Não sobreviveu um, um único miserável escrito democrático de toda a experiência democrática da Grécia clássica (entre 509 e 322 a.C.). E nem de antes. E nem de depois, até o século 17.
Não restaram escritos de nenhum dos sofistas democráticos (como Protágoras) e, na verdade, de nenhum sofista. Com exceção de uma menção de Ésquilo (472 a.C.) em Os Persas, e de uma ou outra de Eurípedes (424 a.C.), sobretudo em As Suplicantes, todos os textos políticos que chegaram até nós foram escritos por pessoas que não entenderam bem a democracia ou que a ela se opunham.
Talvez o mais antigo desses textos, A Constituição dos Atenienses, escrita pelo Pseudo-Xenofonte (provavelmente entre 431 e 424 a.C.), começava assim:
“Quanto à forma de governo dos atenienses, que escolheram este tipo de constituição, eu não a aprovo pela seguinte razão: aqueles que a escolheram optaram por privilegiar a ralé ao invés da elite. Eis por que a não aprovo”.
E ele – O Velho Oligarca, que redigiu o texto acima – já começa reclamando da corrupção (pois gostava mesmo era de ditaduras de homens honestos, como a espartana):
“Ouve-se dizer: se alguém for ao Conselho ou à Assembleia com dinheiro na mão, tem o seu processo tramitado”.
Dos principais construtores da democracia – Clístenes (565-492 a.C.), Efialtes (?-461 a.C.), Péricles (490-429 a.C.) e Aspásia (470-400 a.C.), sem esquecer de Protágoras (481-411 a. C.) – não restou nada escrito. Diz-se que os livros de Protágoras foram queimados, mas a informação é incerta.
Dos contemporâneos da primeira democracia também não há nenhuma obra claramente democrática. Heródoto (484-425 a.C.), embora tenha elogiado a democracia (na verdade, elogiou mais Atenas), não a entendeu bem. Sócrates (470-399 a.C.) – e a quase totalidade de seus discípulos ou seguidores, com destaque para os golpistas sanguinários Cármides, Crítias e Alcebíades (este populista), para não falar de Xenofonte e Platão – era contrário à democracia; e não deixou nada escrito. Tucídides (460-395 a. C.), embora não possa ser acusado de antidemocrata, não captou bem a democracia, por vezes confundindo-a com uma espécie de tirania da maioria ou de poder monocrático (no caso da longa duração do protagonismo de Péricles). Xenofonte (430-355 a.C.) era pró-espartano e declaradamente anti-democrata. Platão (427-347 a.C.), já mencionado, idem (e foi o principal teórico antidemocrático que existiu até agora em toda a história). Aristóteles (384-322 a.C.), ainda que tenha descrito, com aparente isenção, o funcionamento da democracia, não a entendeu completamente (e o prova seu conceito equivocado de zoon politikon). Demóstenes (384-322 a.C.), não se sabe bem (provavelmente não).
O mais espantoso, porém, é que depois da época em que a democracia ateniense desaparece (322 a.C.), não tivemos nenhum autor claramente democrático até meados do século 17 da nossa era. Talvez o primeiro texto político pró-democrático tenha sido o Tratado Teológico-Político de Spinoza (1670) – ao redescobrir que o sentido da política é a liberdade (e não a ordem). Assim, tudo o que se escreveu sobre a democracia, de um ponto de vista democrático, foi elaborado depois, bem depois.
Aí então aparecem – entre outros – Locke, Montesquieu, B. Constant, Rousseau, Jefferson, Madison (e outros federalistas), Paine, Tocqueville, Mill, Dewey e Arendt. E depois, pelo menos, Berlin, Popper, Dahl, Lefort, Bobbio, Havel, Castoriadis, Maturana, Dahrendorf, Rawls e Sen – para ficarmos de meados do século 17 até o fim do século 20. Ou seja, já havia muita teoria autocrática (sobretudo as inventadas por Platão e pelos platônicos), mas não havia nenhuma teoria democrática formulada, a não ser muito recentemente (em termos históricos).
Espantoso ainda mais do que tudo isso é termos vivido mais de dois mil anos demonizando os sofistas – o que é o sintoma mais eloquente do ódio à democracia. Nenhuma corrente de pensamento (se é possível falar assim dos sofistas – e a rigor não é, posto que eles não constituíram nenhuma escola ou academia, grupo ou partido) foi tão e por tanto tempo maltratada, açoitada, agredida, desancada, espancada, fustigada, golpeada, sovada, surrada, afrontada, ofendida, desonrada, injuriada, insultada, ultrajada, adulterada e desfigurada do que os sofistas.
Por que foram tão demonizados pensadores como Antífon, Crátilo, o Dissoi Logoi (Discursos Duplos), Górgias, Hípias, Pródigos, Protágoras, Trasímaco, talvez Alcídamas, Licofronte e o Anônimo Jâmblico? Dentre estes, temos pensadores democráticos (como Protágoras, talvez o principal) e antecipadores de noções de universalização da cidadania que só vieram a aparecer muito depois (como o humanismo de Antifonte, o igualitarismo de Hípias e o anti-escravagismo de Alcídamas e Licofronte).
COMO ISSO PODE TER ACONTECIDO?
Não foi por acaso que não sobreviveu nenhum escrito dos sofistas. G. B. Kerferd (1981), em O movimento sofista, nos conta que na lista dos “livros existentes” de Protágoras, preservada por Diógenes de Laércio, consta o seguinte: Arte da Erística, Sobre a luta corpo a corpo, Sobre Ciências (ou possivelmente Sobre Matemática), Sobre Governo, Sobre a ambição, Sobre as virtudes, Sobre o estado original das coisas, Sobre os que estão no Hades, Sobre ações humanas incorretas, Imperativo, Julgamento a propósito de um pagamento e Analogias em dois volumes. Sobre os deuses e Verdade, também obras suas, não foram incluídas na lista. De cerca de 20 textos de Protágoras não sobreviveu nada.
Os próximos parágrafos (exceptuadas as frases finais) são também da lavra de Kerferd:
Acredita-se que seu [de Górgias] tratado Sobre natureza foi escrito na 84a Olimpíada, isto é, em 444-441 a. C. Sumários, ou partes, ou referências sobrevivem em discursos intitulados Oração fúnebre, Oração olímpica, Elogio aos eleanos, Elogio a Helena, Apologia de Palamedes. É provável que tenha também escrito um tratado técnico sobre retórica, cujo título seria simplesmente Arte ou, possivelmente, Sobre o momento certo no tempo (Peri Kairou). Finalmente não há por que duvidar da atribuição que se faz a ele do Onomastikon mencionado por Pólux, no prefácio do seu próprio Lexicon, no qual se utilizou dele, mas não incluído em nenhum livro sobre os sofistas antes de 1961. De Górgias não sobreviveu nada.
[De Pródicos tem-se notícia de um livro chamado] Horas (Horae) que incluía panegíricos de outras pessoas ou personagens, assim como de Hércules, segundo Platão. Ele também escreveu um tratado Sobre a natureza do homem. Pródicos foi sobretudo famoso por sua obra sobre a linguagem, e a sátira de Platão sobre ele no Protágoras sugere, para alguns, que ele possa ter deixado escritos específicos Sobre a correção dos nomes. De Pródicos não sobreviveu nada.
Hípias foi o mais antigo doxógrafo sistemático, ou compilador das opiniões de autores mais antigos dos quais temos algum conhecimento… Hípias era a fonte que fizera a conexão entre a doutrina de Tales… com as afirmações cosmogônicas de Homero, Hesíodo e outros… De Hípias não sobreviveu nada.
Antífon escreveu um tratado Sobre a Verdade (da qual recentemente foram encontrados fragmentos), em dois volumes, e Sobre a Concórdia; ainda atribuídos a ele, havia um Político e uma obra Sobre a interpretação dos sonhos. De Antífono não sobreviveu nada (a não ser fragmentos).
[Trasímaco] fez um discurso A favor do povo de Larisa que deve ser posterior a 413 a. C…. Vários exercícios e tratados retóricos lhe são creditados. De Trasímaco não sobreviveu nada.
O testemunho de Aristóteles sugere que ele tinha diante de si um escrito de Eutidemo contendo argumentos sofísticos. De Eutidemo não sobreviveu nada.
O Dissoi Logoi [Duplos Discursos] é um texto anônimo [redigido por um sofista] encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. O Dissoi Logoi não sobreviveu (pelo menos não integralmente, há apenas fragmentos)
Um tratado anônimo, Peri Nomõn, ou Sobre as leis [é atribuído a um sofista que ficou conhecido como Anônimo Jâmblico]. Do Anônimo Jâmblico não sobreviveu nada (além de fragmentos).
Além disso, não sobrou nada – a não ser referências – de Dionisodoro, de Cálicles, de Alcídamas, de Licofronte. Desses todos, não sobreviveu nada (a não ser uma ou outra citação, em geral tardias).
Como é possível que tudo isso tenha simplesmente desaparecido? Não foi por acaso ou coincidência que não tenha sobrevivido nada, nem um, um único miserável texto integral escrito por um sofista.
Tudo que conhecemos de escritos atribuídos a sofistas é de segunda mão e escrito por adversários dos sofistas (como Platão e Aristóteles – que foram seus detratores e contribuíram para deletar a sua passagem pela Terra, sobretudo na Atenas do século 5 a.C.).
Kerferd (1981) escreve:
“Um número considerável de escritos [dos sofistas] sobreviveu por um bom tempo. No que os sofistas foram menos afortunados do que outros, entre os pré-socráticos, foi na virtual ausência de relatos doxográficos. Provavelmente a principal razão disso foi a sua rejeição, como pensadores, por Aristóteles. Isso significa que foram virtualmente excluídos da série de sínteses encomendadas à escola de Aristóteles, que foi uma importante fonte de informação subsequente… A geral omissão deles na tradição doxográfica, unida à opinião platônica e aristotélica de que seu pensamento e seu ensino eram falsos, explica por que foram, de fato, virtualmente ignorados pela cultura helênica…”
Aqui está, aparentemente, a razão dos sofistas terem sido cancelados da história do pensamento. Não foi apenas em razão da maledicência e da desonestidade de Platão, mas principalmente, pela exclusão de Aristóteles. Os sofistas foram assim apagados do mundo pelos escolásticos da época.
Nunca houve nada assim na história do pensamento. Escritos heterodoxos e heréticos foram destruídos pela poder despótico, pelos fundamentalismos reinantes, em várias ocasiões. Mas não se tem notícia de que uma censura tenha perdurado tanto: mais de dois milênios.
Mais do que censura. Diz-se – como já mencionamos acima – que alguns livros de Protágoras foram queimados. Não se sabe ao certo. O que foi feito, porém, foi muito pior do que fez a Inquisição e outros agentes das distopias retratadas em Fahrenheit 451. Contra os sofistas, a começar por Platão, foi encetada uma campanha de difamação, (como fica patente na desonestidade do diálogo Protágoras) com fake news, pós-verdades e falsificações sórdidas.
A razão é simples. Os sofistas eram – em grande parte – democratas. Não apenas pelos conteúdos de seus discursos e escritos, mas, sobretudo, pela natureza interativista da sua atividade de promotores da aprendizagem não-acadêmica.
Isso explica também porque não existe nenhuma obra de teoria política escrita por um democrata (ou pró-democrata) até o século 17 da nossa era.
Platão e Aristóteles não eram apenas mais duas pessoas. Eles montaram burocracias do conhecimento (ou do ensinamento) – Academia e Liceu – tribunais epistemológicos e alfândegas ideológicas cujo papel era filtrar tudo que não fosse conhecimento válido. Os sofistas ficaram no filtro.
Parece que não foram queimados mesmo os escritos sofistas (a não ser por aquela referência histórica sobre as obras de Protágoras, não temos qualquer outra indicação de queima de livros). Não foi preciso queimar. Aliás, livros queimados são copiados e sobrevivem subterraneamente (tipo Samizdat). Foi mais sutil o processo (e não foi uma grande conspiração). Simplesmente suprimiram-se originais e doxográficos nas publicações que sobreviveram (notadamente as de Platão e Aristóteles – em grande quantidade, quase tudo no caso do primeiro). É como na evolução biológica. Sobrevivem as espécies cujos indivíduos se reproduzem antes de morrer (não os mais fortes ou os mais adaptados). Do contrário como se explica tantas obras terem desaparecido?
ABRIU ESSA JANELA, O FUTURO ENTRA
Um tratado conhecido como Sobre a Verdade, do qual apenas fragmentos restaram, é atribuído a Antifonte (ou Antífon) (c. 470-411), o sofista (não o golpista homônimo). Nele lê-se:
“Aqueles que nasceram de pais ilustres nós respeitamos e honramos, enquanto que aqueles que vêm de uma casa medíocre nós nem respeitamos nem honramos. Assim nós nos comportamos como bárbaros uns para com os outros. Por natureza, nós todos somos iguais, tanto os bárbaros, quanto os gregos, têm uma origem inteiramente semelhante: para ela é apropriado realizar as satisfações naturais, que são necessárias a todos os homens: todos têm a capacidade de realizar estas, da mesma forma, e em tudo isto nenhum de nós é diferente, quer como bárbaros, ou como gregos; já que todos nós respiramos o ar pela boca e narinas e todos nós comemos com as mãos”.
Carl Popper (1945), no capítulo 5 do primeiro volume de A Sociedade Aberta e seus Inimigos, observa:
“Igualitarismo semelhante [ao de Antifonte] era apregoado pelo sofista Hipias, que Platão figura como dirigindo-se assim a seu auditório: “Senhores, creio que somos todos parentes, amigos e compatriotas, se não pela lei convencional, pela natureza. Pois, pela natureza, semelhança é expressão de parentesco, mas a lei convencional, tirana da humanidade, compele-nos a fazer muita coisa contra a natureza”. Esse espírito se vinculava ao movimento ateniense contra a escravatura a que Eurípedes deu expressão: “Este simples nome lança vergonha sobre o escravo, que pode ser excelente em todos os aspectos e verdadeiramente igual ao homem nascido livre”. Em outra parte, diz ele: “A lei da natureza, para o homem, é a igualdade”. E Alcidamas, discípulo de Górgias e contemporâneo de Platão, escreveu: “Deus fez livres todos os homens; nenhum homem é escravo por natureza”. Opiniões semelhantes são também expressas por Licofronte, outro membro da escola de Górgias: “O esplendor do nascimento nobre é imaginário e suas prerrogativas se baseiam sobre meras palavras”.
Como foi possível a Antifonte antecipar, no século 5 a.C., concepções (e valores) que só floresceram mais de dois milênios depois com Locke, Rousseau e a Declaração de Independência dos USA?
Como foi possível a Hípias, Alcidamas e Licofronte avançarem tais ideias igualitárias que só foram aceitas muito depois?
Essas perguntas levam à reflexão sobre a influência dos pensadores inovadores, que não tem sempre continuidade, mas pode ser verificada pelo reflorescimento de suas ideias em outras regiões do tempo. Eles antecipam futuro. E é isso que significa criar.
Novos pensadores não são avalizadores da fidelidade de reproduções autorais e sim miscigenadores, livres porque podem ser infiéis às origens da matéria com que trabalham. Os sofistas foram novos pensadores, para desespero de Platão. Há um problema epistemológico de fundo aqui: quando alguém se entrega ao fluxo do pensamento presente não consegue separar a doxa (opinião) da episteme (conhecimento), nem subordinar a primeira à segunda.
A possibilidade de criar tem a ver com kairos, não com kronos. Quando um emaranhado de opiniões (atenção: não uma sistematização de conhecimentos) se conforma segundo determinadas configurações favoráveis à inovação, os novos pensadores aproveitam a oportunidade que se oferece naquele momento, pois sabem que as janelas se fecham rapidamente. Pois tudo é fluxo.
O fragmento de Antifonte revela uma opinião, não um conhecimento derivado (pois não havia de onde inferir esse tipo de coisa). O mesmo vale – mutatis mutandis – para as falas atribuídas a Hípias, Alcidamas e Licofronte.
No que tange aos diferentes tipos de logos, os sofistas, como se sabe (ou melhor, não se sabe), estavam preocupados com o kairos ou a escolha do tempo adequado. E o kairos não é algo a ser alcançado pelo conhecimento (episteme) — é mais próprio da opinião (doxa).
Abriu essa janela, o futuro entra.
No caso específico de Antifonte (mas também nos de Hípias, Alcidamas e Licofronte) parece óbvio que ele só pôde ter tais ideias humanísticas por ter vivido no regime democrático nascente dos atenienses e ter participado dele.
Por aqui começamos a perceber que o que chamamos de democracia pode ser algo muito mais surpreendente do que pensamos até agora.
Vale a pena ler O Movimento Sofista de G. B. Kerferd (1980), cuja primeira parte (até metade do capítulo 9) segue reproduzida abaixo com destaques (em azul) e alguns poucos comentários (em vermelho escuro). Algumas expressões polêmicas ou duvidosas (em vermelho claro).
O Movimento Sofista
Livro de G. B. Kerferd (1980), O movimento sofista (tradução de Margarida Oliva de The Sophistic Movement, Cambridge: Cambridge University Press, 1981, publicada pelas Edições Loyola, São Paulo, 2003. Omite-se o prefácio do autor.
Omite-se o prefácio do autor.
1 – Introdução
Não uma, mas duas barreiras se levantam no caminho de quem quer que busque chegar a uma compreensão adequada do movimento sofista, em Atenas, no século V a. C. Não restaram escritos de nenhum dos sofistas e temos de depender de fragmentos insignificantes e de sumários muitas vezes obscuros, ou discutíveis, de suas doutrinas. Pior ainda, dependemos, para grande parte de nossa informação, de Platão, que os tratou de maneira profundamente hostil, com todo o poder de seu gênio literário, acertando-os em cheio com um impacto filosófico quase arrasador. O efeito acumulado tem sido bastante desastroso. Levou a um tipo de opinião pronta segundo a qual é de duvidar se os sofistas, como um todo, tenham contribuído com algo de importante para a história do pensamento. Seu maior valor, diz-se frequentemente, foi simplesmente o de terem provocado sua própria condenação, primeiro por Sócrates e depois por Platão. Em todos os pontos essenciais dessa disputa, Platão é quem foi considerado certo, e os sofistas, errados. Mesmo a reação contra Platão, daqueles para quem Platão tendia a parecer como um reacionário autoritário, de nada ajudou aos sofistas. Condenados a uma espécie de meia-vida entre os pré-socráticos, de um lado, e Platão e Aristóteles, de outro, eles parecem vaguear para sempre como almas perdidas.
O resultado é paradoxal. O período de 450 a 400 a. C. foi, sob vários aspectos, a maior época de Atenas. Foi um período de profundas mudanças sociais e políticas, de intensa atividade intelectual e artística. Padrões tradicionais de vida e experiência foram dissolvidos em favor de novos padrões. Crenças e valores das gerações anteriores eram criticados. O movimento sofista expressava tudo isso. Nós que, pode-se supor, temos a sorte de viver no tempo presente estamos especialmente bem posicionados para compreender o que era provável acontecer em tal situação, proceder à investigação e, tanto quanto possível, estabelecer, pelo estudo, o que de fato aconteceu.
A modernidade da extensão dos problemas formulados e discutidos pelos sofistas no seu ensino é realmente espantosa, e a lista que se segue fala por si mesma. Primeiro, problemas filosóficos na teoria do conhecimento e da percepção — em que grau as percepções sensíveis devem ser consideradas infalíveis e incorrigíveis, e os problemas decorrentes nesse caso. A natureza da verdade e, acima de tudo, a relação entre o que parece ser e o que é real ou verdadeiro. A relação entre linguagem, pensamento e realidade. Depois, a sociologia do conhecimento, que reclama por investigação, porque muito do que supomos conhecer parece ser socialmente, na verdade etnicamente, condicionado. Isso abriu, pela primeira vez, o caminho para a possibilidade de uma abordagem genuinamente histórica da compreensão da cultura humana, sobretudo mediante o conceito do que foi chamado “antiprimitivismo”, isto é, a rejeição da visão de que as coisas eram muito melhores no passado distante, em favor da crença no progresso e da ideia de um constante desenvolvimento na história dos seres humanos. O problema de se alcançar qualquer conhecimento a respeito dos deuses, e a possibilidade de que os deuses existam apenas em nossas mentes, ou até que sejam invenções humanas necessárias para servir às necessidades sociais. Os problemas teóricos e práticos da vida em sociedade, sobretudo nas democracias e sua doutrina implícita de que pelo menos sob alguns aspectos todos os homens são ou devem ser iguais. O que é justiça? Qual deveria ser a atitude dos indivíduos quanto aos valores impostos por outros, sobretudo numa sociedade organizada que requer obediência às leis e ao Estado? O problema do castigo. Natureza e finalidade da educação e o papel dos professores na sociedade. As ruinosas implicações da doutrina segundo a qual virtude pode ser ensinada, o que é apenas uma maneira de expressar, em linguagem fora de moda, o que queremos dizer quando afirmamos que pela educação as pessoas podem mudar a sua situação na sociedade. Isso, por sua vez, levanta de forma aguda a questão do que deve ser ensinado, por quem e a quem deve ser ensinado. O efeito de tudo isso na geração mais jovem em relação à mais velha. Como conseqüência de tudo isso, dois temas dominantes — a necessidade de aceitar o relativismo nos valores e noutras coisas, sem reduzir tudo ao subjetivismo, e a crença de que não há área da vida humana, ou do mundo como um todo, que seja imune à compreensão alcançada por meio do debate racional.
Uma lista longa, e talvez sejamos criticados por sentir que ela representa o processo mesmo de transição de uma antiga e tradicional representação do mundo para um mundo que é intelectualmente o nosso mundo, com os nossos problemas. No entanto a tentativa de interpretar os sofistas nessa linha mal começou. O que se segue neste livro é bem um primeiro passo. Antes de prosseguir com as interpretações nessa linha, será contudo útil, julgo eu, tratar brevemente de dois tópicos preliminares — a história das tentativas passadas de avaliar o movimento sofista, essencial para se compreender por que sua importância foi tão subestimada até agora, e a situação histórica e social que produziu a atividade dos sofistas.
2 – Para uma história das interpretações do movimento sofista
A hostilidade de Platão em relação aos sofistas é óbvia e sempre foi reconhecida. Mas o que exatamente ele diz sobre eles nem sempre tem sido descrito com precisão. Em dois lugares, nos seus diálogos, encontramos o que pode ser tomado como exemplo desse tratamento. No Górgias, 462b3-465e6, ele distingue entre, de um lado, uma série de atividades genuinamente científicas, que chama de technai, cujos alvos ou objetivos são o mais alto grau de excelência em cada uma de suas próprias esferas, e, de outro lado, várias atividades empíricas. Estas não são científicas, visto que não estão baseadas em princípios racionais e são incapazes de dar explicações; visam ao agradável, em vez da excelência, e fazem isso sendo complacentes com as expectativas e os desejos das pessoas. São imitações enganadoras de genuínas technai. Na área geral de preocupação com a alma humana, Platão inclui a declaração de normas de comportamento [1], e isso ele considera genuína techné. Corresponde a isso, contudo, uma atividade espúria, a investigação empírica conhecida como sofística.
No diálogo Sofista, a análise é mais elaborada e a hostilidade não menos marcante. Nada menos de sete diferentes definições do sofista, todas depreciativas, com uma única possível exceção, são discutidas uma por vez. Tem-se discutido se Platão as considerava todas descrições satisfatórias ou não, mas é claro, acho eu, que as concebia como expressando pelo menos aspectos particulares do movimento sofista. Elas definem o sofista (1) como o caçador assalariado de jovens ricos, (2) como um homem que vende “virtude” e, visto que vende bens que não lhe pertencem, como um homem que pode ser descrito como mercador do ensino, ou (3) que vende a varejo em pequenas quantidades, ou (4) como um homem que vende a seus fregueses bens fabricados sob encomenda. Numa outra visão, (5) o sofista é alguém que entretém controvérsias do tipo chamado erística (termo importante discutido mais adiante no capítulo 6), a fim de ganhar dinheiro com a discussão do certo e do errado. (6) Um aspecto especial do sofisma é identificado, então, como um tipo de exame verbal chamado Elenchus (refutação lógica), que educa purgando a alma do vão conceito de sabedoria. O que, exatamente, Platão está tentando transmitir aqui tem sido tema de discussão, mas parece que ele considera essa função, essencialmente negativa, um dos menos indesejáveis resultados da atividade sofista, quando a rotula de “a sofística que é de família nobre”, presumivelmente para distingui-la de outros aspectos das atividades dos sofistas. Finalmente, no final do diálogo, depois de uma longa digressão, chegamos ao ponto em que (7) o sofista é visto como o falsificador da filosofia, construindo, de maneira ignorante, contradições baseadas mais em aparências e opiniões do que na realidade.
