da armadura do mundo democrático”, mas observou que ele falhou, ao final, ao calcular seriamente seus pontos fortes. Para ele, os nazistas estavam conduzindo uma contrarrevolução contra o progresso alcançado pelo mundo democrático, mas eles “superestimaram a força da tenacidade de classe nas democracias capitalistas em oposição à força do orgulho nacional e do instinto democrático” (Lerner, 1989a, p. xix). Desde o início, ele identificou a revolução democrática como uma etapa do ciclo que foi:

“emitido do mundo anárquico dos estados-nação capitalistas para evitar o colapso econômico e guerras aniquiladoras. … Os governantes da Inglaterra, França e – até o New Deal – América, tentaram agir como se as rachaduras na estrutura econômica fossem apenas uma invenção de descontentes, e as reivindicações dos homens comuns [sic] sobre padrões de vida decentes fossem apenas senhas de grupos fechados de visionários. Seu afastamento da realidade foi completo e, na natureza das coisas, como deveria ser: dificilmente se poderia esperar qualquer outra coisa deles. (Lerner, 1989a, p. xx)”.

Em contraste com as preocupações de Lerner sobre as ameaças à democracia, representadas pelo capitalismo descontrolado, Loewenstein chegou bem perto de associar a própria democracia à economia capitalista. “Apesar dos riscos decorrentes do sufrágio universal, o capitalismo prospera melhor sob a democracia com a previsibilidade do estado de direito” (Loewenstein, 1937a, p. 422 – ênfase adicionada). O estado de direito é totalmente contrastado com o emocionalismo das massas, o que, em uma disputa, não é páreo para o entusiasmo dos totalitários. Democracia e capitalismo juntos ‘precisam de mais paz e segurança para investimentos do que qualquer outra coisa” (ibid. – ênfase adicionada).

No crescimento desenfreado do capitalismo, Lerner viu uma afinidade com o fascismo Europeu. As sementes da contrarrevolução de Hitler já estavam germinando “nos profundamente reacionários elementos de nossa própria sociedade” (Lerner, 1989a, p. xxi). A crítica de Loewenstein, que foi amplamente direcionada contra as recomendações de Lerner sobre o planejamento de uma reforma econômica e política, não abordou as observações de Lerner sobre a contrarrevolução do fascismo em que os magnatas conservadores do mundo democrático foram cúmplices. Apesar de seus artigos de 1937, ele reconheceu o fascismo como um “movimento mundial” e, de fato, enumerou os dissidentes movimentos fascistas internos dentro das sociedades democráticas, mas Loewenstein se recusou a reconhecer as forças sociais e econômicas por trás da revolução democrática. Seus artigos não abordaram o tipo de análise que Lerner ofereceu sobre o nazismo, mas se concentraram na fraqueza inerente ao ideal democrático. Ele, portanto, pareceu ser um crítico não qualificado para a abordagem que Lerner ofereceu à democracia militante:

“Quero dizer uma democracia que, embora calmamente determinada em dar expressão aos desejos de suas minorias, não hesita em cumprir as decisões das regras da maioria… Refiro-me a uma democracia disposta a agir de forma decisiva quando uma ação decisiva é necessária, não movida pelo medo de aumentar ou concentrar o poder governamental, disposto a usar esse poder com rapidez e tenacidade para fins sociais. (Lerner, 1989a, p. 103-4)”.

Lerner reconhece que não há “vontade da maioria que seja válida para todas as questões públicas e que sempre agrupe a mesma maioria contra a mesma minoria”. Ele afirma o “princípio da maioria” simplesmente para resolver decisões políticas. É o medo da “multidão” que divide os “homens inteligentes [sic] e a democracia” (Lerner, 1989a, p. 107). Ele propõe que a captura da comunidade democrática pelo monopólio capitalista tende à formação de oligarquias poderosas. Lerner reconhece o progresso feito pelo capitalismo, mas procura domesticá-lo por um sistema de “capitalismo de estado”, uma vez que testemunhou as poderosas manobras corporativas usadas para frustrar as reformas econômicas de Roosevelt. “A propriedade privada e a iniciativa industrial privada permaneceriam; mas os capitalistas podiam tomar suas grandes decisões apenas dentro de uma estrutura definida pelos conselhos de planejamento” (Lerner, 1989a, p. 158). “Monopólios definitivos”, no entanto, devem ser nacionalizados imediatamente (1989a, p. 163).

