Lula é um populista de esquerda: um democrata eleitoral, por certo, mas não um democrata liberal.
Bolsonaro é um populista-autoritário de extrema-direita: sem qualquer dúvida, um autocrata eleitoral (embora o Brasil ainda seja uma democracia eleitoral, não uma autocracia).
Moro não é bem populista (embora o moralismo que ele instrumentaliza tenha forte apelo populista). Também é i-liberal, como os outros dois, mas sua candidatura tem viés proto-fascista.
Com isso não estamos afirmando que Moro é fascista, mas que a força política que ele representa tem um viés proto-fascista. Por que? Ora, porque todo punitivismo tem. Punir, punir, punir, vigiar e punir. Isso acaba sempre em alguma variante fascista, não em termos de projeto estratégico de poder, mas de comportamento político.
Nada disso significa que o bolsonarismo não tenha comportamento claramente fascistóide, assim como a militância lulopetista – em algumas circunstâncias – também tem. Mas os populismos contemporâneos são bem distintos do fascismo, “tecnicamente” falando. Enquanto os populismos bolsonarista e lulopetista dividem a sociedade em uma única clivagem povo x sistema ou povo x elites, o morismo (ou morolavajatismo) divide as pessoas em honestas e corruptas e quer arrebanhar as honestas para combater as corruptas. É um tipo de messianismo, embora não tão característicamente populista, conquanto o título de seu último livro (Contra o sistema de corrupção), sugira alguma coisa como “o povo” (honesto) x “o sistema” (corrupto).
Examinemos os dois principais populismos em disputa para depois tentar desvendar o significado da candidatura Moro.
Em mais de uma década estudando o assunto cheguei a essa conclusão. Os populismos (de direita ou esquerda) que parasitam democracias (eleitorais), são modos de degenerar a política (democrática) em guerra (eleitoral). É por isso que os populismos são hoje os principais adversários da democracia (liberal). A democracia (liberal), como se sabe, é um modo pazeante (não-guerreiro) de regulação de conflitos. Não é guerra (nem prática da política como continuação da guerra por outros meios): é, ao contrário, evitar a guerra.
Para entender por quê os populismos contemporâneos são regimes de guerra eleitoral, cruzamos a classificação dos regimes políticos do V-Dem (da Universidade de Gotemburgo) com o estudo empírico dos populismos. Citamos apenas três exemplos de cada para ilustrar.
O diagrama omite que existem democracias eleitorais que não são parasitadas por populismos (nem de direita, nem de esquerda). Mas mostra que tanto as democracias liberais, quanto as autocracias não-eleitorais (também chamadas de autocracias fechadas) não são vulneráveis aos populismos.
Com a volta de Lula, o Brasil passará do quadrante 1 para o quadrante 2. E há sempre um risco de decair do quadrante 2 para o quadrante 4, embora menor (o maior risco, neste caso, é o Brasil estacionar como democracia eleitoral e não se converter em democracia liberal – já que Lula é um democrata eleitoral i-liberal). Com a reeleição de Bolsonaro ou a eleição de Moro o Brasil pode pular do quadrante 1 para o quadrante 3.
De Moro? Mas por que de Moro?
No longo prazo, de um ponto de vista democrático, Moro é o candidato mais perigoso de todos. O epílogo do seu livro de campanha – Contra o sistema de corrupção – tem como título “Precisamos de você” e como frase final: “A luta contra o sistema de corrupção nunca poderá prescindir de bons combatentes, entre eles você.”
Ele continua querendo fazer uma cruzada de limpeza ética para punir os corruptos. Quer instalar na presidência da República a vibe lavajatista. Como declarou ontem ao Correio Braziliense, o ex-juiz quer ser o juiz supremo, o juiz dos juízes. Pretende até criar um tribunal de exceção sob a justificativa punitivista de que “nossos tribunais não podem ter uma resposta assim tão formal para o problema da corrupção. Precisamos ter uma construção de uma jurisprudência que faça com que quem roubou dinheiro público arque com as consequências”.
De novo. Punir, punir, punir, vigiar e punir. Moro sonha em transformar nossa sociedade em um conjunto de agentes policiais. Vigie seu representante, policie seu vizinho. Vamos varrer o mundo, separar os bons dos maus, cortar cabeças. Embora não pareça, essa é a proposta mais perigosa para a democracia que poderia existir. É uma distopia, baseada na ideologia autocrática da pureza. Não deixa de ser um tipo de fascismo (um eco daquele fascismo eterno do Umberto ou do fascismo que volta em cada época do Primo Levi).
E se alguém chama a atenção para essa perversão, os morolavajatistas logo o desclassificam como corrupto ou defensor da corrupção. É assim que o messianismo morolavajatista se protege: acusando os seus críticos de serem maus justamente porque criticam seu modo particular de identificar e combater o mal.
Agora imaginem o poder de um tribunal de exceção para combater a corrupção nas mãos de um presidente que também atuará informalmente como juiz supremo, fazendo jurisprudência ao largo das leis, segundo Moro, excessivamente liberais (sim, examinem a sua tese de 2004, intitulada Considerações sobre a Operação Mani Pulite). A pretexto de combater “o mecanismo” será um mecanismo para intimidar os adversários.
Moro não é fascista. Mas tanto ele quanto os membros da força-tarefa da Lava Jato têm uma visão pedestre de democracia. Objetivamente, entretanto, uma vez conjuradas e colocadas em ação as tendências, as forças e os preconceitos, moralistas-punitivistas, que estão na raiz de sua ideologia restauracionista (robespierriana, poder-se-ia dizer), o que se instalará na sociedade poderá ser algo muito próximo do fascismo.
Consideremo-nos, todos, devidamente avisados.