Será necessário voltar, mais tarde, ao que Platão tem a dizer a respeito da erística, do Elenchus e da arte de inventar contradições. Mas fica claro que suas caracterizações, no Sofista, que podem ser postas ao lado de outras afirmações semelhantes em outros diálogos [2], constituem uma inequívoca condenação. Quando encontramos Aristóteles contando a mesma história — a arte sofista, diz ele, consiste em aparente sabedoria que não é, de fato, sabedoria, e o sofista é alguém que ganha dinheiro com “sabedoria aparente, não real” (Sophistici Elenchi 165a22-23; Metafísica, l, 1004b25ss.) — não é de surpreender que essa tenha permanecido a visão corrente nos dois mil anos seguintes. Por impossível que pareça, a reputação dos sofistas piorou ainda mais — eles forneceram o que parecia ser material prontinho para interpretações cristianizadoras e moralizadoras da história. Chegaram a ser vistos como
impostores ostensivos, adulando e ludibriando a juventude rica em benefício próprio, solapando a moralidade pública e privada de Atenas e encorajando seus discípulos na busca inescrupulosa de ambição e cupidez. Dizem até que conseguiram corromper a moralidade geral, de modo que Atenas se tornou miseravelmente degenerada e viciosa nos últimos anos da guerra do Peloponeso, em comparação com o que era no tempo de Milcíades e Aristides [3].
A questão da alegada degeneração dos atenienses levanta maiores controvérsias e talvez seja suficiente mencionar a resposta do historiador Grote, que declarou que o caráter ateniense não era realmente corrupto entre 480 e 405 a.C. Mas a questão da natureza dos ensinamentos dos sofistas é exatamente o tema deste livro e será comentada cabalmente mais tarde. A esta altura, talvez seja interessante lembrar uma outra caracterização da opinião corrente sobre os sofistas, uma descrição clássica prevalecente antes da reconsideração do século XIX:
A visão antiga dos sofistas era a de que eles eram um bando de charlatões que surgiu na Grécia no século V e ganhou amplamente o seu sustento impondo-se à credulidade pública: professando ensinar a virtude, eles, na realidade, ensinavam a arte do discurso falacioso e, enquanto isso, propagavam doutrinas práticas imorais. Dirigiram-se para Atenas como ao Prythaneu [aqui = lugar central de assembléia] da Grécia; lá se encontram com Sócrates e foram derrotados por ele, que expôs a inanidade de sua retórica, revirou do avesso seus argumentos capciosos e vitoriosamente defendeu sólidos princípios éticos contra seus plausíveis sofismas perniciosos. Assim, eles, depois de um breve sucesso, caíram num bem merecido desprezo. E seu nome se tornou objeto de zombaria para as sucessivas gerações [4].
Formuladas assim, as acusações realmente reduziam-se a duas: primeiro, que os sofistas não eram pensadores sérios e não tinham papel nenhum na história da filosofia e, segundo, que seus ensinamentos eram profundamente imorais. Ambas as alegações tiveram de enfrentar um certo grau de reconsideração como desenvolvimento de novas abordagens da história na primeira metade do século XIX. Embora as duas acusações sejam interrelacionadas, convém tratá-las, até certo ponto, em separado.
Primeiro, a questão do lugar do movimento sofista na história da filosofia. A história do estudo da filosofia grega tem sido profundamente influenciada, nos tempos modernos, até inclusive o presente, pelo tratamento adotado por Hegel nas suas Conferências sobre a história da filosofia [5]. Hegel, na verdade, restaurou os sofistas a uma posição integrada na história da filosofia grega, mas de tal maneira que seus sucessores puderam continuar, por mais cem anos, com apenas uma modificação parcial da visão prévia profundamente hostil do movimento sofista.
Hegel via a história da filosofia como o desenrolar progressivo da Mente Universal ou Espírito. O movimento de seu pensar segue o padrão universal para todo pensamento: começa por formular uma tese positiva que é, em seguida, negada pela sua antítese. Prosseguindo, o pensamento produz uma síntese de tese e antítese, e o processo continua com a síntese formando a tese de um novo ciclo, a cada vez, até que tudo o que estava implícito no ponto de partida original tenha se tornado explícito. A esse movimento do pensamento Hegel chamou dialética. Ele procede por negações porque cada passo — tese, antítese e síntese — nega o passo anterior. E pode fazer isso exatamente porque cada passo é, em si mesmo, parcialmente verdadeiro e parcialmente falso.
A aplicação desse esquema à história da filosofia grega resulta em três períodos, supunha Hegel. O primeiro se estende de Tales a Aristóteles, o segundo constitui o período helênico, ou “filosofia grega no mundo romano” (estoicismo, epicurismo e ceticismo), e o terceiro consiste no neoplatonismo. Dentro do primeiro período, Hegel via mais uma divisão em três, ou uma tríade: (1) de Tales a Anaxágoras, (2) os sofistas, Sócrates e os seguidores de Sócrates, e (3) Platão e Aristóteles. A primeira dessas subdivisões é descrita por Hegel como aquela na qual o pensamento se encontra inicialmente em determinações sensórias. Em linguagem não-hegeliana, poderíamos dizer que essas determinações são vistas como meramente objetivas, como enunciando fatos científicos sobre o mundo que percebemos e estudamos. Assim, Tales e os outros ionianos compreendiam o Pensamento Universal na forma de sua determinação natural, como água e ar, dos quais, supunham eles, era feito o nosso universo físico. A segunda subdivisão compreendia aqueles que, mediante a crítica cética, vieram a negar essa visão e substituí-la, como sua antítese, pelo princípio de subjetividade, segundo o qual se supõe que seja o próprio sujeito pensante e perceptivo quem determina seus próprios pensamentos e percepções. O conflito entre tese e antítese previsivelmente suscitou, no devido tempo, a síntese, neste caso os sistemas de Platão e de Aristóteles, que formam, para Hegel, a terceira subdivisão do primeiro período.
Para o nosso propósito, o aspecto importante de tudo isso é que Hegel reinseriu os sofistas na história da filosofia e o fez tratando-os como subjetivistas. Para Hegel, o subjetivismo deles era uma etapa necessária na autodeterminação do Pensamento, que é o que era a história da filosofia. Era uma etapa necessária, apesar de seu caráter negativo, porque a negação era uma parte integral do movimento do Pensamento Universal. Mas, por todo o século XIX e no primeiro terço do século XX, a tradição da filosofia idealista continuou a dominar as mentes dos estudantes de filosofia grega. Em consequência disso, a caracterização dos sofistas como subjetivistas foi amplamente aceita. Mas quanto ao restabelecimento de sua reputação como filósofos o efeito foi o oposto. Parecia confirmar o julgamento hostil de Platão e Aristóteles. Verdade e realidade eram objetivas, não subjetivas. Todos os que negassem isso se opunham à verdade e à realidade e, como tais, além de não serem filósofos, eram inimigos da filosofia; tais eram os sofistas. Paradoxalmente, a visão tradicional que se tinha dos sofistas parecia, dessa forma, ter sido confirmada. E isso se percebia principalmente na esfera da moral. Aqui, para muitos, parecia que defender o ponto de vista segundo o qual o certo e o errado eram subjetivamente determináveis significava, fundamentalmente, negar totalmente a validade dos valores morais.
A etapa seguinte na história é alcançada com o famoso capítulo sessenta e sete da História da Grécia de George Grote [6]. Grote era um Radical e livre-pensador que entrou para o círculo dos utilitaristas Jeremy Bentham e James Mill. Foi, por algum tempo, membro da Casa dos Comuns e esteve associado, desde o início, com o movimento para fundar a então nova Universidade de Londres, na Gower Street, que viria a se tornar, mais tarde, a University College, de Londres. Como reformador e utilitarista, ele estava muito preocupado em atacar a mão morta da tradição. Não foi por acaso que se dispôs a reavaliar os sofistas. Ele os via como os campeões do Progresso intelectual e rejeitava aspectos cruciais da avaliação tradicional da obra deles. Argumentava de modo especial, acima de tudo, que não eram uma seita ou escola, mas uma profissão, e que não havia comunidade doutrinária. De modo que, se uma doutrina promovida por um sofista individualmente era contestável, isso não constituía motivo para condenar o movimento como um todo. Em segundo lugar, em relação ao pretenso ensino de doutrinas imorais, nem mesmo Platão acusou disso os principais sofistas, Protágoras, Pródicos, Hipias e Górgias. Grote se recusava a crer que qualquer um deles, Trasímaco ou Cálicles, pudesse jamais ter ensinado publicamente as teorias antissociais sobre justiça atribuída a eles por Platão na República e no Górgias. Mesmo que o tivessem feito, seria errado concluir daí qualquer coisa em relação aos outros sofistas. Basicamente, Grote considerava os sofistas mestres que simplesmente representavam opiniões correntes na sua época.
Uma forte controvérsia se seguiu à defesa de Grote. Seu ponto principal finalmente acabou por receber aceitação geral — simplesmente não era um fato histórico que eles tivessem envenenado e desmoralizado, por ensino corrupto, o caráter moral ateniense. Mas ele pouco fez para reabilitar intelectualmente os sofistas. Na verdade, ao negar que as pessoas denominadas sofistas possuíssem doutrinas, princípios ou métodos ao mesmo tempo comuns a elas e distinguindo-as dos outros, ele tornou difícil defendê-los como uma classe, assim como tinha pretendido tornar difícil atacá-los.
Caminho diferente foi seguido por Eduard Zeller na sua influente história da filosofia grega [7]. Embora crítico de muitos aspectos da abordagem de Hegel, Zeller, não obstante, adotou seu esquema básico. Aceitou a ideia de um desenvolvimento da filosofia grega gerado internamente — que se reflete no título de sua obra: Die Philosophie der Griechen in ihrer geschichtlichen Entwicklung. Ele incluiu os sofistas e, diferentemente de Grote e de muitos outros que o seguiram, afirmou que todos eles tinham tanto em comum, a despeito das diferenças individuais, que estávamos autorizados a tratá-los como representando, todos, a mesma disciplina educacional. Ele argumentou de maneira persuasiva contra as tentativas de dividir ou distribuir os sofistas fundamentalmente entre tipos primitivos e tardios, ou entre diferentes escolas, e passou à tentativa de caracterizar o movimento como um todo. Fez isso ao modo de Hegel. Primeiro, o lado negativo. O questionamento das coisas feito pelos sofistas destrói todo esforço científico pela raiz; sua erística tem como resultado final apenas a confusão do interlocutor; sua retórica está preocupada com a aparência e serve tanto à causa do falso como à do verdadeiro; o conhecimento científico, na opinião deles, vale pouco; seus princípios morais são perigosos. Mas, do lado positivo, a validade filosófica do princípio da subjetividade foi afirmada, agora, pela primeira vez. O período anterior tinha se limitado, na sua consideração do comportamento prático, à moral vigente e à tradição religiosa e, na sua ciência, à contemplação da natureza. Agora as pessoas se tornam conscientes de que isso não é suficiente. O homem perde o respeito pelo tangível e pelo dado como tais; não aceitará como verdadeiro nada que não tenha ele mesmo aprovado; agirá somente baseado no seu próprio julgamento. Mas, para Zeller, isso também é inadequado. Em vez de completar a física por um sistema de ética, a física é posta, agora, totalmente de lado; em vez de procurar um novo método científico, nega-se a possibilidade de conhecimento. A mesma coisa acontece com a moral. Em vez de buscar os fundamentos internos da obrigação na natureza das atividades morais e das relações, os homens se satisfazem com um resultado negativo, a não-validade das leis existentes.
O resultado, para Zeller, era algo superficial e unilateral, anticientífico e de conseqüências perigosas. Mas essa unilateralidade não devia ser evitada, e tinha seu lugar na história da filosofia. Assim como os alemães dificilmente teriam tido um Kant sem o período do Iluminismo, assim os gregos dificilmente teriam tido um Sócrates e uma filosofia socrática sem os sofistas. Essa foi a avaliação feita por Zeller em 1892 [8]. A sexta edição, publicada em 1920, continha uma apreciação extra, por Wilhelm Nestle [9], que seguiu o ponto de vista de Zeller, mas apresentou um recuo em um ponto. Os sofistas são, agora, diferenciados dos filósofos (sem qualificação), e não simplesmente dos primeiros filósofos. Eles diferem segundo o objeto com os quais se ocupavam (homens, não a ciência natural, e sobretudo homens em sociedade); nos seus métodos, que eram empíricos e baseados na experiência, em vez de dedutivos e baseados em supostos primeiros princípios ou primeiros inícios, para o mundo físico; e sua finalidade era diferente. Ocupavam-se do conhecimento subjetivo para propósitos práticos, para assegurar domínio sobre os homens e sobre a vida, ao passo que o filósofo se ocupa com o conhecimento pelo próprio conhecimento. Mas, ao contrastar os sofistas com filósofos, Nestle acentuava tão fortemente [10] a sua irrevogável conexão que, de fato, ele os tratava como uma espécie de filósofos. O que ele estava realmente fazendo era o que tinham feito os seus predecessores, isto é, restringindo o termo filósofo a um certo tipo (o tipo aprovado) de filósofo. Tornou-se comum “classificar os defensores dos sofistas em dois grupos: um que rotulava os sofistas de “positivistas do Iluminismo”, provindos de Grote, e o outro, os hegelianos. Nestle, com Zeller, pertence ao segundo grupo.
A tentativa de distribuir os escritores do século XX entre os dois grupos é perigosa, visto que quase todos, de um jeito ou de outro, provavelmente desejariam, agora, combinar elementos dos dois grupos. Mas pode-se ainda reconhecer as simpatias predominantes. A abordagem positivista concentra-se mais no que os sofistas eram e faziam do que no que eles pensavam. Segundo essa abordagem, os sofistas eram inspirados sobretudo pelo ideal educacional da retórica, e seriam os enciclopedistas ou iluministas da Grécia; seriam, acima de tudo, mestres do ideal de virtude política (ou, mais simplesmente, de como ser bem-sucedido na política), ou do ideal de virtude ou sucesso na vida em todos os seus aspectos; ou seriam humanistas pelo fato de porem o homem e seus valores no centro da interpretação do universo. Todas essas opiniões tendem a se associar à asserção de que não se pode esperar nenhuma doutrina, intelectual ou filosófica, realmente específica, comum ao movimento como um todo [11].
Por outro lado, muitos continuaram a situar os sofistas firmemente dentro da história da filosofia e procuraram caracterizar o movimento como um todo em termos de suas doutrinas, continuando, pelo menos de modo geral, a tradição começada por Hegel. Aqui eu colocaria o mais recente tratamento completo dos sofistas em inglês, por W. K. C. Guthrie [12], que contrasta o empirismo e o ceticismo dos sofistas com o idealismo de Platão, de um lado, e, de outro, com o interesse pelos fenômenos naturais, típico da maioria dos pré-socráticos antes deles. Suas simpatias pessoais, porém, acho que seria justo dizer, são para com o que eu chamaria, de modo geral, a tradição idealista, e não para com os seus oponentes.
Muito diferente é a abordagem polêmica desenvolvida, na Itália, por Mario Untersteiner durante os últimos trinta anos. Na sua obra Os sofistas [13] ele apresenta uma visão diferente. Escreve que “os sofistas estão de acordo quanto a uma concretude antiidealista que não trilha os caminhos do ceticismo, mas, antes, os de um realismo e um fenomenismo que não confinam a realidade num único esquema dogmático, mas permitem que ela reine com todas as suas contradições, com toda a sua trágica intensidade”. Para Untersteiner, se é que o entendo corretamente, o ponto de partida são sempre as experiências encontradas pelo indivíduo, inclusive aquelas que chegam a ele vindas da sociedade e de outros indivíduos. Elas estão quase sempre, como é de esperar, em conflito, em mútua contradição. Através do poder da mente, o homem pode conseguir domínio sobre a multiplicidade de sua experiência e, assim, na realidade, gerar ou regenerar seus conteúdos para si mesmo. Boa parte disso é facilmente inteligível somente dentro do esquema geral de pensamento do filósofo expressionista Benedetto Croce.
O esboço acima, embora muito incompleto, deveria deixar claro o quanto sofreram os sofistas por terem sido postos em conflito com a tradição idealista. Os resultados, às vezes, foram curiosos e radicais. Escrevendo, em seu Geshichte der Philosophie [14], antes da publicação das conferências de Hegel, Heinrich Ritter, de Berlim, julgava as doutrinas materialistas de Demócrito e dos atomistas, embora reconhecidamente divergentes das doutrinas dos sofistas, igualmente antifilosóficas, porque nos privariam de qualquer acesso à verdade. Ainda de certa forma mais notável era a concepção encontrada no livro de Th. Funck-Brentano, Les sophistes grecs et les sophistes contemporains (Paris, 1879). A segunda parte do livro é dedicada a “Os sofistas contemporâneos ingleses”, e esses são principalmente John Stuart Mill e Herbert Spencer. Com eles deveriam ser classificados os predecessores escolásticos de Bacon e Descartes, na Renascença, que se seguiram aos grandes doutores da Igreja. Em cada caso chega-se a supor que opiniões contrárias são igualmente legítimas, a verdade se torna uma armadilha enganadora, as tentativas de alcançá-la, loucura. O resultado é desorganização intelectual e moral. Protágoras, Polos e Trasímaco desempenham o mesmo papel que Adam Smith, Diderot, Helvetius e Rousseau, que haveriam de ser seguidos pelos positivistas Comte, Mill e Herbert Spencer.
Algumas conclusões podem, acho, ser legitimamente tiradas. A abordagem histórica, em si mesma, é evidentemente essencial. De fato precisamos compreender o movimento sofista em relação tanto com a história anterior do pensamento grego como com Platão e Aristóteles. Mas é perigoso ir depressa demais. De modo particular, a tentativa de chegar a respostas antes de um estudo detalhado é insatisfatória. Quando acoplada a uma esquematização prévia da suposta direção do desenvolvimento do pensamento humano, o resultado pode ser desastroso. O perigo não era tanto a imposição de um esquema fixo derivado de Hegel — isso, de fato, foi logo criticado e, em grande parte, abandonado —, mas algo mais profundo. Era o sentimento de que a direção correta e desejável para a evolução do pensamento humano era para a maior compreensão da importância do Geist, ou Espírito, em contraste com as inadequações do materialismo e das interpretações baseadas nas percepções sensoriais e nada mais. Isso, quando acoplado à crença em que toda a história passada do pensamento deve ter consistido de tentativas, embora mal dirigidas, de chegar à única verdadeira filosofia, como quer que seja interpretada, é a receita certa para a distorção histórica. Portanto o que se quer não é uma reavaliação dos sofistas ainda dentro desse esquema, isto é, por aqueles para quem o pensamento na direção contrária é mais louvável. Esses haveriam de ver os sofistas como predecessores das posições antiidealistas, positivismo, liberalismo, materialismos dialéticos ou não. Isso também é, basicamente, aceitar o esquema hegeliano, ao passo que o que se quer é uma abordagem mais cautelosa, que vise evitar esquematizações prematuras da história do pensamento. Isso implica partir dos dados reais sobre os sofistas, sobre os pré-socráticos e sobre Platão, sem pressuposições, mas, não obstante, com uma contínua vigilância quanto à possibilidade de interpretações unificadoras, as quais, a seu devido tempo, podem constituir elementos de modelos globais.
Alguns exemplos devem bastar à guisa de ilustração. Um modelo favorito era o de ver a importância dada ao Nous ou espírito, no pensamento de Anaxágoras, como enormemente importante e, de fato, como uma influência formativa sobre o movimento sofista. O próprio Anaxágoras tinha lhe atribuído apenas um papel limitado, como lamentou Platão no Fédon, 97b-98c, talvez confinando-o no início do processo de formação do mundo. Entretanto isso representou um começo importante, porque permitiu aos sofistas generalizar a importância do espírito (individual) acima da área toda da filosofia. Mas há muito pouco sentido ou substância nessa opinião. Não há nenhum indício de que os sofistas fossem influenciados pela ideia do nous de Anaxágoras, e a cronologia torna duvidosa até mesmo a possibilidade de tal influência para os primeiros sofistas, inclusive Protágoras. Além disso, a nous de Anaxágoras era material, não espiritual; é descrita como a mais tênue e pura de todas as coisas — fr. 12 DK [15] —, mas ainda claramente material. Em segundo lugar, diz-se frequentemente que os sofistas representavam um abandono da especulação física em direção a algo novo — a introdução da mente humana como fator determinante na moldagem de nosso pensamento. Há, contudo, bons indícios de que os sofistas conservaram um vivo interesse pela especulação física. Mais importante, contudo, é que a caracterização de seus predecessores como exclusivamente ocupados com o mundo físico objetivamente observado é simplesmente falsa. Desde o mais antigo estágio eles estavam fundamentalmente preocupados como que chamaríamos de filosofia do espírito. Heráclito e Parmênides começaram movimentos nos quais o jeito das coisas parecerem para as pessoas e as razões pelas quais assim pareciam estavam bem no centro de suas especulações, e isso continuou através dos pluralistas. Havia, nessas questões, muito mais continuidade e muito menos notável contraste entre os sofistas e seus predecessores do que tem sido comumente suposto [16]. Exatamente a mesma coisa se aplica, argumentarão, na comparação entre o próprio movimento sofista e o pensamento de Platão. O que se faz necessário, agora, é uma série de estudos detalhados dos dados reais relacionados com os sofistas individuais, que leve a sério esses dados e não seja inibido já desde o ponto de partida pela convicção de que qualquer atribuição de doutrinas importantes a um determinado sofista provavelmente não será correta porque “os sofistas não eram o tipo de pessoas que se ocupavam de doutrinas sérias”. Naturalmente os dados são muitas vezes deficientes, inadequados e difíceis de interpretar. Mas o mesmo vale para os pré-socráticos e, no caso deles, não se pode dizer que investigações e reconstruções minuciosas e eruditas tenham sido seriamente impedidas. Que o mesmo tipo de abordagem seja, agora, aplicado aos sofistas.
3 – Os sofistas como um fenômeno social
Os sofistas vieram de toda parte do mundo grego e muitos, embora nem todos, continuaram a viajar por toda parte em função de sua atividade profissional. Entretanto, todos vieram a Atenas, e é claro que Atenas, por uns sessenta anos, na segunda metade do século V a.C., era o verdadeiro centro do movimento sofista. De fato, tanto isso é verdade que, sem Atenas, é provável que o movimento dificilmente teria vindo a existir. O que havia, então, em Atenas nesse período que foi responsável por esse acontecimento?
A resposta deveria ser dada, provavelmente, sob dois tópicos [1]. Primeiro, as condições sociais e políticas que criaram a necessidade dos sofistas; e, segundo, a influência direta de um único indivíduo, a saber, Péricles. A Grécia, como um todo, no século V a.C., parece ter ultrapassado todos os períodos antecedentes na produção da agricultura, da indústria e do comércio. Mas a transformação, em Atenas, importou em uma revolução econômica que tem sido descrita como uma passagem da economia de uma cidade-estado para a economia de um império. O grande e extenso programa de construção de prédios públicos que restaurou, numa escala jamais igualada antes, os templos destruídos pelos persas equiparava-se, segundo Tucídides (II, 38), à elegância, ao conforto e ao consumo luxuoso na vida privada. Conquanto seja totalmente errado tentar inferir dessa última afirmação que a pobreza tinha sido eliminada, é muito provável que a afirmação reflita uma crença geral de que a afluência privada era muito maior do que nas gerações anteriores em Atenas ou, mesmo, em outras cidades gregas.