A democracia coletivizada de Lerner depende do aumento da renda nacional, que em seu tempo foi restringido por empresas que retinham a venda do excedente de produção em suas recusas em reduzir os preços ao nível de mercado real, e por trabalhadores que retêm mão de obra ao tentar aumentar os salários e minimizar as horas de trabalho. O resultado foi que a maior parte da força de trabalho tinha renda insuficiente para gastar com os produtos excedentes da indústria, levando a uma estagnação da economia. Lerner endossou o planejamento econômico para coincidir com o poder de compra da população com capacidade de produção industrial. Tendo vivido através da crise financeira, quando fundos públicos foram pagos a bancos que eram grandes demais para falhar (cf. Collins, 2015), podemos ser tentados a creditar a Lerner mais previsão do que Loewenstein. “A socialização do sistema bancário e de crédito é um elemento necessário em qualquer economia planejada, seja capitalista ou socialista” (Lerner, 1989a, p. 162).

Loewenstein desprezava o desejo de Lerner de mobilizar um “coletivismo democrático”. Ele o criticou por identificar o capitalismo monopolista como uma grande ameaça à democracia. Lerner desejava planejar um “coletivismo democrático”, claramente projetado para colocar “o povo” na vanguarda de seu esquema. Ao criticar o livro que tomou dele emprestado o termo “democracia militante”, Loewenstein disse que “não pode ter escapado a um observador astuto do calibre do Dr. Lerner o fato de que a maioria democrática é uma abstração, incapaz de decisão”. “Subscrevendo a “lei de ferro”, ele argumentou que “qualquer maioria [não é mais uma abstra- ção?] torna-se uma oligarquia…” (Loewenstein, 1939, p. 520).

Igualmente preocupado em invocar uma democracia militante contra seus inimigos, Lerner reverteu a posição de Loewenstein, encontrando um “inimigo interno” diferente e investindo o potencial para reforma na comunidade do povo, em vez de nas elites tradicionais, “liberais” ou não. A posição de Lerner é bastante justificada pelos recentes eventos da política nos Estados Unidos. O impasse entre os dois partidos “equilibrados” – os democratas e os republicanos – e o impasse entre o Congresso e a Presidência foram totalmente observados e documentados bem antes da administração Trump (Gutmann e Thomson, 2012; Fiorina, 2013; Maddox, 2016, p. 180–183; Kane, 2017).

Mesmo em 1938, Lerner estava preocupado com a profundidade do compromisso com a democracia entre os jovens. Em seus termos, a força da ideia democrática residia nas reverberações dos movimentos revolucionários no Reino Unido, Estados Unidos e França (cf. Palmer, 1959, p. 213–232; p. 469-489). Hostilidades iminentes na década de 1930 despertaram nova energia democrática: “Uma doutrina não se torna uma força viva, se não for tida como certa, e sem que sacrifícios tenham que ser feitos para isso. Mas sob grande tensão e perigo, é colada às tradições do passado e abre possibilidades ilimitadas para o futuro”. (Lerner, 1989a, p. 104). No entanto, existem outras arenas de luta além da guerra total:

“Mas não é apenas no campo de batalha, onde o sangue é derramado, que esse milagre se renova. Na realidade cada campanha sindical, cada plano legislativo, cada passo no domínio sobre o prejuízo, todo esforço administrativo nas democracias, hoje, é um campo de batalha. O advogado-economista que estuda a estratégia de uma indústria e traça planos para o seu controle, e quem na América hoje se tornou a figura chave na transição para um coletivismo democrático, é tanto um herói quanto o soldado que algum dia terá que lutar para defender a ordem democrática que está sendo construída”. (Lerner, 1989a, p. 104).