Em certo sentido, o desenvolvimento de instituições democráticas em Atenas tinha sido gradual desde o tempo de Sólon. Mas também seria correto dizer que até o início da Guerra do Peloponeso foram, de modo geral, a mesma classe dominante e as mesmas famílias influentes que governaram o Estado em processo de democratização. Mas houve mudanças. As reformas constitucionais que começaram em Atenas em 462/461 a. C. deram nascimento ao que alguns consideraram uma democracia plena ou pura (p. ex. Plutarco, Cim. 15.2) . De fato, a afirmação de Tucídides (II, 37.l), cuidadosamente formulada, deixa claro que a democracia pericleana repousava em dois princípios fundamentais: “É chamada uma democracia porque a conduta dos negócios é confiada não a uns poucos, mas a muitos; mas, conquanto haja igualdade para todos nos negócios civis estabelecidos por lei, permitimos plena liberdade de ação ao valor individual nos negócios públicos” [2].
Esses dois princípios são (l) que o poder deveria estar com o povo como um todo e não com uma pequena parte do conjunto dos cidadãos, e (2) que os cargos com direito de aconselhar e agir em nome do povo deveriam ser confiados aos mais competentes e mais capazes de desempenhar essas funções. Em termos práticos, o primeiro princípio era expresso no poder da assembléia e dos conselhos de massa e a extensão gradual do sistema de seleção por sorteio para a maioria das magistraturas municipais. A introdução de pagamento tornou possível que cidadãos mais pobres se apresentassem para possível seleção, e sua importância é atestada pela fúria que provocou na oposição conservadora.
Por outro lado, não houve nenhuma tentativa de estender o princípio de seleção por sorteio aos comandantes militares. De um ponto de vista militar isso era, sem dúvida, questão de bom senso. O autor do tratado pseudo-xenofontino Sobre a Constituição de Atenas (l, 2-3) contrasta os cargos para os quais todo o mundo pode ser admitido com
aquelas magistraturas que, quando bem conduzidas, trazem segurança para todo o povo, mas mal conduzidas trazem perigo; nessas magistraturas o povo não pede para tomar parte — eles não acham que devam tomar parte no generalato mediante sorteio, nem no cargo de comandante de cavalaria. Porque o povo está consciente de que lhe é mais vantajoso não ocupar esses cargos, e deixá-los para os homens mais capazes.
A importância deste segundo princípio não confinava-se a assuntos militares, visto que foi como strategos ou general que Péricles assegurou a si mesmo um poder virtualmente ininterrupto, tanto que Tucídides podia dizer que, sob Péricles, o que tinha o nome de democracia estava, de fato, em processo de se tornar o governo de um só homem.
Deve-se tomar com cautela os juízos de Tucídides – que não era um democrata.
Estes dois aspectos da democracia pericleana foram, sem dúvida, importantes no desenvolvimento de uma demanda pelos serviços dos sofistas. Mas estaremos provavelmente certos se pusermos maior ênfase no segundo. O que os sofistas estavam aptos a oferecer não era, de forma alguma, uma contribuição para a educação das massas. Eles ofereciam um produto caro, valiosíssimo para os que estavam buscando fazer carreira na política e na vida pública em geral, isto é, uma espécie de educação secundária seletiva, em continuação à da instrução básica recebida na escola, em linguagem e literatura (Grammatiké e Mousiké), aritmética (Logistiké) e atletismo (Gymnastiké) — ver, por exemplo, Platão, Prot. 318e1; Xenofonte, Constituição dos espartanos, II, l. Como a educação da escola elementar se completava normalmente no ponto em que o menino deixava de ser criança (Pais) para tornar-se um adolescente ou um jovem (Meirakion) (ver Platão, Laques 179a5-7; Xenofonte, Const. dos espartanos Ill, 1), e visto que se tornar um Meirakion era equacionado com a idade da puberdade, tradicionalmente fixada aos 14 anos (Aristóteles, HA VII. 581a12ss.), podemos dizer, em termos modernos, se quisermos, que os sofistas ministravam uma educação seletiva para a idade de 14 anos em diante.
Essa educação, embora variasse quanto ao conteúdo, parece ter sido sempre, em boa parte, orientada para a carreira. Por volta do início da Guerra do Peloponeso, se é que podemos acreditar em Platão no diálogo Protágoras, estava já suficientemente estabelecida uma outra função — a de treinar mais professores que deveriam, por sua vez, tornar-se sofistas profissionais (Prot. 312a-b). Mas, como a finalidade principal continuava sendo a de preparar homens para uma carreira na política, não é de surpreender que uma parte essencial da educação oferecida fosse treinar na arte do discurso persuasivo. Sobre isso, observou muito bem J. B. Bury:
As instituições de uma cidade democrática grega pressupunham, no cidadão comum, a faculdade de falar em público, o que era indispensável para quem quer que ambicionasse uma carreira política. Um homem que fosse arrastado ao tribunal por seus inimigos e não soubesse como falar era como um civil desarmado atacado por soldados. O poder de expressar idéias claramente e de maneira a persuadir seus ouvintes era uma arte a ser aprendida e ensinada. Mas não bastava adquirir domínio do vocabulário; era necessário aprender como argumentar, e exercitar-se na discussão de questões políticas e éticas. Havia uma procura de educação superior [3].
Os sofistas, então, supriam uma necessidade social e política. Mas além disso eles deviam muito ao patronato individual e, acima de tudo, ao patronato de um homem, Péricles. Isso é algo que talvez não tenha sido sempre reconhecido, tanto quanto deveria, nos relatos sobre o movimento sofista. A falta de dados torna difícil para nós formar qualquer juízo claro e confiável sobre a personalidade de Péricles. Mas seu intelectualismo não se discute. Seus associados mais próximos e, ao que parece, seus únicos amigos pessoais eram artistas, intelectuais e filósofos. Um dos sofistas, o ateniense Damon, amigo de Sócrates e fiel companheiro de Pródicos, foi mencionado como seu “instrutor e mestre em política”, e Isócrates disse de Damon que ele era considerado o homem mais sábio de seu tempo. Subsequentemente ele ganhou suficiente importância política para ser expulso de Atenas, por dez anos, pelo processo do ostracismo.
De importância ainda maior foi Anaxágoras. Segundo Plutarco, esse era o homem que Péricles admirava até ao exagero. Adquiriu com ele a sua gravidade de pensamento e de aparência e, mais ainda, seu racionalismo científico e a rejeição da superstição. Isso era ilustrado pela história segundo a qual Péricles fora capaz de explicar o eclipse do sol, em 431 a. C., e acalmar os que estavam assustados, explicando os movimentos do sol e da lua e ilustrando o que dizia com a sua capa, levantando-a, aparentemente para esconder seu próprio rosto. Mais importante, contudo, do que essa história é o testemunho de que tentava basear todas as suas ações em decisão racional e cálculo judicioso (Gnomé) de preferência a emoções (Orgé), esperança ou acaso [4].
Além de Anaxágoras, havia outros intelectuais intimamente associados a Péricles (cf. [Platão] Alcib.I 118c). Protágoras era certamente um deles. Ele elogiava Péricles por sua atitude filosófica depois da morte de seus dois filhos ilegítimos na praga de 429 a. C. (DK 80B9). Muito antes, ele tinha sido claramente escolhido, por Péricles, para escrever as leis para a nova cidade de Turói, uma importante fundação na Itália meridional, no ano 444/443 a. C. O traçado das suas ruas fora encomendado a Hipódamo de Mileto, teórico político e planejador urbanista que foi também responsável pela configuração das ruas do porto de Atenas, em Pireus. É-nos dito, ainda, que Protágoras passou, certa vez, um dia inteiro conversando com Péricles sobre a questão de quem ou o que deveria ser corretamente acusado por uma morte acidental ocorrida durante a celebração de um festival atlético — a arma (um dardo), o homem que o lançou ou os organizadores dos jogos.
Uma outra tradição preservada por Plutarco (Per. 4,3), mas provavelmente conhecida também por Platão (DK 29A4), conta que Péricles ouvia as conferências de Zenão, o Eleático. Outros do seu círculo eram Heródoto, o historiador, Fídias, o escultor, e Sófocles, o tragediógrafo.
A provável influência do pensamento sofista em Péricles não passou, de fato, despercebida. Mas a importância dele na promoção do movimento sofista não era, claramente, menos importante. Não foi por acaso que sofistas de todo canto do mundo grego vieram para Atenas. Isso foi devido, em parte, à própria Atenas. Primeiro, porque a cidade oferecia excelentes oportunidades para um sofista ganhar muito dinheiro e, segundo, em nível mais elevado, porque, sob muitos aspectos, ela estava em processo de se tomar um verdadeiro centro intelectual e artístico para toda a Grécia. Mas o patronato individual era também importante. Protágoras, o diálogo de Platão, abre com um brilhante cenário na casa de Cálias, em Atenas. A cena dramática é colocada exatamente antes do começo da Guerra do Peloponeso. Hospedados na casa de Cálias estão Hípias e Pródicos, aos quais se reunira, recentemente, Protágoras, que chegara do exterior dois dias antes. Estão presentes, também, muitos dos seus seguidores e discípulos reunidos para ouvir seus discursos. Esse Cálias pertencia a uma das famílias mais ricas de Atenas e, segundo Platão, na Apologia (20a4-5), gastou mais dinheiro com os sofistas do que foi gasto por todos os outros juntos. Não pode ser insignificante o fato de sua mãe ter sido a primeira mulher de Péricles, antes de se casar com o pai de Cálias, Hipônico [5]. Além disso, Cálias não era o único patrono particular dos sofistas — ficamos sabendo, por Platão, que Górgias estava hospedado e preparado para fazer uma palestra na casa de Cálicles (Górgias, 447b7-8), e especulações posteriores sugeriram que Protágoras fez a leitura de sua obra Sobre os deuses ou na casa de Eurípides ou na casa de um certo Megaclides (Diógenes Laércio IX, 54).
Embora fosse esse, claramente, um importante patronato particular, dificilmente teria a mesma importância que o de Péricles. Não sabemos se ele teve, alguma vez, sofistas hospedados em sua casa, mas há menção de conversas com sofistas em sua casa, aparentemente em inúmeras ocasiões (Plut. Per. 36.2). Mas já vimos o seu grande interesse pessoal por eles. Considerando-se a sua posição, é razoável supor que a importância desse interesse tenha sido considerável. A profissão de sofista, em Atenas, não era isenta de perigo. O ponto de partida, aqui, são as palavras que Platão põe na boca de Protágoras:
Quando um homem, que é um estrangeiro, vai para grandes cidades e lá persuade os melhores jovens a abandonar suas associações com outros, sejam parentes ou estranhos, mais velhos ou mais jovens do que eles, para se associarem consigo, movidos pela ideia de que se tornarão melhores mediante a sua associação com ele, um homem que assim procede precisa estar vigilante. Pois grandes são os ciúmes que surgem junto com outros ressentimentos e ataques contra ele. Ora, eu declaro que a arte sofista é muito antiga, mas os que a praticavam nos tempos antigos, receando o ódio que despertava, construíam um escudo e máscara para si mesmos; alguns deles poesia, como no caso de Homem, Hesíodo e Simônides; alguns, ritos religiosos e profecias, como fizeram Orfeu, Museus e seus seguidores, alguns, tenho observado, também o atletismo, como aconteceu com Icos de Tarento e um outro ainda vivo, Heródico de Selimbria, originalmente de Mégara, tão sofista como qualquer outro; e música foi disfarce adotado por vosso próprio Agátocles, um grande sofista, e Pitocleides de Ceos e muitos outros. Todos esses, como digo, receando a má vontade contra eles, usaram essas artes como anteparos (Prot. 316c5-e5).
Protágoras prossegue dizendo que ele mesmo não tomou esse caminho. Admite que é sofista e que educa homens. Considera isso melhor precaução do que total negação. Mas ele inventou “outras precauções também” (317b6-7) cuja natureza não é especificada, de modo que, por isso, não sofre dano em consequência de sua admissão de que é sofista.
A certa altura, Platão até põe na boca de Sócrates a afirmação de que Atenas permite maior liberdade de palavra do que qualquer outro lugar na Grécia (Górgias, 461e2), e isso se conservou, até o século IV, como uma das características das quais os atenienses se orgulhavam (cf. Demóstenes IX, 3). A “Nota de Liberdade” tem sido regularmente declarada uma das glórias do gênio grego, manifesta em Atenas mais do que em qualquer outro lugar no século V a. C. Entretanto, como escreveu E. R. Dodds,
os indícios que temos são mais do que suficientes para provar que a Grande Era do Iluminismo grego era também, como no nosso próprio tempo, uma Era de Perseguição — banimento de intelectuais, antolhos para o pensamento e até (a crer na tradição sobre Protágoras) queima de livros. Isso afligiu e confundiu os professores do século XIX, que não tinham a nossa vantagem da familiaridade com esse tipo de comportamento. Isso os confundia ainda mais porque acontecia em Atenas, a “escola da Hélade”, a matriz da filosofia e, até onde vai nossa informação, em nenhum outro lugar. Daí a tendência para duvidar dos dados, sempre que possível; e quando possível explicar que o motivo real por trás das denúncias era político [6].
Sem dúvida, os que atacavam os filósofos, em Atenas, estavam atacando Péricles. Isso é simplesmente prova do íntimo envolvimento e da patronagem de Péricles em relação ao movimento sofista. Mas os indícios são realmente fortes de que houve toda uma série de processos contra filósofos e outros em Atenas, na segunda metade do século V a. C., geralmente sob a acusação de Asebeia ou impiedade [7]. Isto é preservado não por uma fonte, mas por várias. Entre as vítimas se incluía a maioria dos líderes do pensamento progressista em Atenas: Anaxágoras, Diágoras, Sócrates, Aspásia, Protágoras e Eurípides, embora no seu caso pareça que a denúncia não foi bem-sucedida. De Protágoras se disse que foi exilado de Atenas e seus livros foram queimados (DK 80A1e3); parece não haver dúvida de que Anaxágoras foi exilado, embora a data seja incerta. Fídias, depois de condenado por apropriação indébita, ou morreu na prisão ou foi exilado. Damon, como vimos, sofreu o ostracismo. É difícil acreditar que tudo isso foi simplesmente inventado, a despeito da incerteza sobre alguns detalhes.
Plutarco (Per. 31-32) reúne um certo número dessas acusações e as situa por volta do início da Guerra do Peloponeso, associando-as a um decreto de Diopeites prescrevendo a instauração de processo público (pelo processo de eisangelia) contra os que não acreditavam em coisas divinas ou que davam lições de astronomia. As tentativas de datar o decreto depois do inicio da guerra, claramente motivadas por um desejo de associá-lo com a histeria da guerra e mesmo com emoções evocadas pela praga [8], deveriam ser descartadas. É até possível que alguns dos processos reais fossem anteriores a 432 a. C. Finalmente, tem de ser feita referência a uma intrigante afirmação na Retórica 1397b24, de Aristóteles, segundo a qual a rejeição de uma afirmação provável é aceita como um bom argumento para a rejeição de outra afirmação menos provável. Portanto, se não se deve menosprezar outros especialistas, os filósofos também não deveriam ser menosprezados. Se os generais não devem ser menosprezados porque estão freqüentemente sujeitos à morte, tampouco devem ser menosprezados os sofistas. Aqui a interpretação do texto thanatountai é segura e não deveria ser alterada. Mas não significa realmente condenados à morte, mas apenas sujeitos à ameaça de morte [9]. O que Aristóteles está dizendo é que a profissão de sofista era perigosa, embora menos do que a de general.
Em vista dos testemunhos acima não é de se duvidar da autenticidade da tradição segundo a qual alguns sentiam que seria prudente que o sofista ocultasse o fato de ser sofista. Encontramos isso não só na passagem do Protágoras de Platão citada anteriormente, mas também aplicado a Damon, na Vida de Péricles, de Plutarco; tratado como pilhéria por Sócrates, no seu próprio caso, em Teeteto 149a7; como um argumento sério na Apologia 33c4-34b5, e aplicado a outros, além de Protágoras, em Mênon 91e3-92a6. Se os sofistas poderiam ocasionalmente sentir-se inseguros em Atenas, certamente haveriam de ter recorrido ao apoio de Péricles. Consta que Péricles interveio diretamente para socorrer Anaxágoras e Aspásia. Não há por que duvidar de que sua influência estava disponível para socorrer outros também, e é provável que o apoio de Péricles fosse a secreta fonte de segurança em que se fiava Protágoras (Prot. 317b6-7).
Em vista de tudo o que foi dito, podemos agora concluir que não somente a situação geral em Atenas, mas também o franco encorajamento de Péricles é que trouxeram tantos sofistas a Atenas. A sua vinda não foi provocada simplesmente por algo de fora mas, antes, por um desenvolvimento interno à história de Atenas. Eles faziam parte do movimento que estava produzindo a Nova Atenas de Péricles, e era como tal que foram, ao mesmo tempo, bem-vindos e atacados. Eles atraiam o entusiasmo e o ódio que regularmente advêm àqueles que estão profundamente envolvidos num processo de fundamental mudança social. A mudança que estava se realizando era, ao mesmo tempo, social e política, de um lado, e intelectual, de outro. Mas esses dois aspectos não eram separados; ambos faziam parte de um único processo complexo de mudança.
Este capitulo intentou compreender o movimento sofista como um movimento social dentro do contexto da sociedade ateniense do século V. Acredito que não há necessidade de me justificar pela ênfase dada aos aspectos especiais existentes em Atenas e, em particular, pela importância atribuída à influência pessoal de Péricles, embora reconheça que em ambos os pontos talvez esteja indo um pouco mais longe do que foram outros especialistas. Seria um engano dar a impressão de que o movimento sofista era alguma coisa confinada em Atenas. Os sofistas vieram de muitas partes do mundo grego, viajaram longas distâncias, visitando cidades por toda parte (Platão, Ap. 19e5), ou pelo menos as cidades maiores (Platão, Prot. 316c6), das quais, ao que parece, estavam sujeitos a ser expulsos, exatamente como acontecia em Atenas (Platão, Mênon 92b3). Alguns sofistas, contudo, não eram estrangeiros, mas cidadãos das cidades nas quais ensinavam (Platão, Mênon 91c2, 92b3, Sof 223d5). Quando um sofista viajava, ia provavelmente acompanhado de alunos que, como ele, chegavam como estrangeiros nas cidades que estavam visitando (Platão, Prot. 315a7). Górgias teve alunos em Argos, onde atraiu muita hostilidade da população local (ver DK Vol. II, 425.26), e em outro período de sua vida parece que se fixou em Tessália (DK 82A19). Hípias viajou muito, especialmente no mundo dório e, portanto, até Esparta e Sicília; e Protágoras também viveu por algum tempo na Sicília.
4 – O sentido do termo sofista
O nome sofista está claramente relacionado com as palavras gregas sophos e sophia, comumente traduzidas por “sábio” e “sabedoria”. Conforme a explicação corrente, adotada tanto nos nossos dicionários como em nossas histórias da filosofia, esses termos sofreram uma espécie de evolução, quanto ao seu sentido, de (1) habilidade em uma determinada ocupação, especialmente ofício manual, passando por (2) prudência ou sabedoria em questões gerais, especialmente sabedoria prática e política, para (3) sabedoria científica, teórica ou filosófica. Tentei argumentar, alhures [1], que essa sequência é artificial e não-histórica, sendo essencialmente baseada em Aristóteles e na sua tentativa de esquematizar a história do pensamento de antes de seu tempo dentro de um quadro ilustrativo de sua própria visão da natureza da filosofia, enfatizando sobretudo a procedência do particular para o universal. Desde o início, sophia era, de fato, associada ao poeta, ao vidente e ao sábio, todos os que revelavam um saber não concedido aos outros mortais. O saber assim obtido não era uma questão de técnica como tal, fosse poética ou qualquer outra, mas conhecimento dos deuses, do homem e da sociedade, ao qual o “sábio” afirmava ter acesso privilegiado.
Do século V a.C. em diante, o termo sophistés é aplicado a muitos desses primeiros “sábios” — a poetas, inclusive Homero e Hesíodo, a músicos e rapsodos, adivinhos e videntes, aos Sete Sábios e a outros antigos sábios, aos filósofos pré-socráticos, e a personagens tais como Prometeu, sugerindo poderes misteriosos. Não há nada de depreciativo nessas aplicações, muito pelo contrário. É a essa respeitável tradição que Protágoras deseja se incorporar na passagem, já citada, do diálogo de Platão, Protágoras (316c5-e5) [2].
Não obstante, Protágoras declarava ser, e era, um profissional. De fato, o profissionalismo dos sofistas, na segunda metade do século V a. C., distinguia-os manifestamente de todos os seus supostos predecessores. O primeiro elemento de seu profissionalismo é o fato de receberem honorários por seu ensino. Segundo Platão, isso era uma inovação em comparação com os que vieram antes deles (Hipp. Mai. 282c6) e é claro que, para muitos, o mero fato de receberem honorários, não o valor dos honorários, é que era inadmissível. Por que isso? Não se reprovava a venda de bens por dinheiro, em Atenas (cf. Platão, Górgias 520d). Poetas, artistas e doutores, todos recebiam honorários. Pindaro, escrevendo logo depois do fim da invasão persa de 480 a. C. (Isthm. II), diz que já se fora o tempo em que os poetas escreviam canções sem receber dinheiro em pagamento – o dinheiro faz o homem! De fato, relata-se que ele recebeu 10.000 dracmas de presente pelo seu poema em louvor de Atenas (Isócrates XV, 166), e Simônides também recebia pagamento por suas odes (Ar. Ret. 1405b23-ss). Para pagamentos de um talento, ou mais, ao médico Demócedes, temos a prova de Heródoto III, 131.
Por que, então? A resposta clássica tem sido que não era o fato de cobrarem honorários que desagradava; era o fato de venderem instrução em sabedoria e virtude. Essas não eram da espécie de coisas a ser vendidas por dinheiro; amizade e gratidão deveriam ser recompensa suficiente (cf. Xen. Mem. I, 2,7-8). Mas é duvidoso que isso teria sido realmente suficiente para separar os profissionais sofistas dos poetas, por exemplo; quando examinamos mais atentamente as repetidas objeções registradas em Platão e Xenofonte, descobrimos que quase regularmente as objeções têm uma outra característica, não muito enfatizada na literatura moderna. O que está errado é que os sofistas vendem sabedoria a todos os que se apresentarem sem discriminação — ao cobrar honorários eles se destituíam do direito de escolher seus alunos. Isso, é dito, envolve prelecionar diante “de todo tipo de gente” (Hipp. Mai. 282d1) — uma expressão tão desdenhosa em grego como em português — e receber dinheiro de quem quer que venha (Xenofonte, Mem. I, 2.6, I, 5.6, I, 6.5, I. 6.13). Uma das consequências, se diz, era destituir o sofista da sua liberdade e fazê-lo escravo de todos quantos vinham a ele com dinheiro. Mas é de se duvidar que seria a solicitude pela independência do sofista a base real dessa objeção. Na realidade, nem é mesmo certamente verdadeiro ser esse o caso do ensino sofista. Claramente, no Protágoras, o jovem Hipócrates não está absolutamente seguro de ser capaz de persuadir Protágoras a aceitá-lo como aluno, e espera ansioso que Sócrates o recomende ao grande homem (310d6-e3).
Por conseguinte, é provável que a verdadeira razão da objeção não fosse a preocupação de proteger os sofistas contra o ter de se associar com todo tipo de gente; a objeção era contra todo o tipo de gente poder obter o que os sofistas tinham para oferecer, simplesmente pagando por isso. O que eles tinham para oferecer, nas palavras atribuídas a Protágoras, incluía ensinar o homem a respeito dos assuntos de Estado, de modo que ele pudesse vir a ser uma verdadeira força nos negócios da cidade, tanto como orador quanto como homem de ação; em outras palavras, tornar-se um político eficiente e bem-sucedido (Prot. 319a1-2). Era certamente essa a fonte da poderosa atração exercida pelos sofistas em Atenas, e também do ódio que levou aos ataques pelos autores de comédias, aos processos e, finalmente, à morte do próprio Sócrates, na passagem do século V para o IV.
Uma questão subsidiária, mas difícil, é saber a importância dos honorários recebidos pelos sofistas pelos seus serviços. Aqui, as afirmações gerais que chegaram até nós são conflitantes, e as afirmações particulares são difíceis de interpretar. Somos informados de que Górgias e Pródicos ganhavam notáveis somas de dinheiro, assim como Hípias e Protágoras (Platão, Hipp. Mai. 282b8-283b3), e consta que o rico Cálias pagou “muito dinheiro” a esses mesmos três sofistas (Xen. Symp. I, 5). De Protágoras se diz que ganhou mais dinheiro do que Fídias junto com quaisquer dez outros escultores (Platão, Mênon, 91d). Ao contrário, escrevia Isócrates (XV,155-156):
No geral, não se achará nenhum desses sofistas que tenha acumulado muito dinheiro: alguns viviam em condições de pobreza, outros em condições moderadas. Quem, na nossa lembrança, ganhava mais era Górgias. Ora, ele passava seu tempo em Tessália, quando os tessalianos eram o povo mais próspero da Grécia; viveu uma longa vida e dedicou-se a fazer dinheiro; não tinha domicilio fixo em nenhuma cidade e não pagava nada para as necessidades públicas, nem qualquer imposto; não era casado e não tinha filhos… assim mesmo, quando morreu, deixou apenas mil estáteres [umas 20.000 dracmas].
Nada disso realmente equivale a grande coisa. Em primeiro lugar, não temos meios de saber se as informações são literalmente verdadeiras ou não. Segundo, deveríamos, a esta altura, já estar bastante familiarizados com a maneira como argumentos desse tipo, sobre a remuneração de profissionais tais como médicos, advogados ou professores universitários, tendem a ser conduzidos atualmente — a discussão tende a ser influenciada pelos sentimentos e pelos interesses das partes em questão.
Talvez os números reais pudessem nos ajudar mais. Mas aqui também há claras divergências, e os números poderiam ser colocados em três grupos (1) Pitódoros, filho de Isólocos e Cálias, filho de Calíades, pagaram 100 minas (10.000 dracmas) cada um a Zenão, segundo a afirmação no diálogo que é, provavelmente, pseudo-platônico, o Primeiro Alcibíades (Alc. I, 119a1-6). Segundo fontes posteriores, Górgias cobrava 100 minas de cada aluno (DK 82A2 e 4), e esse era o preço também cobrado por Protágoras, segundo Diógenes de Laércio (DK 80A1). (2) Por outro lado, Sócrates, na Apologia de Platão (20b9), diz que Cálias pagou, a Eueno de Paros, 5 minas pela educação de seus dois filhos; Isócrates cobrava 10 minas (Plutarco, Mor 837d), e Pródicos normalmente cobrava meia mina por uma única preleção (DK 84 Al l). À primeira vista, o segundo grupo representa uma escala muito inferior ao primeiro e isso tem gerado dúvidas quanto aos números mais altos, se não seriam grandemente exagerados [3]. Um terceiro conjunto de números também não nos ajuda muito (3): Hípias teria afirmado que foi uma vez à Sicília, numa época em que Protágoras também estava lá, e, apesar da competição, Hípias fez mais de 150 minas num curto espaço de tempo, inclusive 20 minas numa cidadezinha, e que, de modo geral, seus ganhos constituíram mais do que os obtidos por quaisquer dois outros sofistas.
Duas grandes dificuldades impedem quaisquer inferências confiáveis a partir desses números. Primeiro, está claro que havia uma enorme diferença entre os honorários. Sócrates, na passagem já citada (DK 84A11), depois de nos contar que o preço normal para uma preleção de Pródicos era meia mina, continua dizendo que ele não podia se dar a esse luxo, de modo que só ia às preleções de uma dracma, isto é, de um quinquagésimo do custo. E Isócrates (XIII, 3-4 e 9), depois de dizer que alguns pedem 3 ou 4 minas, acrescenta que outros tentavam reunir o maior número possível de estudantes cobrando preços muito baixos. Segundo, nenhuma informação nos é dada quanto à relação entre o preço, o número de estudantes e a duração do curso, que poderia ser até de três ou quatro anos (Isócrates XV, 87). De modo que, embora possamos desconfiar de que 100 minas de honorário seja alto demais, acho que não podemos ter certeza de que seja simplesmente falso.
Qualquer que seja a verdade a respeito da escala de honorários cobrados, interessa perguntar qual era a importância social de cada honorário em particular. A mina foi calculada como contendo aproximadamente 425 gramas de prata: ao preço da praça vigente em 1978 isso equivaleria a umas 38 libras ou 74 dólares. Maior informação, porém, é dada pela comparação de uma mina, valendo 100 dracmas, com o salário médio de um dia de um artesão, calculado em uma dracma, ou umas 3 ou 4 minas por ano, com base nos registros de pagamento para as construções de templo no final do século V a. C. Isso sugere que o pagamento de quatro ou mais minas por um curso de um ano pode não ter sido considerado particularmente caro para os que podiam pagá-lo e, excepcionalmente, honorários mais altos não seriam impossíveis para um sofista no ápice de suas capacidades e da carreira. Se Pródicos podia realmente ganhar, por preleção, meia mina de cada estudante presente, então o rendimento total seria, no caso de 20 estudantes presentes, 10 minas; e um curso de dez preleções poderia render até 100 minas. Essa inferência seria invalidada se a meia mina não fosse por uma única preleção mas pelo curso todo. Muitos tradutores dessa passagem de fato supõem exatamente isso. Mas a favor da opinião de que era o preço de uma única preleção temos o uso do substantivo singular epideixis, normalmente usado, como veremos, para falar de uma única exposição. De qualquer forma, se se tratasse de um curso inteiro, então uma dracma seria realmente uma soma ridícula pedida por Pródico. Talvez valha a pena notar que, no pseudo-platônico Axiochus 366c1-3 (DK 84B9), preços de uma dracma, duas dracmas e quatro dracmas são mencionados para o que parece ter sido uma única apresentação.
Uma vez os honorários pagos ou prometidos, qualquer que fosse em cada caso, o que acontecia quando um estudante começava a frequentar um sofista? Será conveniente distinguir três aspectos: (1) questões de organização, (2) métodos de ensino e (3) currículos, embora, naturalmente, estejam todos interligados.
Um tipo bem distinto de apresentação era a epideixis ou exposição pública. Hípias fazia essas apresentações regularmente nos jogos pan-helênicos, em Olímpia, no recinto sagrado. Ele se dispunha a falar sobre qualquer assunto, de uma lista preparada de antemão, e a responder a quaisquer perguntas (Hipp. Min. 363c7-d4). Parece que isso teria sido uma programação regular lá (Lysias, XXXIII, 2). Górgias se oferecia para falar sobre qualquer assunto no teatro de Atenas (DK 82A1a) e falava também em Olímpia e nos Jogos Píticos, em Delfos (DK 82B7-9). Ocasionalmente, ambos, Hípias e Górgias, adotavam as túnicas púrpuras dos rapsodos, como que para enfatizar a sua continuidade com as funções dos poetas dos tempos antigos (DK 82A9). Outras epideixeis eram dadas em praças e prédios públicos em vários lugares de Atenas – no Liceu, por Pródicos (DK 84B8), na “escola de Feidostratos”, por Hípias (DK 86A9), talvez em um Ginásio por Górgias (Platão, Gorg. 447a1 -b3). Ainda outras performances epidícticas eram dadas em casas particulares, por exemplo a de Cálias, no caso de Pródicos (DK 84B9).
Uma epideixis era normalmente uma única preleção. Segundo Diógenes Laércio IX, 52 (DK 80A1), Protágoras tinha sido o primeiro a introduzir “debates de argumentos” (logõn agõnas), e isso constituiu um dos pontos de partida para a elaborada teoria proposta por Gilbert Ryle, que merece ser mencionada aqui [4]. Segundo Ryle, elas constituíam o que ele chamava de “assembleias erísticas”, ou debates públicos entre oradores concorrentes; a seu ver, os primeiros diálogos de Platão eram dramatizações, virtualmente minutas do que se realizara nas assembleias erísticas, e que foram, primeiro, recitados em público, com Platão fazendo a parte de Sócrates. No que concerne a Platão, simplesmente não há prova alguma que sustente essa teoria, e as probabilidades são francamente contrárias.
Não é impossível que houvesse, algumas vezes, debates públicos e confrontações desse tipo entre sofistas. Uma prova disso talvez se encontre em Hipócrates, De Natura Hominis 1, onde se lê que quando os mesmos homens se opõem um ao outro (antilegontes), diante dos mesmos ouvintes, nenhum deles é vitorioso sucessivamente três vezes com os seus argumentos, mas ora prevalece um, ora outro, e ora aquele de língua mais desembaraçada diante da multidão. Mas não é certeza que isso se refira a qualquer debate real, visto que o mesmo debate dificilmente se repetiria três vezes publicamente. A referência deve ser simplesmente ao efeito imprevisível e inconcludente de argumentos opostos quando apresentados a sucessivos auditórios. A natureza desses “argumentos opostos” é discutida mais abaixo. O que a frase agõn logõn significa é apenas o tipo de conflito entre argumentos encontrados em todos os casos de antilógica, escritos ou não, em público ou em particular (ver DK Vol. II, 292.8, Platão, Prot. 335a4), tal como foi corretamente compreendido por Guthrie [5]. Se debates públicos formais se realizavam de vez em quando, não parece que eram uma parte importante da atividade sofista. O que é provável ter sido mais freqüente era o tipo de debates descritos no Protágoras, de Platão, e ainda outros que eram essencialmente exercícios didáticos, internos à situação de aula. Falaremos mais disso, em breve, quando abordamos os “métodos de ensino”.
A principal instrução dos sofistas, contudo, não era dada, com toda a certeza, nem em preleções públicas, nem em debates públicos, mas em classes menores, ou seminários, como o descrito na casa de Cálias quando o jovem Hipócrates vem buscar conhecimentos com Protágoras. Aqui, Hípias estava sentado numa cadeira no pórtico, discursando para um grupo de ouvintes, aparentemente sobre a natureza e questões de astronomia, e respondendo a perguntas. Pródicos está numa despensa convertida em sala de aula, falando em voz alta e retumbante, enquanto Protágoras anda de um lado para outro no pórtico de entrada, acompanhado por toda uma multidão de atenienses e estrangeiros pressurosos à sua disposição. Muitos desses tinham deixado suas cidades para acompanhar Protágoras nas suas viagens; se, nesses casos, a pensão era suprida por Protágoras, isso explicaria por que alguns de seus preços eram tão altos. Certamente parece haver aí certa ênfase na íntima associação do professor com o aluno, numa espécie de viver junto como parte do processo de educação. O resultado disso terá sido, naturalmente, que os estudantes ganhavam não só com o íntimo contato com a mente e a personalidade do sofista, mas também com o estímulo intelectual da associação de uns com os outros, num grupo de jovens, todos interessados nos mesmos estudos. Sem dúvida esse era um dos motivos da intensa excitação que podemos suspeitar no jovem Hipócrates ante a perspectiva de entrar para o grupo de estudantes associados a Protágoras; uma excitação tão intensa que ele não pode esperar o tempo normal, mas vai à casa de Sócrates, todo nervoso e agitado com suas emoções, quando Sócrates ainda está na cama.
Isso leva, naturalmente, à (2) questão dos métodos de ensino. Primeiro, havia a preleção preparada sobre um determinado tema. Algumas delas eram essencialmente exercícios retóricos sobre um tópico mítico, tais como as obras existentes de Górgias, Helena e Palamedes. Mais diretamente relacionado com o treinamento dos futuros oradores nos tribunais, ou nas assembleias, eram os exercícios retóricos do tipo que chegou até nós na coleção das Tetralogias de Antífon — cada uma delas consiste em um conjunto de quatro discursos: discurso do acusador, resposta do defensor, depois um segundo discurso de cada lado. São como que modelos esquemáticos de discurso; a segunda Tetralogia trata o tema já mencionado — a questão da responsabilidade quando um rapaz é acidentalmente atingido por um dardo quando estava como espectador num ginásio. É claro que exemplos de discurso desse tipo eram dados para os estudantes estudarem e imitarem.
Cícero, no Brutus (46-47), nos presta mais informações valiosas que extraiu de uma obra perdida de Aristóteles, provavelmente sua coleção de antigos manuais de retórica conhecidos como a Technõn Synagogé:
Protágoras preparava discussões escritas de assuntos importantes, agora chamados lugares-comuns (loci communes). Górgias fazia o mesmo, compondo elogios e invectivas contra determinadas coisas, porque considerava que era especialmente função do orador ser capaz de aumentar o mérito pelo louvor e diminuí-lo de novo pela invectiva. Antífon de Ramnonte tinha composições semelhantes escritas por extenso.
Não há por que duvidar de que sejam lugares-comuns desse tipo que os alunos de Górgias eram obrigados a aprender de cor (DK 82B14), em vez de discursos inteiros como às vezes se afirma, e é de se supor que seriam, depois, desenvolvidos em exercícios práticos sob a supervisão do mestre.
Isso a que Cícero se refere, em latim, como locus é, em grego, o topos ou “lugar”; no seu sentido mais geral é provável que originalmente significasse a posição ou ponto de vista a partir do qual se ataca o oponente ou se defende a própria tese. Outros, contudo, restringem-no a designar simplesmente o lugar onde o orador encontra um argumento necessário. Aristóteles, no seu tratado Tópicos, apresenta uma espécie de cartilha de dialética, mostrando como se pode defender uma tese tomando como pontos de partida premissas apropriadas que já eram geralmente aceitas. Tópicos são, para ele, linhas de argumento, tais como argumentos tirados dos contrários, argumentos tirados de definições e argumentos tirados de enganos. Sua abordagem é formal, e seus tópicos não são os mesmos que os loci communes a que se refere Cícero. Mas a conclusão do Sophistic Elenchi mostra que ele estava bem consciente da existência deles também, e seu Retórica II, 23 dá exemplos, tais como a citação de Eurípides, do Tiestes: “Se os homens têm o hábito de dar crédito a afirmações falsas, deve-se também crer no contrário, que os homens muitas vezes descreem do que é verdadeiro”.
Muitos desses lugares-comuns eram de caráter antitético, e parece que se faziam coleções escritas deles. Protágoras escreveu uma Techné Eristikõn ou Arte de Erística, que era igual aos dois livros conhecidos como Antilogiai ou Antilogikoi, ou semelhante a eles, mas distinta deles, e há boas razões para supor que um dos dois, ou ambos, continham “lugares comuns” em forma antitética, como sugere o nome Antilogiai, prontos para ser usados pelos estudantes, ou na vida real. Quantas dessas coleções de passagens pode ter havido, não sabemos. Mas certamente havia outras, e Platão se refere também à prática de Eueno de Paros (DK 80A26), que inventou Insinuação, Louvores Indiretos e, como dizem alguns, Censuras Indiretas, compondo-as em verso, para ajudar a memória, presumivelmente mais como exemplos para os alunos do que para que ele mesmo pudesse se lembrar.
Um outro método de ensino muito usado era o de pergunta e resposta. Este era frequentemente associado a um outro tema, a habilidade de falar de maneira breve. Assim, ambos eram considerados a marca do homem que conhece a verdade sobre as coisas, no tratado conhecido como o Dissoi Logoi 8.1 e 8.13 (DK 90). Em vários dos diálogos de Platão, Sócrates é apresentado fazendo objeções a longos discursos e exigindo respostas breves às perguntas. No Protágoras, ele enfatiza bem que Protágoras é igualmente hábil e à vontade em cada um desses dois métodos de ensino (329b1¬5, 334e4-335a3), sendo que poucos eram os que tinham o domínio do segundo método. Exatamente a mesma asserção é feita a respeito dele mesmo, em outro lugar, por Górgias (Gorg. 440c1-8) e, possivelmente, a respeito de Polo (461d6-462b3). Somos informados, no Fedro (267a 6-b9), que ambos, Tísias, o retórico siciliano que tinha ensinado Górgias, e o próprio Górgias
compreendiam que probabilidades merecem mais respeito do que as coisas que são verdadeiras, e além disso faziam com que as coisas pequenas parecessem grandes e coisas grandes parecessem pequenas pelo poder da linguagem, e coisas novas parecerem antigas e vice-versa, e descobriram tanto a concisão em argumentos como tratamento muito longo sobre todas as coisas. E, quando Pródicos ouviu isso, riu e disse que ele, e só ele, tinha descoberto o que a arte exige dos discursos — nem longos, nem curtos, mas moderados… Mas estamos esquecendo Hípias? Acho que o homem de Elis também juntaria o seu voto ao de Pródicos.
O testemunho dessa passagem é importante por vários motivos. Mostra que Platão sabia que havia dois métodos reconhecidos de instrução, no período sofista. Mais do que isto, porém, mostra que havia debate sobre os seus respectivos méritos, entre os chamados sofistas. As referências ao poder de mudar o modo como as coisas aparecem, trocando a sua importância, combina claramente com a técnica do argumento sofista. Como se verá abaixo, no seu devido tempo, essa é a técnica de transformar o argumento mais fraco no mais forte. Como vimos, a partir de outro testemunho, antes de citar a passagem de Fedro, o método de falar brevemente estava muito claramente relacionado, por Sócrates, ao método de pergunta e resposta (ver Prot. 329b3-5, 334d4-7, 335a6, b1-2) — de fato, é de se perguntar como poderia ter sido diferente, sobretudo com um sofista, o menos inclinado, entre todos os homens, a querer falar brevemente, na discussão, e depois ficar calado. Consequentemente, não é plausível a sugestão [6] de que a brevidade no discurso de Protágoras e Górgias era simplesmente um estilo lacônico, “de pôr uma coisa no menor número possível de palavras”, e não uma técnica de investigação. No mínimo, se não era uma técnica de investigação, era certamente uma técnica de argumentação e de ensino.
Eis um assunto que, para alguns, oferece muita matéria a ser discutida. Pois a técnica em questão é a base do que conhecemos como a tradição socrática em educação; na realidade, Diógenes de Laércio recorda a tradição segundo a qual Protágoras foi o primeiro a desenvolver o método socrático de argumentação. O que foi considerado uma tentativa de roubar de Sócrates o crédito por esse feito suscitou, talvez inevitavelmente, forte sectarismo. É o que vem à tona, muito claramente, na discussão de Henry Sidgwick [7]. A seu ver, se Protágoras tivesse realmente inventado a disputa metodológica de perguntas e respostas curtas, seria “absolutamente incrível” que pudesse jamais ser representado assim como o representa Platão no diálogo que leva o seu nome. Ele estava inclinado a pensar que a arte de disputa, mais tarde atribuída aos sofistas em alguns dos diálogos de Platão, tais como o Eutidemo e o Sofista, originou-se inteiramente com Sócrates, e que ele é totalmente responsável ao menos pela forma dessa “segunda” espécie de sofistica.
Essa opinião é freqüentemente citada com aprovação, seja com ou sem restrições [8]. Que eu saiba, a mais cuidadosa discussão recente dessa questão é a de Norman Gulley [9]. Ele tem consciência, eu diria, de que a opinião de Sidgwick simplesmente não se sustenta, e que os sofistas realmente desenvolveram um método de argumentação por pergunta e resposta. Esta, eu diria, é a única opinião possível com base no testemunho que temos. Mas Gulley se sente obrigado a reforçar a conclusão o mais possível, argumentando da seguinte forma: o procedimento dos sofistas era provavelmente um desenvolvimento bastante tardio, influenciado, na sua formulação, pelo método de exame por perguntas e respostas de Sócrates. É provável que qualquer elemento de questionamento no método de Protágoras fosse um elemento quase incidental, e tivesse uma importância mais dramática do que filosófica. Portanto, conclui ele, seria mais prudente seguir Platão e chamar o método de Sócrates de “dialético” em contraste com o método “erístico” dos sofistas.
O contraste entre os termos “dialética” e “erística” será discutido mais adiante. Quanto ao resto das controvérsias mencionadas acima, simplesmente não há nenhum indício, nada que possa sugerir que o método de Protágoras, e dos outros sofistas, fosse posterior ao de Sócrates. Mas temos motivo para associar o método de Protágoras com a sua doutrina dos Dois Logoi, um oposto ao outro. De fato, Platão, no Sofista, numa passagem a ser discutida logo mais (232b), destaca um aspecto como distintivo de todos os sofistas como tais, a saber, que eles eram Antilogikoi, que opunham um logos a outro. Isto significa que o que estamos chamando de método de Protágoras tem fundamento na própria teorização de Protágoras, e isso certamente sugere que é mais provável que o método seja mesmo dele do que simplesmente derivado de Sócrates. Portanto, a seguinte esquematização [10] do “método de Protágoras” tem considerável plausibilidade, embora em seus detalhes vá um pouco além dos testemunhos: (1) um estilo de exposição formal seja na preleção ou no manual, (2) troca oral num pequeno grupo de discussão informal, e (3) a formulação antitética de posições públicas e o estabelecimento de princípios a serem seguidos pelos membros do grupo. O que podemos dizer com certeza é que temos todos os motivos para atribuir a Protágoras o uso de um tipo de método tutorial para suplementar exposições estereotipadas, e que não há razão para supor que isso se tenha originado com Sócrates.
Por isso, para resumir, eu diria que em certo sentido o problema está longe de ser tão importante quanto tem parecido. O método socrático, mesmo que possa ter se originado com Sócrates, não obstante originou-se a partir de dentro do movimento sofista, porque o próprio Sócrates fazia parte desse movimento. Uma vez reconhecido que outros sofistas, além de Sócrates, usaram, de fato, o método de pergunta e resposta, e isso certamente temos de reconhecer, então o grau de originalidade de Sócrates e o grau em que ele foi influenciado pelos outros sofistas são, ao mesmo tempo, uma questão sem resposta e também de importância subordinada, sob todo e qualquer ponto de vista que não seja o do sectarismo socrático.
Passo, agora, (3) para os currículos ensinados pelos sofistas, e a série de estudos por eles proposta. De vez em quando, no passado, fizeram-se tentativas de argumentar que os sofistas estavam totalmente, ou predominantemente, preocupados com uma única área de estudo e de ensino. E essa preocupação era, então, tida como a marca distintiva de um sofista — a retórica como ideal educacional, a oposição entre natureza e convenção, sucesso político, o ideal de educação em geral, rejeição da ciência física, recusa da religião, a visão humanista do homem como centro do universo, o homem como um personagem trágico do destino. Todos esses, cada um por vez, ou em combinação, têm sido sugeridos por diferentes especialistas modernos, em épocas diferentes. As referências reais que temos a respeito do ensino sofista sugerem que ele cobria uma faixa extremamente larga; em todo caso, a questão é em parte complicada pela necessidade de decidir de antemão exatamente que personagens devem ser incluídos e quais devem ser excluídos do título de sofista. Depois há a dificuldade da não-sobrevivência dos escritos sofistas. É claro que eram realmente numerosos, e às vezes se diz que, de modo geral, desapareceram de circulação em apenas algumas décadas de sua produção. Afinal de contas, sugere-se, eles não eram principalmente eruditos e sua obra educacional mais séria era destinada a homens vivos, não a futuros leitores. Assim diz Jaeger, na sua influente obra Paideia (Vol. I, trad. inglesa de 1939, p. 302), que foi citada com aprovação por Untersteiner.