3. O VALOR DA MILITÂNCIA?

É claro que o conceito de Loewenstein, embora bem intencionado, era uma proposição arriscada, não apenas em seus próprios termos, mas também nas aberturas de uso que deu aos modernos destemperados; o que Alexander Kirshner chama de paradoxo da democracia militante: os métodos pretendidos para defender a democracia podem conduzir ao seu enfraquecimento (Kirshner, 2014, p. 2). A noção de excluir setores da população do acesso à atividade política diminui a integridade do “demos”. Kirshner reconhece os sérios interesses morais dos “antidemocratas” na participação, “não apenas em votar, mas ocupar cargos, falar e se associar a outros”, atividades que “garantem” o bem-estar individual do cidadão (Kirshner, 2014, p. 27; 33; p. 36). Embora se preocupando com poucos detalhes do relato de Loewenstein (sugerindo um paralelo entre suas recomendações e o macarthismo [Kirshner, 2014, p. 2-3; p. 82-93]), Kirshner aborda as deficiências gerais da “democracia militante”. Seu tema principal é uma advertência de que remédios para ameaças à democracia podem causar mais danos do que o que está ameaçado. Seu argumento é que ser antidemocrático não é uma causa para desqualificação de participação no sistema político (Kirshner, 2014, p. 33; 41). Silenciar as opiniões intolerantes seria como diminuir a legitimidade das instituições democráticas (p. 63). O programa não deve ser a exclusão do “demos”, mas sim evitar “violações de direitos” (p. 57). A solução de Kirshner é “polarizar as instituições de fundo”, o que poderia envolver regulamentação das autoridades subsidiárias em conformidade com os ideais democráticos (p. 69-74).

Kirshner densifica o direito de participação política com a manutenção dos ideais democráticos de liberdade e igualdade. Um conceito mais forte de democracia abraça os ideais em sua essência. Fica proposto que uma “democracia forte” pode ser um substituto relevante para a democracia militante, com todos os seus problemas. Na verdade, foi algo desse tipo que Max Lerner defendeu ao recomendar “a comunhão do povo” (cf. Fennema e Maussen, 2000, p. 380–384). Além disso, os métodos defendidos por Loewenstein para combater o fascismo são, como ele próprio reconheceu livremente, antagônicos às tradicionais normas da democracia em si. A exigência de polícia secreta e vigilância da população, incluindo a triagem de comunicações suspeitas, quando “normalizados” nos métodos do estado, minam suas reivindicações de integridade democrática. No entanto, a incursão do Partido Nazista no sistema político alemão por meios legais foi um grande desastre, e ainda há forças minando decididamente os ideais democráticos, e que precisam ser confrontadas.

Embora Kirshner tenha pouco tempo para as recomendações iliberais de Loewenstein, ele abre espaço para uma necessária acomodação à militância. Ele faz a observação sensível de que a democracia representativa é sempre um negócio setorial (Kirshner, 2014, p. 165). As instituições representativas são projetadas para acomodar o pluralismo, abraçando as necessidades de todos os cidadãos, independentemente de suas convicções filosóficas, afiliações institucionais, sua raça, religião ou outros credos, realizações educacionais ou status socioeconômico. Ele poderia acrescentar que a própria democracia pode ser interpretada como um negócio inacabado, enquanto a conversa dialética entre os diferentes partidos busca aberturas para melhorar o bem-estar da sociedade como um todo e de seus habitantes individuais.