Acerca disso deve-se dizer, como acerca de tantas das afirmações gerais regularmente repetidas sobre os sofistas, que é apenas em parte verdadeiro. Para demonstrá-lo, basta mencionar alguns fatos. Quanto a Protágoras, os manuscritos de Diógenes Laércio dão uma lista de “obras existentes”, compreendendo 12 títulos, e a lista original de Diógenes pode ter sido mais longa. É natural supor que essa lista venha de um catálogo de biblioteca, talvez a de Alexandria. Uma outra obra sua parece ter sido arrolada no chamado catálogo Lamprias, de Plutarco. Porfirio, no século III d.C., encontrou, por acaso, uma cópia de uma outra obra e afirma ter resumido seus argumentos (DK 80B2); e temos uma peça de crítica literária de Homero, feita por Protágoras, num fragmento de papiro de Oxyrrhynchus de não antes do século I d.C. (DK 80A30). Por outro lado, é provável que o chamado novo fragmento de Protágoras, publicado em 1968, extraído de um comentário bíblico por Dídimo o Cego, seja simplesmente oriundo de um tipo qualquer de obra doxográfica cética, e não diretamente dos escritos de Protágoras. E isso mesmo provavelmente acontece com a valiosa nova informação sobre Pródicos, encontrada em um outro dos comentários de Dídimo [11]. Mas quanto a Antífon, a nossa principal informação, de fato, vem de duas peças distintas, na série dos Oxyrrhynchus Papiri, o que significa que sua obra principal era conhecida e copiada no Egito. Se Antífon, o sofista, pode ser identificado com Antífon de Ramnonte, temos, naturalmente, além disso, a coleção existente dos discursos conhecidos como as Tetralogias, junto com dois outros discursos. A identificação foi considerada incerta, por Hermógenes, no final do século II d. C., porque o estilo ou, melhor, a forma literária dos escritos do sofista era bem distinta. Isso implicaria que ele tivesse lido um ou mais deles; de fato, uma extensa citação do Da Concórdia foi feita por João Estobeu por volta da metade do século V d. C. Quanto a Górgias, temos os dois remanescentes Encomia e dois sumários do seu Sobre a Natureza; um deles, o de Sexto Empírico, pertence ao final do século II d.C. Jâmblico, por volta de 300 d. C., pôde fazer extensas citações do tratado, que passou a ser conhecido como o Anônimo Jâmblico (DK 89). Um catálogo de Memphis, do século III d. C., preservado num papiro de S. Petersburgo, continha o título de uma obra de Hípias (DK 86B19); e um tratado de Pródicos, Sobre a natureza do homem, parece ter sido conhecido por Galeno, no século II d. C. (DK 84B4).
Pelo visto, parece que um número considerável de escritos sobreviveu por um bom tempo. No que os sofistas foram menos afortunados do que outros, entre os pré-socráticos, foi na virtual ausência de relatos doxográficos. Provavelmente a principal razão disso foi a sua rejeição, como pensadores, por Aristóteles. Isso significa que foram virtualmente excluídos da série de sínteses encomendadas à escola de Aristóteles, que foi uma importante fonte de informação subsequente. Eles provavelmente foram incluídos na sua síntese de escritos retóricos e esta é pelo menos uma razão pela qual a tradição subsequente acentuou tão pesadamente este aspecto da obra deles. A geral omissão deles na tradição doxográfica, unida à opinião platônica e aristotélica de que seu pensamento e seu ensino eram falsos, explica por que foram, de fato, virtualmente ignorados pela cultura helênica, e por que mesmo essas suas obras que sobreviveram não eram lidas.
Aqui está, aparentemente, a razão dos sofistas terem sido cancelados da história do pensamento. Não foi apenas em razão da maledicência e da desonestidade de Platão, mas principalmente, pela exclusão de Aristóteles. Os sofistas foram assim apagados do mundo pelos escolásticos da época.
No período imperial, só estavam preparados para levá-las a sério os membros do chamado Segundo movimento sofista, iniciado com o século II d. C. Entretanto, esse foi um movimento que realmente estava mais interessado em linguagem e retórica do que em filosofia. No século III d. C., Flávio Filostratos, membro do círculo intelectual da imperatriz síria Júlia Doma, escreveu seu Vidas dos Sofistas, no qual incluiu Górgias, Protágoras, Pródicos, Polo, Trasímaco, Antífon e Crítias. Mas, na realidade, parece que ele viu apenas as obras dos dois últimos da lista, e seu interesse quase que exclusivamente retórico fez com que não dissesse nada acerca das doutrinas, mesmo quando a informação sobre elas lhe era acessível, como por exemplo a doutrina Homem-medida de Protágoras.
O currículo da educação sofista não começava do nada — seguia-se ao término do estágio primário. Segundo Esquines, o orador, foi Sólon quem, no início do século VI a. C., tornou compulsório o ensino da leitura e da escrita em Atenas (Esquines, In Tim. 9-12). Por volta da metade do século V e, provavelmente, mais cedo, havia um sistema bem estabelecido de escolas primárias. Frequentar a escola era o normal para os meninos nascidos livres, embora não haja prova de que a frequência escolar fosse obrigatória. A ampliação da educação para toda a sociedade ateniense que isso implicava não foi popular entre os que olhavam para o passado como para uma época de maior privilégio aristocrático nessas questões. Píndaro (01.II.86-88) opunha aqueles cuja sabedoria vem por natureza (família e nascimento) àqueles que tiveram de aprender. Embora não se saiba ao certo a quem ele estava se referindo, pode-se, com razão, tomar isso como um lance na controvérsia Natureza-Educação, que era importante no período sofista (cf. também sua ode Nemeana, III, 41). Se areté, ou excelência, pode ser ensinada, então a mobilidade social é imediatamente possível; e é claro que Protágoras estava interessado exatamente nessa controvérsia Natureza-Educação quando escreveu: “ensinar exige ambos, Natureza e Prática” (DK 80B3; cf. B10).
Ôpa! Mais uma referência importantíssima para entender por que os sofistas foram propositalmente deletados.
Na escola primária, o sistema normal de educação consistia em três partes, cada uma com o seu próprio professor especialista. O paidotribés era responsável pela educação física e pelas atividades esportivas; o citharistés pela música. Em terceiro lugar, o grammatistés ensinava leitura, escrita e gramática e seus alunos tinham de ler e memorizar escritos dos grandes poetas, Homero, Hesíodo e outros, escolhidos por causa da sabedoria moral que continham (cf. Platão, Prot. 325d7-326a4).
Esse era o tipo de educação já adquirida pelo estudante que se entregava a um sofista para maior instrução. Não havia um currículo sofista padrão de estudos, como tem sido repetidamente apontado por especialistas modernos. Mas há algum indício a sugerir que também pode não ter havido tanta diversidade como geralmente se supõe. Pois, quando indagado por Sócrates sobre o que o jovem Hipócrates iria aprender com ele, a resposta de Protágoras, dada por Platão (Prot. 318d7-319a2), é esta:
Quando Hipócrates vier a mim, não será tratado como seria se fosse a qualquer outro sofista. Pois os outros causam danos aos que são jovens; quando saem dos estudos especializados, eles os pegam outra vez contra a sua vontade e os lançam de novo em estudos especializados, ensinando-lhes cálculos matemáticos, astronomia, geometria, música e literatura — e ao dizer isso, olhou para Hípias —, mas se vier a mim ele não estudará nada mais além daquilo que veio aprender. E o assunto é boa política: em negócios particulares, como governar sua própria família do melhor modo possível; e, nos negócios públicos, como falar e agir mais eficazmente nos negócios da cidade.
Supõe-se, frequentemente, que Protágoras esteja simplesmente ridicularizando um método de instrução que era peculiar a Hípias. Poderia ser, mas não é o que Protágoras diz. Suas palavras são bem claras — o que ele está rejeitando é a abordagem de todos os outros sofistas, todos os que, ele dá a entender, ensinam estudos especializados (318d8 e 9). É verdade que referências, em outro lugar, sugerem que o programa anunciado por Protágoras não era só seu, mas, em certo sentido, representava o que era ensinado por outros sofistas tanto como por ele mesmo (cf. Mênon 91a1 -b8, Gorg. 520e2¬6, Rep. 600c7-2, Xen. Mem.1, 2.15). Mas há igualmente prova de que o tipo de conhecimento ensinado por Hípias era aprendido com outros sofistas também. De modo que Protágoras fez um ataque detalhado e aparentemente técnico contra os geômetras (DK 80B7). Uma questão que, sabemos, foi de grande interesse durante todo o período era o problema da quadratura do círculo, que preocupava Anaxágoras (DK 59A38) e que Antífon afirmava ter descoberto como fazer pelo método da exaustão. Temos sorte de ter um relato minucioso de sua proposta, preservado por Simplício (DK 87B13). O método, é claro, está baseado num engano, e Aristóteles podia, com razão, afirmar que ele não está baseado em princípios geométricos sólidos. Não obstante, era uma tentativa de resolver o problema. Ao próprio Hípias se atribuía a descoberta de uma curva, a quadratrix, usada na tentativa de fazer a quadratura do círculo, e também a trissecção de um ângulo. É natural supor que quando, no Mênon, Sócrates passa a obter respostas de um menino escravo, por meio de um diagrama, sem dúvida desenhado na areia, ele esteja seguindo um método bem conhecido de ilustrar problemas geométricos com desenhos. Que havia discussões geométricas nos círculos sofistas está bem atestado pela observação casual de Sócrates, naquele diálogo (85b4), dizendo que a linha desenhada de canto a canto através de um oblongo é chamada de diagonal pelos sofistas. Como esta é apenas a segunda vez que a palavra diametros, em lugar de “diagonal”, é encontrado em grego (a primeira vez é em Aristófanes, As rãs 801), é provável que a palavra fosse um termo técnico relativamente novo e pouco familiar — na verdade, não é impossível que a palavra tivesse, realmente, sido inventada por um dos sofistas. No caso da astronomia, temos uma prova muito forte no Nuvens de Aristófanes. Aí, Pródicos é descrito como um tipo do “sofista de ar superior” (meteorosophistes) e Sócrates é mostrado num palco, balançando-se num tipo de cesto que lhe possibilita ver mais claramente os objetos no céu que ele está ocupado em contemplar.
Diz-se, de vez em quando, que os sofistas simplesmente não estavam interessados em especulações físicas. Se excluirmos pensadores como Empédocles, Anaxágoras e Demócrito das fileiras dos sofistas, então é verdade que nenhuma contribuição teórica importante veio do resto. Mas é igualmente claro que eles de fato conversavam regularmente sobre questões físicas. O interesse por questões físicas, tanto nas discussões como nos seus escritos, é de fato atestado por Cícero (DK 84B3) em relação a Pródicos, Trasímaco e Protágoras. Xenofonte procura defender Sócrates e o faz afirmando que Sócrates nem mesmo falava sobre os tópicos discutidos por muitos dos sofistas, a saber, a natureza do universo, como surgiu o cosmo, e as leis essenciais que governam os corpos celestes, argumentando que os que pensavam a respeito dessas questões tinham perdido o juízo (Mem. I, 1.11). Aqui Xenofonte está apelando, sem dúvida, para o testemunho do Fédon para defender Sócrates contra a ideia, oriunda de As nuvens, de que ele estava interessado em ciências físicas. Mas ele de fato afirma que Sócrates era mais ou menos o único a evitar tais tópicos. Sexto Empírico atribui a Protágoras uma doutrina de emanações físicas semelhante à de Empédocles e dos atomistas (DK 80A14), e Éupolis, o poeta cômico, o satirizou por seu interesse por questões físicas (DK 80A11). Górgias também estava interessado na teoria de Empédocles sobre poros e emanações (DK 31A92 e 82B5). Parece que ele teria dito que o sol era uma massa incandescente (DK 82B31) e foi representado, no túmulo de Isócrates, fitando uma esfera astronômica (DK 82A17). De Pródicos se diz que discutiu os quatro elementos identificando-os com deuses e também com o sol e a lua como a fonte da força vital em todas as coisas, qualificando-se, assim, para um lugar ao lado de Empédocles e Heráclito. (Epifânio, Adv. Haeres. III, 2.9.21 = Diels, Doxography Graeci, 591). Há, provavelmente, uma referência às suas teorias em Aristófanes, Os pássaros 685ss. Além disso, foi-lhe atribuída, por Galeno, uma opinião particular sobre a natureza do catarro (DK 84B4).
É relevante, aqui, a passagem no Sofista de Platão (232b11-e2), mencionada anteriormente, onde, depois de sugerir que o sofista se caracteriza por ser um antilogikos, o Estrangeiro Eleático pergunta qual é a série de tópicos com os quais essas pessoas se ocupavam, e ele mesmo responde com uma lista: coisas divinas na maioria invisíveis, objetos visíveis na terra e no céu, a vinda à existência e o ser de todas as coisas, leis e todas as questões de política, cada uma das artes (techné), e insiste que tudo isso não era discutido somente por Protágoras, em seus escritos, mas por muitos outros também.
Isso nos fornece uma lista extensa de tópicos incluindo um título inesperado, coisas divinas. Mas é aqui que se deveria colocar o livro de Protágoras, Sobre os deuses, cujas palavras iniciais nos dão uma aplicação da doutrina dos dois argumentos opostos: “concernente aos deuses não posso vir a conhecer nem como são eles, nem como não são ou que aparência têm”; e também a obra Sobre as coisas no Hades. Pródicos (DK 84B5) discutiu a origem da crença dos homens em deuses em termos naturalistas e psicológicos, e Crítias (DK 88B25) sustentava que os deuses foram inventados deliberadamente pelos governantes para garantir o bom comportamento de seus súditos.
Crítias – discípulo golpista de Sócrates – não era sofista, senão inimigo dos sofistas (assim como Sócrates também não era sofista). Kerferd vai apresentá-lo, no capítulo 5 desta obra da seguinte maneira:
“Crítias era primo da mãe de Platão, e um implacável adversário da democracia em Atenas. Depois do fim da Guerra do Peloponeso, em 404 a. C., foi eleito para a comissão dos Trinta, familiarmente conhecida como os Trinta tiranos. Foi pessoalmente responsável pela morte de Teramenes, e ele mesmo foi morto na guerra civil de 403 a. C. Não foi pago para ensinar, nem ensinou; ficou, antes, à margem dos classificados como filósofos, segundo um comentador anônimo (DK 88A3). Mas escreveu, e foi mencionado como presente na reunião de sofistas na casa de Cálias, que serve de cenário para o diálogo Protágoras de Platão. Em certo sentido, foi aluno de Sócrates e de outros sofistas, mais do que propriamente um sofista. Mas foi incluído por Filóstrato no Vidas dos sofistas. Talvez fosse por essa razão que foi incluído por Diels em seu Fragmente der Vorsokratiker quando outros, com maior direito, foram excluídos. Desde então ele tem sido sempre discutido como parte do movimento sofista. Talvez agora seja tarde demais para que isso seja facilmente alterado.
Escreveu muito, tanto em prosa como em verso. Este último incluía elegias políticas e hexâmetros sobre temas politicos e literários. Mas seu interesse pela história dos sofistas está realmente restrito ao conteúdo de três peças satíricas: Tenes, Radamantis, Piritos e Sísifo, principalmente desta última. Todas foram geralmente atribuídas a Eurípides, na Antiguidade, mas uma Vida de Eurípides, de autor anônimo, diz que as três primeiras são espúrias (DK 88B10). E Ateneu diz do Finitos: “quer seja de Crítias ou de Eurípides”. O fragmento de Sísifo (Dk 88B25) é atribuído a Crítias por Sexto Empírico e a Eurípides por Aécio. Wilamowitz-Moellendorff investiu o peso de sua grande autoridade na opinião segundo a qual nenhuma delas era de Eurípides, mas está começando a parecer que ele estaria provavelmente errado [11]. O fragmento de Sísifo dá uma explicação naturalista das origens da religião que é de considerável interesse e de inspiração certamente sofista. Mas se não for da autoria de Crítias, não sobra muita coisa para justificar a sua classificação entre os sofistas”.
Finalmente, literatura. Aqui temos notícia de Protágoras dizendo (Prot. 338e6-339a3) que, na sua opinião, a maior parte da educação de um homem consiste em ser perito em assunto de versos, isto é, ser capaz de entender, na fala dos poetas, o que foi correta ou incorretamente composto, saber como distingui-los e comentá-los quando solicitado. E prossegue introduzindo uma elaborada discussão de um poema por Simônides; esta, por sua vez, provoca novas análises por Sócrates e Pródicos, e a proposta de uma exposição por Hípias, que é rapidamente recusada por causa de uma reunião presidida por Alcibíades, com a solicitação de que a faça numa outra ocasião. Que a exposição rejeitada de Hípias poderia ter sido enfadonha é sugerido pelas referências às suas epideixis sobre Homero e outros poetas, no Hípias Menor 363 a1-c3. A discussão toda, no Protágoras, ocupa mais ou menos um sexto do diálogo completo; e sabemos, por um fragmento de papiro, que Protágoras de fato comprazia-se na crítica literária de Homero (DK 80A30). Um pouco mais tarde, Isócrates (XII,18) conta como certa vez, no Liceu, três ou quatro sofistas, simples e comuns, estavam sentados discutindo poetas, especialmente Hesíodo e Homero. É claro que a prática seguida por Protágoras continuou por muito tempo depois.
Os testemunhos citados até aqui indicariam que o contraste entre Protágoras e Hípias pode não ter sido tão grande como é sugerido pela declaração que Platão põe na boca de Protágoras. Essa declaração tem, na verdade, probabilidade de ser essencialmente correta naquilo que realmente diz. Mas há, entre as duas abordagens, uma diferença que, historicamente, é de considerável importância. Protágoras, na sua crítica de Hípias e de outros como ele, está levantando uma questão de relevância ao sugerir que ele, Protágoras, ensinará o que o estudante realmente quer aprender como preparação para a vida que está pretendendo levar. Associada a essa, há uma outra questão também. Heráclito tinha atacado Hesíodo, Pitágoras, Xenófanes e Hecateu, alegando que polimatia ou aprendizagem em muitos assuntos não produzia compreensão (DK 22B40), sem dúvida porque isso não tinha levado os homens a uma compreensão do que ele considerava sua própria especial percepção da natureza do universo. Daí em diante, o valor de polimatia foi uma questão discutida, e encontramos Demócrito dizendo (DK 68B65) que o que é preciso não é polimatia no sentido de aprender muitas coisas mas, antes, no de compreensão de muitas coisas. Essa era a questão entre Protágoras e Hípias, não a da série de coisas que precisamos compreender. É provável que a posição de Protágoras esteja resumida na declaração atribuída a ele (DK 80B11): educação não brota na alma, a menos que se vá a uma profundidade maior. É possível que isso signifique que não basta ficar no nível dos fenômenos, que são a matéria da polimatia, mas que precisamos prosseguir para o que é hoje chamado de estudo em profundidade, numa tentativa de compreender os princípios subjacentes comuns a todos os assuntos que devem ser estudados.
5 – Os sofistas individualmente
Conhecemos os nomes de mais de vinte e seis sofistas do período entre mais ou menos 460 a 380 a. C., quando sua importância e sua atividade estavam no auge. No século IV eles foram efetivamente substituídos por escolas mais organizadas, mais sistemáticas, frequentemente com prédios próprios mais ou menos permanentes, como no caso da Academia de Platão, do Liceu de Aristóteles e de um bom número de outras. Dos sofistas cujos nomes conhecemos, talvez oito ou nove eram muito famosos, e a esses deveríamos acrescentar os autores de duas obras anônimas, a Dissoi Logoi e o chamado Anônimo Jâmblico. Seria conveniente dizer alguma coisa sobre cada um deles separadamente. O testemunho se encontra em geral convenientemente apresentado na coleção de Testemunhos e Fragmentos, por Diels-Kranz, citada como DK [1].
(1) Protágoras
De longe o mais famoso era Protágoras, e Platão sugere ter sido ele o primeiro a adotar o nome de sofista e cobrar honorários pela instrução que oferecia (Prot. 349a2-4). Nascido em Abdera, não mais tarde do que 490 a.C., morreu provavelmente logo depois de 421 a. C. Em menino, pode ter sido educado por mestres religiosos persas, na Trácia. No diálogo de Platão, o Protágoras, ele é representado como tendo chegado recentemente a Atenas, vindo de fora (309d3), e é feita referência à ultima vez em que estivera em Atenas, alguns anos antes (310e5). Isso induziu Ateneu a supor que ele tivesse feito apenas duas visitas a Atenas na época em que se situa o diálogo de Platão (DK 80A11), e levou especialistas modernos a especulações inúteis. Seria muito difícil crer que Protágoras tivesse realmente estado em Atenas somente uma vez antes de sua conhecida visita, por volta do final dos anos trinta — sua íntima associação com Péricles e sua escolha, por este, para elaborar a constituição para a nova colônia em Turói deve indicar que ele já era bem conhecido em Atenas por volta de 444 a. C. É provável que sua primeira ida lá fosse mais ou menos em 460 a. C., visto que, segundo o que diz Platão, ele tinha sido sofista por quarenta anos, quando morreu. Na verdade, não há razão nenhuma para crer que ele só estivesse estado uma vez, antes, em Atenas, visto que o que a passagem no Protágoras diz é “quando ele visitou Atenas previamente, isto é, antes”, e não “quando ele visitou Atenas pela primeira vez” [2].
Segundo a tradição corrente, parece que Protágoras morreu afogado numa viagem por mar, depois de deixar Atenas por ter sido julgado e condenado por impiedade. Seus livros, recolhidos mediante proclamação do arauto, foram queimados na ágora. Os elementos essenciais da história encontram-se já em Timon de Flius e em Filócoros, no século III a. C. Creio que não há motivo para não os aceitar. É verdade que, no Mênon (91e3-92a2), Sócrates diz que até o dia em que ele está falando (data dramática do diálogo, talvez 402 a. C.) Protágoras nunca deixara, de forma alguma, de ter uma boa reputação. Tem-se argumentado que essas palavras provam que Protágoras nunca sofreu qualquer séria desgraça pública e que, consequentemente, a história de seu julgamento não pode ser verdadeira. Mas é difícil achar que essa objeção seja conclusiva. Já foi assinalado [3] que Platão teria dito a mesma coisa a respeito de Sócrates, que, de fato, foi julgado por impiedade e condenado à morte.
Na lista dos “livros existentes” de Protágoras, preservada por Diógenes de Laércio, consta o seguinte: Arte da Erística, Sobre a luta corpo a corpo, Sobre Ciências (ou possivelmente Sobre Matemática), Sobre Governo, Sobre a ambição, Sobre as virtudes, Sobre o estado original das coisas, Sobre os que estão no Hades, Sobre ações humanas incorretas, Imperativo, Julgamento a propósito de um pagamento e Analogias em dois volumes. Sobre os deuses e Verdade, também obras suas, não foram incluídas na lista. Na maioria dos casos, não temos nenhuma indicação positiva do real alcance ou conteúdo dessas obras.
Nos anos 1851-54, em escavações conduzidas por Mariette, foram descobertas, em Mênfis, no Egito, umas onze estátuas dispostas em semicírculo de frente para o fim da chamada aléia da Esfinge que leva a Serapeum. Elas foram deixadas in situ e acabaram cobertas, de novo, por areia levada pelo vento. E foram redescobertas em 1938, mas os trabalhos foram interrompidos durante a Segunda Guerra Mundial. Foram finalmente descobertas, de novo, em 1950 e então apresentadas integralmente [4]. Na metade oriental do semicírculo temos Platão, Heráclito, Tales e Protágoras, identificados pela inscrição de seus nomes nas estátuas. Apesar do uso de ômicron em lugar de ômega no nome de Protágoras, a identificação parece segura e não foi questionada. A data é incerta, mas as estátuas certamente pertencem ao período ptolomaico. O que é notável é que Protágoras esteja incluído numa série de filósofos, de frente para um conjunto de poetas, no lado oposto; um testemunho claro, ao que parece, da importância de que estava investido no período helenístico.
(2) Górgias
Górgias veio de Leontini, na Sicília, e consta que chegou a uma idade bem avançada. Pausânias (DK 82A7) nos diz que Górgias conquistou ainda mais respeito, em Atenas, do que o famoso Tísias, e que Jasão, quando se tornou tirano de Tessália, pôs Górgias acima de Polícrates, embora a escola de Polícrates tivesse uma boa reputação em Atenas. Daí se infere que ele viveu na corte de Jasão de Férai depois que este se tornou tirano, não antes de 380 a. C. Mas a inferência é totalmente sem fundamento, visto que a história meramente relata uma comparação entre o tipo de retórica de Górgias e a de seu aluno, Policrates. Tudo o que podemos dizer com alguma probabilidade é que seu nascimento foi talvez por volta de 485 a. C. e que ele ainda vivia no século IV a.C.
Há uma clara tradição de que ele foi discípulo do filósofo siciliano Empédocles, e fez uma famosa visita a Atenas, em 427 a. C., como líder de uma embaixada de Leontini, para persuadir os atenienses a fazer aliança com sua cidade natal contra Siracusa. Discursou na Assembléia e consta que foi muito admirado pela sua habilidade retórica. Essa pode ter sido sua primeira visita a Atenas. Mas isso não é dito em nenhuma fonte, por conseguinte a inferência é muito incerta. Ele, certamente, viajou muito, sem se estabelecer em nenhuma cidade em particular; há registro de ter falado em Olímpia, em Delfos, em Tessália, em Boécia e em Argos, onde foi tão detestado que seus alunos foram sujeitos a uma penalidade qualquer. Em Atenas ele fez discursos “epidícticos” e teve alunos, o que lhe rendeu consideráveis somas em dinheiro.
Em tudo isso, Górgias claramente funcionava como sofista e era claramente conhecido como tal. As sugestões modernas de que ele não deveria ser classificado como sofista repousam em um estreitamento arbitrário do conceito de sofista e não têm, também, nenhuma base em testemunhos antigos [5].
Acredita-se que seu tratado Sobre natureza foi escrito na 84a Olimpíada, isto é, em 444-441 a. C. (DK 82A10). Sumários, ou partes, ou referências sobrevivem em discursos intitulados Oração fúnebre, Oração olímpica, Elogio aos eleanos, Elogio a Helena, Apologia de Palamedes. É provável que tenha também escrito um tratado técnico sobre retórica, cujo título seria simplesmente Arte ou, possivelmente, Sobre o momento certo no tempo (Peri Kairou). Finalmente não há por que duvidar da atribuição que se faz a ele do Onomastikon mencionado por Pólux, no prefácio do seu próprio Lexicon, no qual se utilizou dele (IX, 1 p. 148 Bethe), mas não incluído, creio eu, em nenhum livro sobre os sofistas antes de 1961 [6]. O título era também aparentemente o de uma obra de Demócrito (DK 68A33, XI, 4).
(3) Pródicos
Pródicos veio da ilha de Quios, nas Cíclades, que era também o lugar de nascimento do poeta Simônides. Nasceu, provavelmente, antes de 460 a. C. e ainda vivia por ocasião da morte de Sócrates, em 399 a. C. Foi em muitas embaixadas de Ceos a Atenas, e numa ocasião discursou perante o Conselho. Como Górgias, deu palestras “epidícticas” e, também, aulas particulares com as quais ganhou muito dinheiro. Visitou muitas cidades, não só Atenas. Segundo Filostratos, Xenofonte estava certa vez preso em Beócia, mas obteve liberdade sob fiança a fim de ouvir um discurso de Pródicos. Xenofonte ficou certamente muito impressionado com uma epideixis de Pródicos, sobre a Escolha de Hércules, tanto que a resumiu, na boca de Sócrates, no seu Memoráveis II, 1.2134. Esse discurso veio de uma obra intitulada Horas (Horae) que incluía panegíricos de outras pessoas ou personagens, assim como de Hércules, segundo Platão (DK 84B1). Ele também escreveu um tratado Sobre a natureza do homem.
Pródicos foi sobretudo famoso por sua obra sobre a linguagem, e a sátira de Platão sobre ele no Protágoras sugere, para alguns, que ele possa ter deixado escritos específicos Sobre a correção dos nomes. A importância filosófica dessa faceta de sua obra é muito grande, mas não temos nenhuma referência concreta a qualquer outra coisa além de sua série de palestras. Mas foi baseado nessas palestras e seus conteúdos que Sócrates se considerava aluno de Pródicos (Platão, Prot. 341a4, Meno 96d7) e diz ter mandado muitos alunos, que não estavam em condições de se associar consigo, por não estarem filosoficamente grávidos, para se ligarem com proveito a Pródicos e a outros homens sábios e inspirados (Teeteto 151b2-6). Que as suas teorias linguísticas tinham uma clara base metafísica é o que sugere o novo fragmento de papiro discutido abaixo.
Há uma tradição em fontes tardias (DK 84A1) segundo a qual Pródicos teria morrido em Atenas, bebendo cicuta, aparentemente após condenação por “corrupção dos jovens”. Isso é, com razão, comumente descartado como uma confusão entre Pródicos e Sócrates — se fosse verdade, certamente teríamos ouvido falar disso em fontes mais antigas. Mas havia uma história, preservada no pseudo-platônico Eryxias (398e11- 399b1), segundo a qual Pródicos foi expulso de um ginásio por falar inconvenientemente diante de jovens, de modo que não é impossível que, de fato, tenha enfrentado o tipo de oposição que Protágoras disse ser a sorte comum de todos os sofistas.
(4) Hípias
Hípias de Élis é mencionado no Protágoras da mesma forma que Pródicos e é razoável supor que podiam ser da mesma idade. Ele aparentemente estava vivo em 399 a. C. e provavelmente morreu cedo no século IV — não há a menor probabilidade de que tenha vivido até a metade desse século, como tem sido sugerido. Como outros sofistas, viajou bastante e ganhou muito dinheiro.
Ele dizia estar à vontade em toda a ciência de seu tempo e, por isso, não é de estranhar que Sócrates se refira a ele como um polímata (DK 86A14). Nisso era, sem dúvida, ajudado por excepcional capacidade de memória, aparentemente desenvolvida por técnicas especiais, que ensinou também a outros, e que o habilitava a lembrar cinquenta nomes depois de ouvi-los uma vez só. É interessante ler, embora provavelmente não seja verdade, que sua habilidade de memória era ajudada com a bebida de certas poções.
Além de exposições “epidícticas”, parece que era tido como sempre pronto a ensinar astronomia, matemática e geometria, genealogia, mitologia e história, pintura e escultura, a função das letras, sílabas, ritmos e escalas musicais. Além disso, escreveu versos épicos, tragédias e ditirambos, assim como muitos tipos de prosa. Tudo isso já seria bastante extraordinário. Mas há bons indícios de que seu conhecimento não era apenas superficial, nem tampouco baseado numa fluente facilidade de falar, sem preparação, sobre qualquer assunto. Pelo contrário, devemos concluir que era baseado numa erudição ao mesmo tempo ampla e profunda.
A prova disso é de dois tipos. Primeiro, há indicações de que Hípias desenvolveu algum tipo de posição filosófica geral própria. Embora seja de difícil reconstrução, parece ter sido baseada numa doutrina de classes de coisas dependentes de um ser que é contínuo ou que passa através dos corpos físicos sem interrupção, de forma igual, nos dizem, à das fatias de bife cortadas ao longo do lombo e servidas a um hóspede muito importante, como especial privilégio, num banquete, em Homero (ver Hípias Maior 301d5-302b4, não em DK, infelizmente). Mais importante, contudo, porque dificilmente pode ser contestada, é a prova de um interesse excepcionalmente douto no estudo de tais assuntos, inclusive da história deles. Hípias parece ter virtualmente inaugurado esse tipo de estudo. Neste ponto antecipou o tipo de pesquisas sistemáticas encomendadas por Aristóteles no Liceu. O que é realmente notável, no caso de Hípias, é que ele foi capaz de fazer tanta coisa sem o auxilio de bibliotecas públicas e de uma escola organizada de estudantes pesquisadores.
Ele produziu uma lista de vencedores olímpicos, baseado em registros locais, em Olímpia, o que provavelmente permitiu a Tucídides dar datas precisas, ao passo que Heródoto não fora capaz de fazer isso [7]. Uma citação da lista, direta ou indireta, pode ser encontrada no que resta de um papiro Oxyrhynchus datado do século III d. C. (n. 222). Certamente isso fez parte do testemunho para a lista posterior completa que conhecemos através de Eusébio. Helânicos produziu uma lista semelhante das sacerdotisas de Heras, em Argos, e Aristóteles (frags. 615-617) produziu uma outra lista dos vitoriosos délficos. Aqui pode-se mencionar uma outra obra, uma lista, se é que era isso mesmo, de nomes de pessoas compilados por Hípias sob o título Ethnõn Onomasiai (DK 86b2).
O conjunto de sua obra foi fundamental para o estabelecimento de uma cronologia básica para a história grega. Mas isso não era tudo, de forma alguma. Na matemática foi-lhe atribuída a descoberta da curva chamada quadratriz, usada para a trissecção de um ângulo e nas tentativas de quadratura do círculo. Pela maneira como a isso se referem autores posteriores, é razoavelmente certo que ele deixou, por escrito, um relato de sua descoberta (ver Proclo, Commentary on the First Book of Euclid’s Elements, p. 356, uma passagem que não está em DK). Nesse mesmo comentário, Proclo nos dá (p. 65-8) um esboço da história da geometria, aparentemente baseada, direta ou indiretamente, numa cópia, que não chegou até nós, da história escrita por Eudemo de Rodes, discípulo de Aristóteles. Proclo deixa claro que pelo menos algumas das informações de Eudemo, sobre o período antes de Platão, foram derivadas de Hípias. Como o ponto específico citado é pequeno, e desconhecido fora daí, parece que Hípias, na sua pesquisa (Proclo diz historêsen), entrava em grande detalhe.
Finalmente parece que uma outra obra, conhecida simplesmente como a Synagogue ou Coleção, foi de muito maior importância do que comumente se pensava há não muito tempo. Clemente de Alexandria, argumentando que os gregos eram incorrigíveis plagiários, cita o que pode ter sido parte da própria introdução de Hípias à obra (DK 86B6):
Pode ser que algumas dessas coisas tenham sido ditas por Orfeu, algumas, brevemente, aqui e ali por Musaios, algumas por Hesíodo, algumas por Homero, algumas por outros dentre os poetas, algumas escritas em prosa, seja por gregos ou por bárbaros. Mas eu reunirei as passagens mais importantes e inter-relacionadas de todas essas fontes, e assim farei esta peça ao mesmo tempo nova e mais variada.
Isso sugere que a Synagogue era uma coleção de várias passagens, histórias e peças de informação relacionadas com a história da religião e assuntos semelhantes. Por aí ficou a questão até 1944, quando Bruno Snell, num artigo notável, mostrou que a passagem acima indicava que Hípias foi o mais antigo doxógrafo sistemático, ou compilador das opiniões de autores mais antigos dos quais temos algum conhecimento. Em seguida, ele passou a demonstrar, a meu ver com uma abordagem tão próxima da certeza quanto possível em assuntos desse tipo, que Hípias era a fonte que fizera a conexão entre a doutrina de Tales – que todas as coisas eram feitas de água e que a terra repousa na água — com as afirmações cosmogônicas de Homero, Hesíodo e outros, de que Oceano e Tétis eram a fonte de todas as coisas. Certamente Platão estava familiarizado com a esquematização do pensamento dos pré-socráticos, segundo a qual uma linha de pensadores, que se estende de Homero, Hesíodo e Orfeu, através de Epicarmo, Heráclito e Empédocles, sustentava que todas as coisas são produto do fluxo e do movimento, e outra linha de pensadores ainda mais antigos, através de Xenófanes, Parmênides e Melissos, sustentava que todas as coisas são uma só e estacionária em si mesma (Crat. 402a4-c3, Teeteto. 152d2- el0, 180c7-e4, Sof 242d4-6). Embora não se possa provar, começa-se a pensar não ser impossível que essa sistematização também tenha vindo de Hípias. Sem dúvida, está claro que Hípias está no princípio mesmo do registro escrito da história da filosofia [8].
(5) Antífon
Antífon como pensador, não suscitou muito interesse até 1915. Houve, então, uma mudança repentina com a publicação de dois fragmentos consideráveis da sua obra Sobre a Verdade, seguidos de mais um fragmento em 1922. Com isso, ficou claro que ele foi um pensador arguto e original. Mas o efeito imediato foi o de complicar ainda mais uma difícil questão, anteriormente colocada, com uma segunda.
A primeira questão era saber se Antífon, o Sofista, devia ser identificado com o Antífon de Ramnonte que nos é conhecido, por intermédio de Tucídides, como sendo membro da oligarquia conhecida como os Quatrocentos que deteve o poder em Atenas por uns quatro meses, em 411 a. C. Com a deposição dos Quatrocentos, Antífon foi executado juntamente com Arqueptolemo. Esse Antífon era orador e foi o autor de uma coleção subsistente de exercícios de oratória conhecida como as Tetralogias, às quais se juntam três discursos forenses. Ninguém parece ter separado os dois Antífons até que o filólogo Dídimo de Alexandria, de cognome Calcênteros, no século I a. C., sugeriu que eles deviam ter sido dois por causa da diferença na forma literária, ou gênero, entre Sobre a Verdade, Sobre a Concórdia e o Politico de um lado, e os outros escritos. O resultado disso é que os estudiosos modernos se dividem em dois grupos: os que creem em um Antífon e os que creem em dois. A fragilidade do chamado argumento estilístico foi, a meu ver, adequadamente exposta por J. S. Morrison [9]. Contento-me em citar a sua conclusão: “a distinção, da qual não há nenhum traço antes de Mimo, é totalmente arbitrária e parece ter sido já rejeitada (sc. por Hermógenes) quando as obras sobre as quais estava baseada ainda sobreviviam. As razões para mantê-la agora são inteiramente insubstanciais”.
Mas isso não põe fim à questão. Nos fragmentos conhecidos antes da descoberta dos papiros, especialmente os citados de Sobre a Concórdia, por exemplo fr. 61: “Não há nada pior para os homens do que a falta de regra. Tendo isso em mente, os homens de antigamente acostumavam seus filhos a serem governados e a fazerem o que lhes era ordenado de modo que quando se tornassem homens não ficassem confusos com a grande mudança”, parecia que tínhamos um Antífon que falava como um conservador de direita. Contudo, nos fragmentos de papiro parece que vemos um pensador que rejeita as leis em favor da natureza e que está pregando um verdadeiro igualitarismo de esquerda. Isso levou a pensar que o Antífon com estas opiniões não poderia ser o mesmo oligarca radical que era particularmente forte na sua oposição à democracia.
A questão assim formulada é de importância e interesse consideráveis. Não se levanta simplesmente como uma diferença entre os dois supostos Antífons, mas se aplica ao único Antífon que tinha sido tradicionalmente aceito como Antífon, o Sofista. E será sugerido, mais adiante, que a questão talvez não envolva uma contradição tão aguda como se supõe, e que, de qualquer forma, ela surge fundamentalmente da tentativa de estabelecer duas categorias artificiais e estereotipadas, mutuamente exclusivas, as do pensador de esquerda e do pensador de direita. De qualquer modo, será conveniente tratar a questão como interna à interpretação de Antífon, o Sofista, visto que, mesmo que houvesse dois Antífon seria o primeiro o de maior importância para a história do pensamento político.
Finalmente, deve-se dizer que, um ou dois, ambos viveram na mesma época — nascidos talvez por volta de 470 e falecidos em 411, num caso com certeza, no outro, não muito depois, uma vez que o sofista era considerado contemporâneo de Sócrates e Protágoras. Além de Sobre a Verdade, em dois volumes, e Sobre a Concórdia, ainda atribuídos a ele, havia um Político e uma obra Sobre a interpretação dos sonhos. Vários fragmentos mostram que ele estava interessado no problema da quadratura do círculo pelo método da exaustão (DK 87B13) e também em problemas físicos e astronômicos (B8, 26, 28, 32). A Antífon de Ramnonte eram atribuídos manuais de retórica, talvez em três volumes, uma Invectiva contra Alcibíades, a composição de tragédias e uma curiosa Arte de evitar sofrimento (Technê Alupias). Consta que, paralelo ao tratamento dado pelos médicos aos doentes, ele teria estabelecido um tipo de consultório ou serviço de atendimento do estilo samaritano moderno, numa sala perto da praça do mercado em Corinto, anunciando-se capaz de tratar os que estavam sofrendo, fazendo-lhes perguntas e descobrindo as causas e, desta forma, encorajando com suas palavras os que estavam aflitos. Não sabemos que palavras eram usadas. Mas no Corpus Hipocrático a ansiedade é reconhecida como um estado patológico (De Morbis 2.72). Eurípides, num fragmento (964N2), faz um personagem dizer que aprendera com um sábio a contemplar de antemão as desgraças, tais como mortes extemporâneas, a fim de que não cheguem inesperadamente quando chegarem. A mesma coisa é citada como um preceito pitagórico, muito mais tarde, por Jâmblico (DK 58D6) e pode bem ter feito parte da terapia psicológica oferecida por Antífon. O interesse por problemas psicológicos é sugerido por sua obra sobre a interpretação de sonhos. Contrário à opinião segundo a qual os sonhos têm origem na percepção direta, como sustentavam os atomistas, ou têm um valor de predição direto e natural, ele seguiu a via mais tarde rotulada de divinatio artificiosa (DK 87B79). Nessa visão, os sonhos eram sinais que requeriam interpretação, não uma aplicação literal, e de fato muitas vezes poderiam significar o oposto do que pareciam dizer [10]. Essa racionalização dos sonhos era, sem dúvida, parte do movimento contra a superstição que, vimos, estava associado ao círculo de Péricles.
(6) Trasímaco
Trasímaco de Calcedônia, na Bitínia, tornou-se famoso para nós por um único motivo, seu encontro com Sócrates, no primeiro livro da República de Platão. Ele era muito conhecido como orador e mestre de retórica em Atenas, em 427 a. C., e fez um discurso A favor do povo de Larisa que deve ser posterior a 413 a. C. Fora isso, nada se sabe sobre a sua vida. Vários exercícios e tratados retóricos lhe são creditados, e sabemos, pela República, que ele viajou muito e recebeu honorários.
(7) Cálicles
Conhecemos um pouco Trasímaco por outras fontes além de Platão, ao passo que nada sabemos de Cálicles fora do vívido retrato dele no Górgias de Platão. Em consequência disso, sua existência como pessoa real foi posta em dúvida por Grote e alguns outros especialistas, embora a maioria esteja pronta a aceitá-lo como uma figura histórica. Segundo Platão, ele veio do demo de Acarnânia, na Ática, e é em sua casa que seu amigo Górgias está hospedado ao se iniciar o diálogo de Platão (447b2-8). Sócrates diz dele (520a1-b2) que prefere retórica a ensinar virtude aos jovens, e noutra parte, numa famosa passagem (484c4-486d1), que era desdenhoso da filosofia quando adotada como uma ocupação adulta. Mas ele sustenta suas preferências pela vida de ação bem-sucedida, com argumentos de modo geral comparáveis aos de Trasímaco, e isso faz dele, indiscutivelmente, uma importante figura na história do movimento sofista.
(8) Crítias
Crítias era primo da mãe de Platão, e um implacável adversário da democracia em Atenas. Depois do fim da Guerra do Peloponeso, em 404 a. C., foi eleito para a comissão dos Trinta, familiarmente conhecida como os Trinta tiranos. Foi pessoalmente responsável pela morte de Teramenes, e ele mesmo foi morto na guerra civil de 403 a. C. Não foi pago para ensinar, nem ensinou; ficou, antes, à margem dos classificados como filósofos, segundo um comentador anônimo (DK 88A3). Mas escreveu, e foi mencionado como presente na reunião de sofistas na casa de Cálias, que serve de cenário para o diálogo Protágoras de Platão. Em certo sentido, foi aluno de Sócrates e de outros sofistas, mais do que propriamente um sofista. Mas foi incluído por Filóstrato no Vidas dos sofistas. Talvez fosse por essa razão que foi incluído por Diels em seu Fragmente der Vorsokratiker quando outros, com maior direito, foram excluídos. Desde então ele tem sido sempre discutido como parte do movimento sofista. Talvez agora seja tarde demais para que isso seja facilmente alterado.
Escreveu muito, tanto em prosa como em verso. Este último incluía elegias políticas e hexâmetros sobre temas políticos e literários. Mas seu interesse pela história dos sofistas está realmente restrito ao conteúdo de três peças satíricas: Tenes, Radamantis, Piritos e Sísifo, principalmente desta última. Todas foram geralmente atribuídas a Eurípides, na Antiguidade, mas uma Vida de Eurípides, de autor anônimo, diz que as três primeiras são espúrias (DK 88B10). E Ateneu diz do Finitos: “quer seja de Crítias ou de Eurípides”. O fragmento de Sísifo (Dk 88B25) é atribuído a Crítias por Sexto Empírico e a Eurípides por Aécio. Wilamowitz-Moellendorff investiu o peso de sua grande autoridade na opinião segundo a qual nenhuma delas era de Eurípides, mas está começando a parecer que ele estaria provavelmente errado [11]. O fragmento de Sísifo dá uma explicação naturalista das origens da religião que é de considerável interesse e de inspiração certamente sofista. Mas se não for da autoria de Crítias, não sobra muita coisa para justificar a sua classificação entre os sofistas.
Ou seja, trata-se de um erro. E um erro crasso. Crítias, assim como seu mestre Sócrates, eram inimigos figadais dos sofistas.
(9) Eutidemo e Dionisodoro
Se Crítias talvez devesse ser excluído de uma lista padrão de sofistas, há duas outras pessoas que certamente deveriam ser incluídas [12]. São eles dois irmãos, Eutidemo e Dionisodoro, nativos de Quios, que se uniram à colônia de Turói, mas depois foram para o exílio, passando o seu tempo como sofistas no continente, na Grécia. No diálogo Eutidemo de Platão eles são apresentados como tendo chegado recentemente a Atenas como mestres profissionais de sabedoria e virtude. Sócrates os encontrou perambulando com um grande número de estudantes — já tinha se encontrado com eles em outras ocasiões antes desta— e assim a cena está armada para o diálogo que se segue. A data encenada não é clara, mas pode ter sido por volta de 420 a. C., ou mais tarde, porque Sócrates já é um homem idoso. Que ambos, Eutidemo e Dionisodoro, eram pessoas reais está bem atestado por referências a eles feitas por Xenofonte e Aristóteles. E sabemos, através de Crátilo, 386d3-7, que Eutidemo discordava de Protágoras na aplicação da doutrina do Homem-medida. O testemunho de Aristóteles sugere que ele tinha diante de si um escrito de Eutidemo contendo argumentos sofísticos que não se encontram no diálogo de Platão.
(10) O Dissoi Logoi
O Dissoi Logoi é um texto anônimo encontrado no fim dos manuscritos de Sexto Empírico. Escrito num tipo de dialeto clórico, começa com as palavras: “duplos argumentos são enunciados na Grécia por aqueles que filosofam, concernentes ao bom e ao mau”, e o título moderno é simplesmente tirado das primeiras palavras iniciais. Foi composto no final da Guerra do Peloponeso. A inferência de que deve ter sido escrito logo depois do seu término baseia-se meramente na incompreensão do que é dito em I, 8, onde as palavras “os acontecimentos recentes primeiro” simplesmente significam que ele se inicia com a Guerra do Peloponeso, indo de volta ao passado para as primeiras guerras. A natureza da obra é curiosa, e há quem pense que represente as anotações de um prelecionador ou, possivelmente, notas tomadas por um ouvinte. Sua estrutura básica consiste claramente em colocar lado a lado argumentos opostos a respeito da identidade, ou não-identidade, de termos morais ou filosóficos aparentemente opostos, como bom e mau, verdadeiro e falso. Como isso é uma aplicação do método de Protágoras, leva a pensar que esteja baseado no Antilogiai daquele sofista. Mas essa conclusão não é válida, porque — como será argumentado neste livro — o método de Sócrates era de fato o método do movimento sofista todo. Nem se pode atribuir o texto a qualquer determinada fonte de inspiração.