Para Kirshner, o caso paradigmático da democracia militante é o Congresso dos Estados Unidos durante a Reconstrução, após a Guerra Civil. Os estados do sul haviam se separado da União quando travaram guerra contra a República. Mesmo após a Proclamação de Emancipação, eles continuaram a se comportar antidemocraticamente ao negar os benefícios da cidadania plena aos ex-escravos afro-americanos (Kirshner, 2014, p. 145). Que os cidadãos adotem crenças antidemocráticas não é motivo para desqualificação política. A República adotou o engenhoso artifício de colocar os sulistas na posição de terem de “optar” pela União, por meio da “aceitação de elementos fundamentais da prática democrática. A exclusão do Congresso terminaria assim que os estados ratificassem as garantias institucionais de um sistema aberto e democrático” (Kirshner, 2014, p. 153). Os sulistas se tornaram os autores de sua própria exclusão. No final das contas, a solução não funcionou, pois a República não conseguiu comprometer os extensos recursos necessários para policiar o regime reformado no sul.

No entanto, a situação apresentada pelo rescaldo da Guerra Civil não é especialmente útil no combate à subversão de dentro da política democrática. Os estados do sul foram separados pela guerra a partir da política contínua da República. Os termos de seu assentamento ofereceram ao Norte a oportunidade de impor as condições para a restauração da cidadania.

Considerando que Kirshner havia permitido que a circunstância incomum e extrema da guerra civil pudesse validar a exclusão de cidadãos “antidemocráticos”, Carlo Acceti e Ian Zuckerman não abrem qualquer espaço para a exclusão de cidadãos. Eles argumentam que a democracia militante é inerentemente um fracasso em seus próprios termos, “porque a decisão sobre o que constitui um inimigo da democracia atinge os limites da própria entidade política e, portanto, não pode ser subsumida de qualquer norma democrática anterior” (Acceti e Zuckerman, 2017, p. 184). A questão é explorada com alguma profundidade por Meindert Fennema e Marcel Maussen. Eles concordam que a discussão democrática deve incluir todos os cidadãos, independentemente de sua opinião ou origem. Os direitos democráticos são “irrevogáveis” (Fennema e Maussen, 2000, p. 383). No entanto, há um problema quando uma democracia precisa enfrentar visões extremistas desde dentro. Enquanto ela está preparada para censurar a fala que é um incitamento direto à violência, os conflitos entre os cidadãos devem ser tornados públicos e sujeitos a um debate aberto. “Opiniões não devem ser proibidas por serem racistas, por serem blasfêmias ou moralmente repugnantes” (Fennema e Maussen, 2000, p. 384). Sem dúvida, há uma linha tênue entre discurso racista e a “incitação à violência”, como as vítimas de calúnia racista podem muito bem afirmar, ainda que o discurso sem intenção violenta aparentemente deva ser protegido.

Fennema e Maussen postulam padrões para o debate público, que incluem respeito e responsabilidade. Eles fazem a observação interessante de que, uma vez que a democracia está sujeita a repetidas renovações e fortalecimentos, encontros com opiniões extremistas são oportunidades abertas para um progresso construtivo:

“Um debate com extremistas oferece a possibilidade de reconhecer problemas sociais, para aumentar a legitimidade do governo e para refletir sobre a qualidade do sistema político. Pode trazer à tona irracionalidades e preconceitos, e pode, eventualmente, convencer os adeptos de partidos extremistas da superioridade dos valores democráticos. Mesmo que apenas alguns destes objetivos sejam alcançados, o que fortalecerá o processo democrático. (Fennema e Maussen, 2000, p. 398)”.

4. DEMOCRACIA FORTE

Meindert Fennema clama por “uma concepção mais substancial de democracia … [que] não pode, em uma sociedade multicultural, ser baseada no consenso popular”, e que evita a “repressão” de dissidentes, já que isso mina seus ideais básicos (2000, p. 29). Em qualquer caso, Miodrag Jovanovic se opõe à ideia de que “os valores democráticos gozam do status especial de padrões morais absolutos contra os quais se possa julgar que, independentemente do contexto, certas ações e crenças sejam moralmente certas ou erradas”. Ele apoia seu argumento com a afirmação de que “a democracia é, antes de mais nada, um método de governo” e tributa a Lowenstein a falha em não explicar o “caráter absoluto” dos valores democráticos (Jovanovic, 2016, p. 746). No entanto, as pré-condições culturais indispensáveis para uma democracia são baseadas em ideais morais evoluídos, que exigem a participação do “demos” no governo e a garantia de proteção aos habitantes. É neste ponto que a “democracia forte”, promovida por Benjamin Barber, entra em cena. Barber, concentrando-se na situação dos Estados Unidos, clama por uma reconstrução da sociedade civil, que ele vê como amplamente prejudicada na nova era mercantilista. Ele reage a uma concepção tênue de democracia, “o resíduo pálido do pluralismo democrático liberal, que retrata a política como nada mais do que a camareira de interesses privados” (Barber, 2003, p. 118). A democracia forte, por outro lado, envolve totalmente o público em um empreendimento comum. Isto é:

“… a política no modo participativo, onde o conflito é resolvido na ausência de uma base independente, por meio de um processo participativo de autolegislação contínua e próxima, e a criação de uma comunidade política capaz de transformar indivíduos dependentes e privados em cidadãos livres e interesses parciais e privados em bens públicos. (Barber, 2003, p. 132)”.

Respeitando a preocupação liberal tradicional com a proteção de uma esfera individual de atividade, este tipo de engajamento público e consentimento ativo à riqueza comum forneceriam uma defesa democrática contra as pretensões de políticas extremistas.

Para oferecer uma versão de democracia que valha a máxima defesa, precisamos destilar os elementos da experiência histórica e reflexão filosófica em uma concepção que transcenda as fronteiras de tempo e de espaço nacional. O próprio Loewenstein desejava enraizar a democracia em um amálgama internacional de prática democrática. No entanto, o ideal democrático abraça a prática além do círculo das nações que lutam para manter seus sistemas em face da agressão fascista. Há um profundo paradoxo nisso tudo, tendo em vista que uma verdadeira democracia, ao contrário de uma democracia de quadro amplamente liberal, exige o envolvimento das pessoas. Lerner recorre a Thomas Mann, também um combatente pela democracia na década de 1930, quem fez “uma apreciação eloquente do valor da força criativa da democracia, com base na premissa de que a democracia é uma das expressões polares inerentes e universais do caráter humano” (cf. Mann, 1938; Lerner, 1989a, p. 87). No verdadeiro estilo platônico / hegeliano, Thomas Mann declara a democracia como sendo uma verdade permanente, quase transcendente: “… estou conectando-a com os atributos humanos mais elevados, com a ideia e com o absoluto; estou relacionando-a com a dignidade inalienável da humanidade, que nenhuma força, por mais humilhante que seja, pode destruir”. Ela:

“É [a fé na vitória sobre o fascismo], e deve ser fundada no aspecto humanamente atemporal de democracia, sobre os poderes ilimitados de auto renovação, que são sua consequência, e em seu estoque inesgotável de juventude potencial, que é nutrida pelo absoluto. (Mann, 1938, p. 20-21; cf. Moses, 2016)”.

Ao mesmo tempo, plebiscitos instantâneos destinados a discernir a “vontade do povo” podem muito bem ser contrários aos ideais permanentes de uma comunidade democrática. Decisões “do povo” que assediam as minorias ou colocam seus direitos em perigo, ou as suas pessoas em risco, devem ser reconhecidas como antidemocráticas. Como Wolin argumenta:

“Em um sistema genuinamente democrático, ao contrário de um pseudodemocrático no qual uma “amostra representativa” da população é questionada sobre “aprovar” ou “desaprovar”, os cidadãos seriam usados como agentes ativamente envolvidos no exercício do poder e na contribuição para a direção da política. Em vez disso, os cidadãos são mais como “pacientes” que, na definição do dicionário, “suportam ou convivem (com o mal de qualquer tipo) com compostura: sofrimento ou tolerância”. (Wolin, 2008, p. 60)”.