(11) O Anônimo Jâmblico
Sabe-se que o Protrepticus de Jâmblico contém muito material tirado, palavra por palavra, de autores mais antigos. Contém uma considerável porção do Protrepticus de Aristóteles, que se perdeu, e em 1889 Friedrich Blass demonstrou que umas dez páginas do texto grego impresso, de Jâmblico, foram tiradas virtualmente de um escrito, de outra forma desconhecido, do século V ou do século IV a. C. Que ele envolve discussão de um tema sofista, hoje se aceita sem discussão, visto que defende a causa do nomos, ou lei convencional, e moralidade, contra os que pretendiam depor nomos em favor da natureza. Mas todas as propostas de o atribuir a um determinado autor conhecido, ou mesmo à sua escola, têm fracassado por falta de qualquer tipo de testemunho sólido. A tentativa de identificar uma outra “peça” sofista em defesa de nomos tem, contudo, sido menos bem-sucedida do que a hipótese de Blass. Em 1924, Pohlenz afirmava que três seções distintas no Discurso contra Aristogiton, encontradas nos manuscritos de Demóstenes (Or. XXV), a saber, os parágrafos 15-35, 85-91 e 93-96, constituíam o que ele chamou de um tratado anônimo, Peri Nomõn, ou Sobre as leis. Sua afirmação foi bem aceita e o texto foi acrescentado ao material disponível para o estudo dos sofistas. Em 1956, contudo, Gigante [13] contestou, com êxito, a existência de qualquer tratado distinto e agora parece que o próprio Peri Nomõn não passa de uma invenção de Pohlenz. Mas Gigante nunca negou que o discurso, que é de data provavelmente muito tardia para ter sido escrito por Demóstenes, de fato contenha considerável material “socrático” e “platônico”; como tal, ele pode certamente ser usado como fonte de informações para o debate nomos-physis. Na verdade, ele pode indicar o caminho para uma conclusão de grande valor, a saber, que havia amplos debates e argumentos, sobre a maior parte das questões levantadas pelos sofistas, que continuaram muito depois do fim do século V a. C.
(12) Sócrates como membro do movimento sofista
A ideia mesma de incluir Sócrates como parte do movimento sofista é, no máximo, um paradoxo e, para muitos, um absurdo. Platão procura apresentar Sócrates como o arqui-inimigo dos sofistas e de tudo o que eles representavam. Pareceria que o fosso entre Sócrates e os sofistas tem se tornado, através dos séculos, ainda mais largo e intransponível, na medida em que Sócrates se tornou um símbolo e um chamado de arregimentação. Ele tem sido muitas vezes considerado como sobrepujado em grandeza moral somente pelo fundador do cristianismo e como encarnando, em sua própria vida e personalidade, tudo o que há de mais nobre e mais valioso nas tradições intelectuais da civilização ocidental.
Entretanto, Sócrates era um ser humano vivendo num determinado período de tempo. Ele só pode ser compreendido se visto no contexto de seu próprio mundo contemporâneo. É assim que Platão o retrata, vivendo naquele mundo, e participando vivamente nas controvérsias do século V, com adversários tais como Protágoras, Górgias, Pródicos e Hípias. Além disso, podemos dizer com alguma certeza que Platão não se convencia de que os argumentos desses adversários tivessem sido adequadamente refutados e sentia que era tarefa sua desenvolver uma visão mais completa da realidade a fim de chegar ao tipo de respostas exigidas.
Mas isso, ou alguma outra coisa, nos dá motivo para pensar que Sócrates fosse um sofista? Quero sugerir que, pelo menos em parte, nossa resposta a essa pergunta deveria ser sim. Em primeiro lugar não há dúvida nenhuma de que ele era considerado como tal pelos seus contemporâneos, inclusive por Aristófanes quando se divertiu às suas custas, em As nuvens, em 423 a. C. Mas há um problema ao citarmos Aristófanes, porque em As nuvens Sócrates é retratado como diretor de uma escola onde os alunos são internos, e Sócrates é pago para ensinar. Há outras diferenças fundamentais, além desses dois pontos, entre o retrato de Aristófanes e o modo como Sócrates é descrito por Platão e Xenofonte. Em Aristófanes, por exemplo, Sócrates é descrito como engajado em especulações físicas, e no Apologia de Platão ele nega esse interesse. Não é plausível dizer simplesmente que Aristófanes estava certo e Platão e Xenofonte estavam errados, e não é muito mais plausível dizer que ambos os relatos estão certos, mas são verdadeiros somente em relação a diferentes estágios da vida de Sócrates. Devemos concluir que, pelo menos até certo ponto, Aristófanes está distorcendo o retrato, ao atribuir a Sócrates características que pertencem aos sofistas em geral, mas que não pertenciam a Sócrates [14]. Até certo ponto, sim, mas até que ponto?
A seção “autobiográfica” do Fédon (96a6-99d2) é prova clara de um interesse antigo de Sócrates por ciência, e consta que ele, ao enfrentar a morte, passou a sua última hora discutindo a estrutura geológica da terra (Fédon 108d2-113c8). Já no século V ele foi associado ao filósofo físico Arquelau, por Íon de Quios (DK 60A3), que disse que Sócrates viajara com ele para Samos. A acusação formal de impiedade feita com sucesso contra Sócrates, em 399 a. C., alegava que ele era culpado de não aceitar os deuses que a cidade aceitava, de introduzir outras divindades estrangeiras e de corromper os jovens. Platão, no Apologia (19b2-cl, 23d5-7), afirma que por trás das acusações formais estavam preconceitos populares, segundo os quais Sócrates estava ocupado com especulações físicas, não acreditava nos deuses, tornava melhor o pior argumento e ensinava essas coisas aos outros. Embora essas acusações sejam negadas por Sócrates em sua defesa, é lá também abertamente admitido que jovens das classes mais ricas iam a ele espontaneamente, sem qualquer pagamento, e depois passavam a aplicar o que aprendiam com ele em debates com outros.
Fica assim claro que Sócrates era geralmente considerado parte do movimento sofista. Mediante a sua notória amizade com Aspásia, é provável que estivesse em contato bem íntimo com o círculo de Péricles, e seu impacto intelectual e educacional sobre os jovens ambiciosos em Atenas era tal que foi, nessa função, corretamente considerado sofista. O fato de não receber pagamento não altera em nada a sua função.
Mas não havia diferenças entre ele e o resto dos sofistas? A resposta exige que se tente descobrir qual era o método e qual era o conteúdo do ensino de Sócrates, e isso é difícil, especialmente no caso do conteúdo. Algumas sugestões serão feitas abaixo sobre como esse conteúdo estava relacionado a problemas levantados por outros sofistas, tomando como ponto de partida a afirmação de Aristóteles (Met. 1078b27-31) de que há duas coisas que temos razão em atribuir a Sócrates, epactic logoi, que provavelmente se refere ao processo de generalização a partir de exemplos que têm o poder de nos levar além de nós mesmos, e definições gerais. Isso se ajusta bem ao retrato regularmente encontrado nos diálogos de Platão, nos quais Sócrates é mostrado tentando descobrir O que é x, isto é, qual é o logos correto de x, onde x é alguma coisa que aparece no mundo à nossa volta, acima de tudo uma virtude ou uma qualidade moral ou estética. Diferentemente dos platônicos, diz Aristóteles, Sócrates não separava os universais ou as definições das coisas às quais se aplicavam. Mas isso também se ajusta muito bem ao retrato de outros, entre os sofistas, que também se ocupavam com a busca do logos mais forte ou o logos correto em relação às afirmações conflitantes de logoi aparentemente opostos. É deste ponto de vista que proponho que Sócrates deva ser tratado como tendo um papel a desempenhar dentro do movimento sofista.
É duvidoso que se possa qualificar Sócrates como sofista, embora ele tenha surgido simultaneamente ao florescimento dos sofistas e adotasse um estilo semelhante de ensino (ou de configuração de ambientes de aprendizagem): sem uma instituição, nas praças etc. Sócrates, portanto, não era um escolástico (stricto sensu), como Platão, Aristóteles e alguns outros que montaram burocracias do conhecimento-morto, quer dizer, do ensinamento. Mas a vida de Sócrates, o seu desfecho e, sobretudo, os seus discípulos (como Crítias, mas também Cármides e Alcebíades) mostram que ele se opunha aos sofistas. Ainda que esteja em discussão se o seu “método” não era clonado (e depois modificado) do de Protágoras.
(13) O Corpus Hipocrático
Uma exposição completa do movimento sofista no século V a. C. exigiria que se considerassem os elementos sofistas na coleção de escritos médicos atribuídos a Hipócrates. Essa é uma vasta área de estudo na qual ainda resta muito a ser feito, e somente muito pouco será dito aqui [15]. Muitos dos tratados no Corpus mostram poucos sinais, ou nenhum sinal, de influências sofistas específicas. Esse, porém, certamente não é o caso de dois tratados, Sobre as artes e Sobre a respiração, que não parecem ter sido escritos por médicos. Têm mais o caráter de epideixeis ou demonstrações de argumentação sofista. Assim, Sobre as artes, no processo de defender a arte da medicina contra os que a atacam, começa com uma referência aos que fizeram uma arte de difamar as artes a fim de dar uma demonstração (epideixis) da sua própria erudição. Lembrando, assim, aos leitores de Protágoras, o ataque de Protágoras à prática de Hípias, passa a defender a arte da medicina como possuindo uma existência independente, recorrendo às doutrinas sofistas a respeito da relação entre nomes e classes de coisas. Tentativas anteriores de atribuir a autoria a Protágoras ou a Hípias não são convincentes, mas é difícil negar-lhe lugar dentro do movimento sofista.
A obra Sobre a respiração argumenta que o ar, tão importante na natureza em geral, é também, na forma de respiração, o agente mais ativo em todas as doenças, enquanto todas as outras coisas são causas secundárias e subordinadas. Diferente é a posição do tratado Sobre a medicina antiga, que sustenta que as artes são invenções humanas desenvolvidas no decorrer de um longo período de tempo. E prossegue (no capítulo 20) atacando certos médicos e sofistas que afirmam que, a fim de entender de medicina, é necessário saber o que é o homem. Em resposta, argumenta-se que questões tais como a natureza do homem pertencem às especulações da filosofia física, não fazem parte da medicina e não a auxiliam em nada. O que é necessário é o estudo detalhado das doenças individuais e dos históricos de caso individuais.
6 – Dialética, antilógica e erística
Aristóteles, no diálogo perdido os Sofistas, declarava que o fundador da dialética foi Zenão, o eleático (fr. 65 Rose = DK 29A10). Essa declaração provocou, inevitavelmente, muita discussão, dada a proeminência do conceito de dialética, primeiro em Platão, depois em Aristóteles; e também por causa do papel importante e emotivo do termo na história subsequente da filosofia até hoje. Noutro lugar, o próprio Aristóteles parece atribuir as origens da dialética em parte a Sócrates, em outros casos a Platão, e ainda em outros casos a si mesmo. Essas atribuições não são inconsistentes, tendo-se em vista a série de sentidos dados à palavra, já na Antiguidade [1].
Algumas sugestões mais antigas de que se ocuparam especialistas modernos tentaram reduzir o sentido original do termo dialética ao de diálogo, e ao de composição literária de diálogos. Essa questão pode ser dirimida primeiro.
1. Segundo Diógenes Laércio (111.48 = DK 29A14), alguns diziam que Zenão foi o primeiro a escrever diálogos. Mas isso entra em conflito com todos os outros testemunhos, inclusive com citações existentes da obra escrita de Zenão. Se fosse verdade, teríamos certamente ouvido falar muito mais no assunto do que essa única referência.
2. Uma hipótese moderna é que a referência pode ter sido feita, originalmente, não a diálogos escritos por Zenão, mas a diálogos escritos por outros nos quais ele aparecia como o que falava. Temos, de fato, uma passagem de diálogo desse tipo, dada por Simplício (DK 29A29), explicando o paradoxo do painço em conversa com Protágoras. Mas não é muito provável que seja essa a fonte da história segundo a qual Zenão foi o primeiro a escrever diálogos.
3. Um dos sentidos mais tardios do verbo dialegesthai, do qual derivou dialética, é “discutir pelo método de pergunta e resposta”, e uma passagem em Aristóteles, Sophisti Elenchi, 10,170b19 = DK 29A14, parece dizer que esse método era usado por Zenão. Muitos editores recentes, contudo, removeriam o nome de Zenão do texto, nesse ponto. E mesmo que seja mantido é ainda possível supor que Aristóteles esteja fabricando um exemplo hipotético, usando o caso de Zenão, e não se referindo à sua suposta verdadeira prática, seja na vida real ou nos seus escritos.
4. Uma forma um pouco mais fraca dessa mesma interpretação foi sugerida por Wilamowitz, ao manter (Platão II 28) que os indícios no diálogo de Platão, o Parmênides, sugeriam que, pelo menos em algumas partes, o escrito de Zenão tinha a forma de catecismo, com perguntas e respostas. Obviamente, já se assinalou que isso é inteiramente possível ao longo de um discurso contínuo, e não implica, necessariamente, nada semelhante à forma de diálogo.
Todas essas interpretações são sugestivas e, de modo geral, podem ser tomadas como apontando para a direção certa. Mas nenhuma delas é totalmente convincente. Sempre que Aristóteles usa a palavra dialética, seja com referência a Zenão, ou a Sócrates, ou a Platão, ou a si mesmo, parece estar se referindo a métodos de argumentação. O que Aristóteles faz quase regularmente, como que por hábito, é tomar um termo filosófico corrente, ou expressão já em uso, e refiná-lo de modo a demonstrar que suas próprias análises e ideias estavam já de alguma forma imperfeitamente presentes em ideias mais antigas já aceitas. Para explicar a atribuição da origem da dialética a Zenão é preciso encontrar algum aspecto, ou aspectos, do método filosófico que Aristóteles supunha poder detectar como já presente em Zenão, antes de seu ulterior desenvolvimento em Sócrates, Platão e no seu próprio raciocínio. Pisamos em terra firme logo que nos voltamos para um outro testemunho, o de Platão, no Fedro 261d6-8 = DK 29A13: “Não estamos nós cientes de como o eleático Palamedes fala com arte, fazendo com que as mesmas coisas pareçam, aos seus ouvintes, tanto igual como desigual, tanto única como muitas, tanto em repouso como em movimento”. Que eleático Palamedes era como Platão se referia a Zenão, sabia-se na Antiguidade, e pode ser considerado firmemente estabelecido. Há boas razões, também, para supor que quando escreveu essas palavras Platão estava ciente do conteúdo do livro de Zenão. Baseado nisso, Gregory Vlastos argumentou, de modo muito persuasivo, que Zenão supunha que as contradições “igual-desigual”, “único-muitos” e “em repouso-em movimento” derivavam todas de uma única hipótese inicial: “se as coisas são muitas” [2]. Mas isso não é essencial para meus propósitos. O importante é que, seja como for que tenha chegado a esses pares de opostos, Zenão está sendo creditado com o uso de uma arte que estabelece predicados contraditórios para os mesmos sujeitos — de modo que as mesmas coisas são iguais e são desiguais.
Se considerarmos a passagem toda no Fedro, de 261c4-e5, fica claro que Platão está aí equiparando a arte do eleático Palamedes com uma arte que chama de antilogiké (daqui em diante grafado “antilógica”), que consiste em fazer com que a mesma coisa seja vista, pelas mesmas pessoas, ora possuindo um predicado, ora possuindo o predicado oposto ou contraditório, como por exemplo justo e injusto; uma arte “que não está confinada nos tribunais e nos discursos públicos, mas que se aplica como uma única arte (se é que é uma arte) a quaisquer coisas sobre as quais falem os homens”.
A arte da antilógica, como veremos, é atribuída por Platão aos sofistas acima de todos os outros. As consequências, deduzidas pelos especialistas, da atribuição da antilógica a Zenão são de grande interesse. Cornford [3] contrastou os autores modernos, que consideram os argumentos de Zenão válidos e profundos, contra a posição por ele atacada, com Platão, que parece tê-lo considerado um mero sofista, que praticava uma arte retórica de engano. Em um importante artigo sobre Zenão, publicado em 1941 [4], Herman Frãnkel argumentava que esse retrato (platônico) de Zenão, como enganando e mistificando “jocosa, vigorosa e insolentemente” seus leitores, não era, de fato, totalmente infundado. A combinação dos comentários de Cornford e Frãnkel provocou Gregory Vastlos, que argumentou solidamente que essa visão de Zenão não era correta, porque:
1) Zenão nunca foi classificado, em outro lugar, como sofista, seja por Platão ou por qualquer outro;
2) Platão não o retrata como tal no Parmênides, 126a-128e, onde ele é descrito como um partidário de Parmênides e, por implicação, como guardando o mesmo respeito pela verdade que inspira o poema de seu mestre; e,
3) embora Platão menospreze a antilógica como estilo de debate filosófico, ele não presume que sua prática prove que seu praticante seja, por isso, um sofista. Em si mesma, ela não é desonesta ou destinada a enganar.
Uma boa parte da dificuldade, aqui, é conceptual e terminológica. O que eu chamaria de opinião de Cornford envolve o seguinte:
1. sofistas não eram pensadores honestos;
2. Platão atribui a Zenão a antilógica;
3. antilógica é uma arte retórica de engano, ignorante da verdade, em busca de mera crença;
4. portanto Platão trata Zenão como sofista.
Vlastos aceita 1 e 2 mas nega 3 e, por conseqüência, nega a inferência que é 4. Ora, 1 é a concepção tradicional que se tem dos sofistas. A correção histórica dessa concepção é algo que estou empenhado em contestar neste estudo do movimento sofista. Mas essa é a visão tradicional e de fato representa o que Platão quer dizer a respeito dos sofistas. Segue-se, daí, que a diferença, aqui, entre Cornford e Vlastos está no 3, a saber, a verdadeira natureza da antilógica.
A solução desse problema — qual é a verdadeira natureza da antilógica — é uma questão de alguma importância e realmente urgente. Sob vários aspectos, é a chave do problema da compreensão da verdadeira natureza do movimento sofista. O que é necessário é uma distinção, o mais exata possível, entre os três termos: dialética, erística e antilógica. E esses três termos precisam ser postos em relação com um outro conceito, o do Elenchus Socrático. Platão usa ambos, erística e antilógica, com bastante frequência — números exatos podem, agora, ser dados com base na obra de L. Brandwood, A Word Index to Plato (Leeds, 1976), que, pela primeira vez, nos dá informação completa e segura sobre esses assuntos. Há uma longa tradição, nos estudos platônicos, de tratar as duas palavras como simplesmente intercambiáveis [5]. Mas isso é certamente um engano. O que precisa ser dito é o seguinte: Platão frequentemente usa os dois termos para se referir ao mesmo procedimento e, da mesma forma, ocasionalmente usa os adjetivos derivados eristikos e antilogikos para se referir às mesmas pessoas. Mas da mesma forma, ocasionalmente, aplica um só termo, sem o outro. Às vezes, o segundo termo que falta é simplesmente omitido, mas em outros casos o contexto sugere que teria sido inapropriado usar o segundo termo. Mas quer use um termo ou os dois, referindo-se à mesma coisa ou à mesma pessoa, eles nunca têm, para Platão, o mesmo significado. A confusão e o mal-entendido surgiram por falta de se fazer a distinção necessária entre significado e referência.
Dos dois termos, o mais direto é erística. É derivado do substantivo eris, que significa luta, disputa, controvérsia; quando Platão usa o termo, erística significa “buscar vitória na argumentação”, e a arte que cultiva e provê os meios e estratagemas para alcançá-la. Segue-se daí que erística, como tal, estritamente falando, não é uma técnica de argumentação. Ela pode usar uma ou mais de uma série de técnicas a fim de alcançar seu objetivo, que é o sucesso no debate ou, pelo menos, a aparência de sucesso (cf. Teeteto 167e3-6). Falácias de qualquer tipo, ambiguidades verbais, monólogos longos e irrelevantes podem, todos, ocasionalmente, conseguir reduzir ao silêncio o oponente, constituindo, assim, instrumentos próprios de erística. Esse é o tipo de habilidade que Platão via exemplificada pelos irmãos Eutidemo e Dionisodoro, no diálogo Eutidemo, dos quais disse (272a7-b1) que se tinham tornado extremamente hábeis em debater nas argumentações e em refutar qualquer coisa que se dissesse, não importando se verdadeira ou falsa. Consequentemente, usado por Platão, o termo erística regularmente envolve desaprovação e condenação.
Antilógica, usada por Platão em sentido técnico, difere de erística em dois aspectos importantes. Primeiro, seu significado é diferente e, segundo, a atitude de Platão a seu respeito difere da sua atitude em relação à erística. Antilógica consiste em opor um logos a outro logos, ou em descobrir ou chamar atenção para a presença de uma oposição em um argumento, ou em uma coisa ou situação. A característica essencial é a oposição de um logos a outro, por contrariedade ou por contradição. Segue-se daí que, ao contrário da erística, a palavra, quando usada numa argumentação, constitui uma técnica específica e bem definida, a saber, a de partir de um dado logos, digamos, a posição adotada pelo oponente, e passar a estabelecer um logos contrário, ou contraditório, de maneira tal que o oponente terá de aceitar ambos os logoi, ou pelo menos abandonar a sua primeira posição. Um exemplo já foi considerado, a saber, a aplicação do termo ao método usado por Zenão de Eléia. Um segundo exemplo se encontra no Fédon, numa passagem a ser discutida em breve, e um terceiro no Lísis (216a). Chega-se a um ponto, na argumentação, em que se sugere que é o oposto que é mais propício ao seu oposto. Sócrates então diz que, a essa altura, os antilogikoi nos dirão, corretamente, que a inimizade é o mais oposto à amizade. E, portanto, o resultado (platonicamente inaceitável) é que o inimigo é que é mais propício ao amigo, e é o amigo que é mais propício ao inimigo.
Qual é, então, a atitude de Platão em relação a esse método de antilógica? É muito claro que ele não o aprecia muito como método de debate filosófico. A sua primeira objeção é a de inadequação — é do método de dialética que precisamos. Embora seja possível que as pessoas, sem o saber, confundam antilógica com dialética (Rep. 454a4-5), falta-lhe uma característica essencial da dialética, a saber, a capacidade de discutir com base na divisão das coisas em espécies. A antilógica, ao invés, procede com base em contradições (meramente) verbais. Observação semelhante é feita no Teeteto 164c2-d8, onde Sócrates expressa sua insatisfação com sua própria réplica anterior a Protágoras, alegando que estava inconscientemente agindo de maneira antilógica, recorrendo a coincidências verbais (isto é, para estabelecer as consequências contraditórias da posição de Protágoras e, da mesma forma, para as de Teeteto — 164d5-10). De novo, como na passagem da República, o lapso de Sócrates na antilógica é involuntário e inicialmente inconsciente, e isso deixa claro que sua ação não é desonesta — ele não está tentando “impingir um argumento capcioso ao seu interlocutor” [6], e não está agindo eristicamente. Ele simplesmente ficou aquém do que é devido e falhou porque seu método, embora bem-intencionado, é inadequado para a tarefa em mãos.
O segundo ponto de Platão contra a antilógica não é tanto uma objeção quanto um receio constante do perigo de seu abuso, especialmente nas mãos dos jovens. Esse seu receio, na verdade, não se confina à antilógica, mas realmente se estende à própria dialética, que, se estudada pelos muito jovens (antes dos 30 anos), pode destruir o respeito pela autoridade tradicional, mediante a indagação de questões tais como “o que é certo” (to kalon) quando o questionador é incapaz de enfrentar essas investigações de maneira adequada e descobrir a verdade (Rep. 537e1-539a4). “Os jovens, quando experimentam argumentos pela primeira vez, abusam deles como num jogo, usando-os em todos os casos, a fim de estabelecer uma antilogia e, imitando os que se engajam em refutar, refutam eles mesmos outras pessoas, divertindo-se como cachorrinhos, puxando e estraçalhando, com seu argumento, todos os que deles se aproximam” (539b2-7). O resultado de repetidas refutações mútuas, ou elenchi, conduzidas dessa maneira, diz Platão, é “desacreditar tanto os interessados como a atividade toda da filosofia aos olhos do mundo. Uma pessoa mais velha não estaria disposta a participar desse tipo de loucura, mas imitará o homem que quer proceder dialeticamente (dialegesthai) e que quer ver a verdade, ao contrário do homem que fica brincando e procedendo antilogicamente por diversão. Ele será mais comedido em sua abordagem, e fará o empreendimento mais digno de respeito do que menos digno dele” (539b9-d1). Em outras palavras, sem a dialética, a prática da antilógica é muito perigosa, pois pode ser facilmente usada para propósitos meramente frívolos. Mas uma leitura atenta dessa passagem mostra, acho eu, que Platão não está condenando a antilógica como tal. O processo de elenchus (refutação lógica) é, para Platão, uma parte normalmente necessária do processo de dialética (Cf. Fédon 85c-d, Rep. 534b-c). Na presente passagem Platão está condenando o abuso do elenchus quando usado para propósitos frívolos, mas, por implicação, ele o aprova quando usado para o propósito da dialética. Ora, o processo de elenchus, nos diálogos platônicos, toma diversas formas. Mas uma das formas mais comuns é a de argumentar que uma dada afirmação leva a uma autocontradição; em outras palavras, a duas afirmações mutuamente contraditórias [7]. Mas duas afirmações mutuamente contraditórias são a característica essencial da antilógica.