Os ideais de uma democracia duradoura tratam as pessoas como indiscutivelmente iguais em seus valores como seres humanos, livres dentro dos limites definidos pela comunidade, e responsáveis por seu autogoverno.

5. UM NOVO DESAFIO?

Tanto Loewenstein quanto Lerner abordaram problemas que possuem ressonância significativa no mundo contemporâneo: Loewenstein contra o populismo “emocional”, e Lerner contra capitalismo corporativo entrincheirado. Em uma reviravolta irônica, a democracia militante de Loewenstein tornou-se disponível como uma arma para o mesmo tipo de grupo contra o qual antes se opunha. Karin Bischof explora o retorno distorcido da ideia de democracia militante no Parlamento Austríaco. Em uma reversão das intenções de Loewenstein, mas de uma forma não inesperada no clima atual, o termo foi arregimentado para a causa do ultraconservadorismo contra a política popular ou radical. ‘Wehrhafte’ ou ‘streitbare Demokratie’ tornou-se um conceito defensivo no contexto da “segurança”, ao invés de uma defesa do estado democrático em si. Desde os ataques terroristas nos Estados Unidos, em 2001, o termo tem sido cada vez mais usado contra o “Islamismo”, presumivelmente “extremismo” islâmico. Mais recentemente, surgiu no Parlamento Austríaco como defesa contra a maré de refugiados que surge na Europa. Isso também foi usado como um gancho argumentativo “para reformar” a democracia, ou seja … para abolir o controle parlamentar da polícia, e implementar um “Chanceler-Presidente forte”, eleito diretamente (Bischof, 2016). Esta proposta de Jörg Haider (falecido líder carismático do populismo FPÖ de direita, Partei Österreich), recomendando uma mudança fundamental para uma constituição republicana, estava de certa forma alinhada com o desejo de Loewenstein em dar a defesa da democracia às elites confiáveis.

Esse movimento pode ser mais bem denominado de “nacionalismo étnico”, mas sem dúvida foi apanhado por uma preocupação generalizada sobre o “populismo” internacional. Alan Scott observa que este termo “foi reduzido a um rótulo depreciativo que visou pintar direita e esquerda com o mesmo pincel” (Scott, 2018, p. 219) (ao mesmo tempo, seu uso abrangente encobre um sentido em que “populismo” pode se referir ao legítimo apoio a um regime [Tormey, 2017]). Movimentos “étnicos”, semelhantes ao austríaco, são evidentes na Alemanha, França, Holanda, Grécia, Hungria, Suécia, Itália, Estados Unidos e Austrália (cf. Minkenberg, 2006; Morieson, 2017; Schultheis, 2017; Scott, 2018, p. 217-218).

Os atuais movimentos étnico-nacionalistas podem não ser tão potentes quanto a ameaça nazista que Loewenstein confrontou, mas eles significam um crescente descontentamento com os procedimentos democráticos. Enquanto eles anunciam um autoproclamado patriotismo, seu efeito é diminuir as reivindicações de democracia, agindo de uma forma que Kirshner identifica como limitadora dos direitos de cidadania dos outros, particularmente residentes “estrangeiros” e imigrantes recentes. Em um mundo onde o prestígio dos políticos eleitos caiu a profundidades inesperadas, e onde muitas pessoas estão inclinadas a declarar seu desprezo pela democracia, é difícil a tarefa de reconstruir o apoio em tal clima retórico adverso.

Parte da insatisfação dos cidadãos é a percepção de que os governos parecem preferir atender às demandas das grandes corporações do que ao bem-estar de muitas. Lerner não estava sozinho em discernir a ameaça da ideologia de mercado em sua época. Em 1944, por exemplo, a famosa impugnação de Karl Polanyi à autonomia das relações de mercado: “… a ideia de um mercado auto-ajustável implicava uma utopia total. Tal instituição nunca poderia existir por qualquer período de tempo sem aniquilar a substância humana e natural da sociedade” (Polanyi, 1944, p. 3). Não se pode tirar dessa visão que os “neoliberais” não sejam sinceros em sua confiança no mercado, pois “os neoliberais em todo o mundo compartilham uma crença comum no poder de “autorregular” mercados livres para criar um mundo melhor” (Steger e Roy, 2010, p. 3). O neoliberalismo pretende ser um recrudescimento do “liberalismo clássico” associado à economia de Adam Smith, para quem o mercado foi “autorregulado” por uma mão oculta e benigna. O neoliberalismo surgiu na década de 1970 como uma reação ao keynesianismo e à economia geralmente controlada. Em seu cerne estava um individualismo agressivo que não tolerava nenhuma ação política coletiva por parte de outras pessoas, além de suas transações no mercado. A dignidade da pessoa individual e sua reivindicação a um alto grau de liberdade pessoal estavam no centro ético da ideologia de mercado.

O neoliberalismo herdou de seu ancestral clássico a ideia do estado de “vigia noturno”, cujas funções se restringiam em manter a paz e oferecer proteção contra criadores de problemas internos e externos. Suas funções policiais e militares eram importantes, embora pudesse implantar seu monopólio da violência para proteger os direitos de propriedade, fazer cumprir contratos “sagrados” e proteger o mercado de interferências externas. Acima de tudo, exigia que o governo fosse impedido de interferir nas transações do mercado. No entanto, os neoliberais foram muito mais longe, estendendo sua proibição de “interferência” a um enfraquecimento coordenado sobre a própria ideia de governo. Os governos são sempre burocráticos, ineficientes e equivocados, eles fazem as escolhas erradas, que são apenas disponíveis para o funcionamento do mercado livre. Ronald Reagan declarou que o governo não é a “solução”, e sim “o problema”. O “fundamentalismo” de mercado (Stilwell, 2007, p. 155), portanto, insistiu que os impostos deveriam ser reduzidos ao mínimo indispensável, uma vez que a tributação em si seria “interferência”, e que o governo deveria se desfazer dos ativos públicos, por meio de “privatizações”, entregando serviços públicos nas mãos privadas que deveriam tomar decisões mais eficientes. A experiência real com concessionárias privatizadas nem sempre é tão otimista, um subproduto da privatização, cada instância disso foi “sobre o fim da democracia” (Barber, 1999, p. 95), que é um enfraquecimento da confiança no governo.

Sob “fundamentalismo de mercado”, o mercado engloba tudo, uma “ética em si” que presume orientar todos os aspectos da vida (Treanor, apud, Harvey, 2005, p. 4). Esta é uma má notícia para a democracia, da qual os teóricos neoliberais são “profundamente desconfiados” (Harvey, 2005, p. 66). Uma vez que a “eficiência” do mercado deriva da competição, os vencedores no concurso estão satisfeitos, mas, infelizmente, “vencedores” também implicam perdedores. David Harvey chega à melancólica conclusão de que: “Para aqueles deixados ou lançados para fora do sistema de mercado – uma vasta reserva de pessoas aparentemente descartáveis, desprovidas de proteção social e estruturas sociais de apoio – há pouco para ser esperado da neoliberalização, exceto pobreza, fome, doença e desespero. (Harvey, 2005, p. 185)”

Fortes evidências dos temores de David Harvey vêm dos Estados Unidos, mas também são aparentes em outros lugares. É reconhecido que as instâncias “realmente existentes” de neoliberalismo podem diferir em ênfase umas das outras (Ryan, 2016). No entanto, Lerner previu a distopia de Harvey em sua própria época e apresentou um caso resiliente em favor de uma democracia que abrange todo o povo na gestão conjunta de seus assuntos coletivos. O que passamos a chamar de “democracia forte” envolve a comunidade na atividade social que educa para a crença na esfera pública e vacina contra a propaganda implacável do mercado como o ponto-chave e o fim da vida.

6. CONCLUSÃO

“Democracia militante” evidentemente significava a fé investida no estado democrático, tanto por Loewenstein quanto por Lerner. Ambos pensaram que a democracia deveria ser poderosamente defendida, embora as medidas que eles propuseram divergissem agudamente. A controvérsia entre eles, na verdade, destacou as diferenças entre duas versões distintas de democracia: uma, aquela que depende da boa vontade da população, mas que conta com elites para assumir a gestão, e a outra, abrangendo a população em geral em uma atividade cooperativa. Como vimos, existem dificuldades conceituais com a democracia militante, o que implica, pelo menos, a possível implementação de medidas “antidemocráticas”. Por esta razão, invoca-se uma “democracia forte”. Isto implica a restauração da sociedade civil, que traz uma atividade mais vigorosa por parte do povo na esfera pública. Vai além dos métodos de pesquisa e teste focal de grupos para promover mais expressão, por meio de reuniões públicas e demonstrações, exigindo o envolvimento dos cidadãos mais diretamente com seus representantes. Nos termos de Lerner, a sociedade civil é limitada pela influência do capitalismo corporativo sobre o governo democrático, algo que é tão relevante hoje quanto já era na década de 1930. Se a democracia deve ser defendida, precisa exigir transparência nas atividades das corporações empresariais e introduzir a regulamentação necessária, que é persistentemente atacada pelos líderes empresariais como uma restrição à empresa. Há uma escolha a ser feita entre a conduta de uma comunidade democrática aberta e a acumulação oculta e perpétua dos recursos da comunidade em algumas poucas mãos privilegiadas.

O ideal democrático também é amplamente minado pela ascensão de “movimentos populistas”, tendo pelo menos alguma semelhança com o “nacionalismo étnico”, expresso pelos nazistas nos anos 1930. Loewenstein está em terreno seguro quando recomenda o uso de métodos coercitivos dos poderes do Estado contra a violência política ou atividade paramilitar subversiva. Entretanto, é evidente que as recomendações de Loewenstein são inadequadas em vários aspectos. A democracia autoritária que ele busca é claramente uma contradição em termos. Proibir partidos ou movimentos por suspeita de que tenham o apoio de grupos substanciais de cidadãos seria um ataque ao próprio “demos”. A abordagem Schumpeteriana, favorecendo governo de elite que Loewenstein prenuncia, é inadequada no mundo neoliberal e pós-crise financeira – para Wolin, o mundo “totalitário invertido”.

Em suma, embora as soluções de Loewenstein pareçam inaceitáveis, e as de Lerner talvez pareçam utópicas, os temores pela democracia na década de 1930 eram reais e indicam a necessidade de uma democracia vigilante no atual clima de governo de elite. O projeto de Lerner para engajar populações democráticas e governos abertos contra os governantes do capitalismo corporativo prenuncia a necessidade de os democratas modernos dissecarem as reivindicações de livre mercado do neoliberalismo, para montar um caso forte para a manutenção do domínio público e para promover o exercício efetivo do poder do povo. Este artigo procurou reivindicar a abordagem de Lerner para a “democracia militante” e, evitando o uso de Loewenstein, para se adaptar à noção de uma “democracia forte”.

NOTAS

(1) K. D. Bracher argumentou que a própria república de Weimar carecia de uma cultura democrática, sendo “uma democracia sem democratas”, em Inglehart e Welzer (2005, p. 245).

(2) Muito otimista, de acordo também com suas reflexões posteriores (Lerner 1989b, p. 83-86).

(3) Alguns aspectos da tese de Wolin foram há muito antecipados por Polanyi (1944) e Galbraith (1967).

(4) A ascensão do Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, em grande parte substituindo o antigo Partido Liberal, não eventualmente perturbou o equilíbrio de dois partidos no sistema.

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Harari: Caminhamos para uma nova era de guerra?

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