A dialética, tal como é entendida por Platão, é difícil de ser caracterizada pormenorizadamente. De fato, em pontos cruciais, ele parece quase furtar-se à exposição detalhada que o leitor está esperando. Já se disse [8], muito apropriadamente, que a palavra “dialética”, em Platão, tende fortemente a significar “o método ideal, seja qual for”. Mas envolve, regularmente, uma aproximação das Formas platônicas e é isso, mais do que qualquer outra coisa, que a distingue da antilógica. Assim, em Fédon, ela é usada para se referir ao método da hipótese; na República, ela é o caminho “para cima”; e no Filebo, consiste no processo de Síntese e Divisão.
Uma vez que se distingam claramente os três termos, erística, antilógica e dialética, várias coisas entram nos seus lugares. Platão se opõe totalmente à erística e está completamente empenhado na dialética. A antilógica, para ele, fica entre a erística e a dialética. Pode ser usada simplesmente para finalidades erísticas. Por outro lado, se for reivindicada como um caminho suficiente para a verdade, também sofre a condenação de Platão. Mas, em si mesma, ela é, para Platão, simplesmente uma técnica, nem boa nem má. Especialmente nos primeiros diálogos, subjacente à dialética e conduzindo a ela, há a notável técnica de argumentação conhecida como elenchus, que constitui talvez o mais impressionante aspecto do comportamento de Sócrates. Ela consiste tipicamente em obter uma resposta a uma questão, tal como “o que é Coragem” e, aí, assegurar aceitação para outras afirmações visivelmente inconsistentes com a resposta dada à primeira questão. Em raras ocasiões isso leva a algo que se aproxima de uma modificação aceitável da primeira resposta. Mas, muito mais frequentemente, o Diálogo se encerra com os participantes num estado de aporia, incapazes de ver qualquer caminho à frente ou qualquer saída das opiniões contraditórias nas quais se enredaram. Isso é claramente uma aplicação da antilógica.
O aspecto essencial desse uso da antilógica é o estabelecimento de logoi ou argumentos opostos acerca da questão em debate. Mas para Platão é muito mais do que isso. Basicamente, para ele, o mundo fenomenal está sempre em estado de mudança e fluxo, de tal forma que pode ser descrito, em certo sentido, como que se revolvendo entre ser alguma coisa e não ser essa coisa. Mais ainda, isso não é meramente algo que acontece entre dois pontos no tempo. A qualquer momento, “coisas que dizemos ser grandes ou pequenas, leves ou pesadas, podem igualmente ser descritas pelo epíteto oposto” (Rep. 479b6-8). Isso mostra duas coisas. Primeiro, a oposição entre logoi pode ser simultânea no sentido de que os logoi são opostos não um depois do outro mas ao mesmo tempo. Em qualquer dado momento, o mesmo homem, por exemplo, é ao mesmo tempo alto e baixo, dependendo de com quem ele é comparado. Segundo, a oposição entre logoi, que é o ponto de partida para a antilógica, aplica-se não somente a argumentos opostos, mas também aos fatos do mundo fenomenal aos quais se referem os argumentos.
Que o próprio Platão sabia que sua visão do mundo fenomenal envolvia a antilógica aparece claramente numa famosa passagem do Fédon (89d1-90c7), cuja importância nem sempre tem sido compreendida pelos estudiosos. É a passagem em que ele fala do perigo de vir a odiar logoi, ou argumentos, situação que ele chama de misologia. No caso de um ser humano, se primeiro confiamos nele e depois, mais tarde, descobrimos que não podemos confiar nele, e essa experiência se repete, é provável que acabemos na misantropia, o ódio e rejeição de todo ser humano. A mesma coisa acontece com os argumentos — se a pessoa primeiro confia e crê que um argumento é verdadeiro e depois descobre que é falso, a pessoa pode acabar odiando e desconfiando de todos os argumentos. Em seguida vem a afirmação para a qual quero chamar especial atenção:
E, acima de tudo, os que passam o seu tempo tratando com antinomias (logoi antilogikoi) acabam, como vocês bem sabem, pensando que se tornaram os mais sábios dos homens e que são os únicos que chegaram a compreender que não há nada sólido ou seguro, seja em fatos ou em argumentos, mas que todas as coisas que existem são simplesmente levadas para cima e para baixo como o [fluxo da maré no] Euripo, e nunca param em um ponto qualquer por qualquer duração de tempo.
Platão, naturalmente, vai sugerir ambos: a necessidade de fugir da misologia e os métodos a serem seguidos. Contudo, é claro que na passagem acima ele está expressando a sua própria visão do fluxo dos fenômenos. Ao longo dos diálogos, são a instabilidade e o caráter mutável do mundo fenomenal que o tornam, para Platão, incapaz de funcionar como objeto de conhecimento. O conhecimento há de ser, necessariamente, firme e imutável, e requer objetos de caráter semelhante ao seu. No Fédon, a expressão “para cima e para baixo” é usada de novo (96b1) para caracterizar a confusão (100d3) sentida por Sócrates ao tentar compreender e explicar o mundo físico em termos puramente físicos, antes de embarcar na sua “segunda viagem”, baseada no método da hipótese e na doutrina das Formas. Esta provê um método de fuga (99e5) da confusão do mundo dos sentidos. Contudo, aquilo de que Sócrates deve fugir é exatamente este mundo dos sentidos, e a razão da sua necessidade de fugir dele é porque ele exibe exatamente aquelas características com as quais se identificam as pessoas conhecidas como antilogikoi.
Mas não é só isso. Numa frase sem ênfase, Platão de fato revela que estava ciente de que sua própria visão dos fenômenos foi antecipada por aqueles que se ocupavam com logoi antilogikoi. Isso está claramente implicado na afirmação de que tais pessoas “pensam que são os únicos que chegaram a compreender” — eles estão sendo criticados, não por sustentarem essa opinião, mas por se enganarem supondo que ninguém mais tenha chegado a essa mesma compreensão. Em outras palavras, ambos, Platão e os praticantes da antilógica, estão de acordo neste ponto: o caráter antilógico dos fenômenos. O único ponto fundamental sobre o qual Platão vai discordar é a falta de compreensão deles de que o fluxo dos fenômenos não é o fim da história — deve-se procurar alhures a verdade, que é o objeto do verdadeiro conhecimento; e, mesmo para a compreensão do fluxo e suas causas, deve-se buscar entidades mais permanentes, seguras e confiáveis, as famosas Formas platônicas. Isto, por sua vez, sugere que a base real da hostilidade de Platão aos sofistas não era porque, a seu ver, estivessem inteiramente errados, mas porque elevavam a meia verdade à verdade toda, confundindo a fonte da qual vêm todas as coisas com as suas consequências (fenomenais) (Fédon 101e1-3). Isso os tornava muito mais perigosos. De fato, quando alhures Platão sugere, como o faz repetidamente, que os sofistas não estavam preocupados com a verdade, podemos começar a supor que era porque eles não estavam preocupados com o que ele considerava ser a verdade, e não porque eles não estavam preocupados com a verdade tal como eles a viam. Para Platão, embora não goste de dizer isto, antilógica é o primeiro passo no caminho que leva à dialética.
7 – A teoria da linguagem
A teoria da linguística foi discutida pelos sofistas sob o título de “dicção correta”, orthoepeia, e “correção das palavras e nomes”, orthotés onomatõn. Um tratado sobre Orthoepeia consta da lista de obras de Demócrito, e o tema teria sido discutido por Protágoras (DK 80A26). Onomatõn orthotés também teria sido discutido por Protágoras e por Pródicos. Hípias se interessava pela correção das letras, o que talvez se refira à correção das formas escritas das palavras (DK 86Al2). Platão, no Crátilo (391b), introduz sua própria discussão do problema da “correção dos nomes” com a declaração de que a melhor maneira de começar essa investigação é recorrendo à ajuda daqueles que sabem, e esses são os sofistas, patrocinados por Cálias, que gastou muito dinheiro neles, e assim adquiriu, ele mesmo, a reputação de sabedoria.
É claro, então, que o tópico “correção dos nomes” era como que um tema corrente nas discussões sofistas e é, como veremos, o assunto de todo um diálogo de Platão, o Crátilo. O que, podemos perguntar, o tópico envolve? Envolve, antes de tudo, detalhada discussão das palavras individualmente; e Xenofonte nos conta como, certa ocasião, num banquete, a conversa recaiu sobre nomes e a função específica de cada nome em separado (Mem. III, 14.2). Tais discussões, contudo, também envolviam o estabelecimento de categorias gramaticais de várias espécies. Assim, segundo um relato, Protágoras teria sido o primeiro a dividir o discurso (logos) em desejo, questão, resposta e ordem; segundo outro, em narração, questão, resposta, ordem, narrativa indireta, desejo e apelos; ao passo que o sofista Alcidamas propunha uma classificação diferente, em quatro divisões: asserção, negação, questão e discurso (DK 80A1, parágrafos 53-54). Além disso, Protágoras distinguia os três gêneros dos nomes como masculino, feminino e os que se referem a objetos inanimados (DK 80A27).
Ao esboçar essas distinções, Protágoras não estava meramente tentando analisar e descrever o uso corrente do grego; seu objetivo era corrigir esse uso e, para isso, ele estava pronto a recomendar medidas drásticas. Assim, os gêneros gramaticais deveriam ser revistos como parte de um processo de correção da linguagem. As palavras gregas para “cólera”, Mênis, e “elmo”, Pelex, que são, de fato, femininas, deveriam ser corrigidas para o gênero masculino. Supõem, alguns, que o motivo disso é porque “cólera” e “elmo” não são palavras de caráter naturalmente “feminino”, estando especialmente associadas ao sexo masculino, enquanto outros supõem que Protágoras estava simplesmente tentando racionalizar o uso com base na morfologia — nesse caso, o final das palavras. Ambos os critérios, o de consistência morfológica e o de consistência com o gênero natural, encontram-se na passagem satírica de As nuvens, de Aristófanes, que tem uma clara referência à doutrina da “correção dos nomes” (DK 80C3), e parece provável que ambas as considerações foram usadas pelo próprio Protágoras. A favor da opinião de que foram principalmente as considerações formais que influenciaram Protágoras, pode-se citar a afirmação de Diógenes Laércio (IX, 52 = DK 80A1) que Protágoras, ao argumentar, deixava de lado a Dianoia (no sentido do significado de uma palavra) a fim de se concentrar só no nome. Mas, infelizmente, a interpretação dessa afirmação é muito duvidosa. Uma segunda prova seria de caráter mais definido, se ao menos pudéssemos aceitá-la como bem fundada. Infelizmente, creio que não se pode aceitá-la como tal, mas cedo à tentação de incluí-la porque é interessante. Refiro-me, aqui, à fascinante teoria de Italo Lana [1].
De acordo com essa teoria, poderíamos realmente ter um exemplo da aplicação que faz Protágoras de sua própria teoria ao encontrarmos a única forma dynamia em lugar da normal dynamis (“força”) em dois dos manuscritos com o texto do Proêmio das Leis de Charondas. Numa hipótese audaciosa, Lana sugere, primeiro, que essas leis foram revistas por Protágoras, quando foi convocado por Péricles para providenciar uma constituição para a nova colônia de Turói, por volta de 443 a.C.; e, segundo, que Protágoras aproveitou a oportunidade para alterar dynamis, forma que, a seu ver, devia ser tratada como masculina, para a forma, que não ocorre em nenhum outro lugar na Grécia, a saber, dynamia, com a apropriada terminação feminina em a. A progressão de hipótese para hipótese infelizmente torna essa especulação difícil de aceitar. Mas se a especulação é moderna apenas, pode ser aceita como bene trovata!
A situação é um pouco mais clara quando nos voltamos para Pródicos. Ele era famoso, em toda a Antiguidade, pelo seu estudo de sinônimos, que deve seguramente ter figurado na sua preleção Sobre a correção dos nomes. A discussão dos sinônimos era considerada um aspecto distintivo de todo o seu ensino e de suas preleções. O aspecto mais notável de seu estudo das palavras era a maneira pela qual distinguia os sentidos de conjuntos de palavras — mais comumente duas, mas às vezes três ou mais —, todas elas de sentido muito semelhante. Isso pode ser ilustrado melhor com um exemplo de sua arte, fornecido por Platão no Protágoras (337a-c = DK 84A13):
Os que frequentam discussões desse tipo devem ouvir ambos os oradores imparcialmente, mas não igualmente. Pois há uma diferença: deveríamos ouvir ambos com imparcialidade, contudo não dar igual atenção a cada um e, sim, mais ao mais sábio e menos ao menos instruído. De minha parte, Protágoras e Sócrates, peço-vos que concordem com meu pedido de disputar, não brigar, um com o outro, por causa dos vossos argumentos: pois amigos disputam com amigos em espírito de boa vontade, ao passo que briga é entre os que estão em desacordo e em estado de inimizade um com o outro. Dessa forma, nossa reunião será o maior sucesso, visto que vós, os oradores, ganharão, assim, a maior estima, mas não louvor, de nós que vos ouvimos. Pois estima está presente no âmago das almas dos ouvintes, sendo algo genuíno e livre de engano, mas louvor se encontra frequentemente na linguagem daqueles que falam ao contrário de sua real opinião. E nós, que ouvimos, teríamos, assim, a maior alegria, mas não prazer. Pois o homem obtém alegria quando aprende alguma coisa e ganha uma cota de compreensão puramente em seu espírito, ao passo que tem prazer quem come algo ou tem alguma outra experiência corporal prazerosa.
Essa passagem deixa evidente a possível aplicação retórica da técnica de Pródicos. Mas é claro que ele não queria que suas distinções entre palavras fossem meramente arbitrárias — seu objetivo era relacionar cada nome, ou onoma, a uma determinada coisa, e a nenhuma outra, exatamente como o nome de uma pessoa é o nome dessa determinada pessoa e de nenhuma outra (cf. DK 84A19), na crença de que é valioso e importante usar somente o nome certo em cada caso. Mas os exemplos dados na passagem do Protágoras deixam evidente que onoma, ou nome, era usado para palavras em geral, não simplesmente para o que hoje chamamos de nomes. Seus exemplos são, na maioria, compostos de verbos e adjetivos. Na verdade, todas as partes de uma sentença, e até uma sentença inteira, são tratadas como um nome, ou onoma, no Crátilo, de Platão. Mas um nome, para ser um nome, precisa ser o nome de alguma coisa. A coisa que é nomeada é considerada o significado do nome em questão. Daí se segue que um nome que não é o nome de coisa alguma não é um nome no sentido real do termo, e não tem, necessariamente, nenhum sentido. Assim, no Eutidemo (283e9-286b6), de Platão, é dito que o que uma sentença ou logos afirma é aquilo a que se refere a sentença. A cada segmento da realidade pertence exatamente um logos e a cada logos corresponde exatamente um segmento distinto da realidade.
As consequências dessa maneira de ver as palavras são, contudo, paradoxais, e os paradoxos assim gerados fornecem matéria para uma considerável parte da história da filosofia grega em ambos os períodos, arcaico e clássico [2]. Primeiro, priva de sentido toda declaração manifestamente negativa, visto que o que não é não pode ser nomeado, e isso leva à doutrina que não se pode contradizer — ouk estin antilegein — discutida abaixo (pp. 151ss). Segundo, há uma dificuldade mais ou menos crucial que tem de ser enfrentada no caso de todas as expressões que envolvem qualquer grau de negação. Sentimo-nos obrigados a dizer que muitas declarações incluindo vários tipos de negação são, de fato, verdadeiras. Mas, nesse caso, o que é que eles querem dizer com a sua concepção do significado resumida acima? Heráclito estava pronto a rejeitar muito do que as pessoas sem conhecimento ordinariamente declaram ser fato. Mas ele mantinha que seu próprio logos, ou explicação, também era uma explicação correta da estrutura da realidade. Mas essa explicação correta era, para ele, uma explicação de estados de coisas que são contraditórias — o mundo aparente ao qual se refere a linguagem se acha cheio de contradições objetivas.
Para Parmênides, contudo, essa visão não era aceitável. Pois um mundo que está cheio de contradições objetivas está cheio de negações e, portanto, de não-mundos. Semelhante concepção não pode ser nem pensada nem falada. Por conseguinte, um mundo assim descrito não pode, absolutamente, ser real. Foi isso que levou Parmênides a separar o mundo das aparências do mundo do ser, ao tratar o primeiro dos dois como nada mais do que uma peça de ficção. “Pois nada é ou será, além daquilo que é, visto que o Destino o restringiu a ser inteiro e isento de mudança. Por isso, tudo o que os mortais postularam na crença de que era verdadeiro será nome apenas, vindo a ser e perecendo, ser e não ser, mudança de lugar e intercâmbio de luminosa cor” (DK 28B8.36-41).
O contraste entre a posição de Heráclito e a de Parmênides foi claramente estabelecido por volta da metade do século V a. C. e forneceu o ponto de partida para discussões sofistas da teoria linguística. O próprio Parmênides, contudo, não teve seguidores, entre os sofistas, quando quis negar a realidade do mundo fenomenal. Para eles, o ponto de partida era o próprio mundo fenomenal, regularmente visto como constituindo a realidade toda e, consequentemente, como sendo o único objeto possível de cognição. Às vezes era considerado sujeito a contínua mudança. Esse era sabidamente o caso do Crátilo Heracliteano (cf. DK 65.3). Segundo Sexto Empírico (DK 80A14), Protágoras tinha realmente descrito o mundo físico como em estado de fluxo, com emissões continuamente substituídas por acréscimos que recuperavam o que era perdido. Platão equiparava Protágoras a Eutidemo e considerava que ambos defendiam teorias que excluem a possibilidade de que as coisas tenham algum ser fixo próprio; em vez disso, pretendem que as coisas sejam arrastadas “para cima e para baixo” ao aparecer para nós (Crat. 386c-e, não em DK). Em Teeteto ele atribui a Protágoras uma doutrina “secreta” de percepção com implicações semelhantes. Embora o atributo “secreto” provavelmente signifique que essa doutrina nunca foi expressa por escrito pelo Protágoras histórico, a doutrina pode, contudo, representar bem o que Platão considerava a implicação natural das conhecidas concepções de Protágoras. Górgias andou um pouco na mesma direção, explicando a percepção dos objetos físicos da mesma maneira que Empédocles, a saber, postulando contínuas emanações de objetos que entram ou deixam de entrar nos vários poros do corpo (DK 82B4). Platão, no Fédon, como já vimos, atribuiu aos antilogikoi e aos sofistas em geral a concepção de que todas as coisas que existem movem-se para cima e para baixo, como se estivessem no Euripos, e nunca permanecem em repouso, em lugar nenhum, por qualquer período de tempo (90c4-6).
Mais importantes, contudo, eram as consequências do relativismo sofista (discutido abaixo, no capítulo 9), que era, na maioria das vezes, associado a uma forma de fenomenismo segundo a qual todas as aparências são igualmente verdadeiras (ou pelo menos igualmente válidas como cognições). Vendo desse modo o mundo real, embora permanecendo, ao mesmo tempo, totalmente comprometidos com a concepção de que as palavras devem nomear exatamente as coisas às quais se referem, senão não têm significação, os sofistas adotaram dois expedientes. A linguagem, como um todo, deve prover fórmulas para exibir a realidade, e a estrutura da linguagem deve exibir a estrutura das coisas. Mas o mundo da experiência é caracterizado pelo fato de que todas as coisas nele, ou a maioria delas, ao mesmo tempo são e não são. Portanto, a linguagem também deve exibir a mesma estrutura. Isso ela deve fazer dando expressão a dois logoi opostos concernentes a todas as coisas. Mas isso, por si mesmo, não é suficiente. Ficamos com o problema da negação que corre o grave perigo de se tornar algo totalmente sem sentido, a menos que se encontre algum objeto que lhe possa servir de referência.
Esse problema foi atacado de duas maneiras diferentes, vistas como alternativas mutuamente excludentes, ou usadas para suplementar uma à outra. A primeira era corrigir a linguagem renunciando às sentenças negativas. Daí as famosas afirmações vinculadas: que não é possível contradizer, e que é impossível dizer o que é o falso. Isso restringiria a linguagem a afirmações positivas verdadeiras a respeito do mundo fenomenal. Mas sustentar que todas as afirmações são de igual valor não seria muito satisfatório, no mínimo porque privaria o sofista de sua reivindicação de maior sabedoria. De modo que se considerou um segundo artifício segundo o qual, entre logoi opostos, um logos na estrutura das coisas era superior, mais correto do que o outro, e esse constituía o orthos logos. Essa situação havia de ser repetida no discurso e na argumentação em que, de novo, um logos ou era, ou teria de se fazer ver como mais correto e mais forte do que o outro.
A arte de fazer um logos superior a outro estava especialmente associada a Protágoras, ao passo que a busca do onomatõn orthotês, ou correção dos nomes, estava acima de tudo associada a Pródicos. Constituía uma segunda maneira pela qual a linguagem haveria de ser corrigida para ser posta de acordo com a estrutura da realidade percebida. A importância dessa tentativa na história da filosofia é considerável — representa o primeiro passo na busca daquilo que, nos tempos modernos, tende a se denominar linguagem única, a chamada linguagem filosófica, a linguagem primordial ou atômica, a linguagem “corrigida” do lógico, o ideal que inspirou, entre outros, o primeiro Wittgenstein nas suas tentativas de restringir e delimitar o uso da linguagem significativa à que descreve o mundo, e a qual, na sua própria estrutura, refletirá a estrutura da realidade. Mas as tentativas modernas visam principalmente a reformar a estrutura da linguagem em relação à suposta estrutura (lógica) da realidade. O pensamento, no século V a. C., não estava interessado, em primeiro lugar, na estrutura lógica, mas em buscar uma relação uma-a-uma entre coisas e nomes, tendo por base que o sentido de qualquer nome deve ser sempre a coisa ou coisas a que se refere.
Contudo, mesmo assim a correção envolvida poderia ser extremamente radical e o Crátilo, de Platão, se abre com a notável afirmação atribuída a Crátilo, segundo a qual (383a-b) “Cada coisa tem um nome correto próprio seu, que vem por natureza; e um nome não é o que quer que as pessoas chamem uma coisa por convenção, meramente algo de sua própria voz aplicada à coisa, mas há, nos nomes, uma espécie de correção estabelecida, que é igual para todos os homens, tanto gregos corno bárbaros”. Isso nos introduz ao ideal de uma única língua natural e, acima de tudo, universal que, idealmente, poderia substituir todas as línguas existentes.
O método de procedimento de Pródicos não estava limitado a ele — segundo Platão (DK 84A17), ele o obteve de Damon e dele partilhavam também outros sofistas. O método consistia em Diaeresis ou Divisão dos nomes e assim é regularmente rotulado por Platão e, depois dele, por Aristóteles [3]. Podemos dizer que seu método normal consistia, como argumentou Classen, em pôr dois nomes um contra o outro a fim de abstrair deles o sentido básico que partilham e descobrir as sutilezas de sentido em que diferem. Mas as palavras não são definidas individualmente — ele não está perguntando “o que é x?”, mas “em que aspecto x é diferente de y?” Isso serve para distinguir a sua abordagem da de Sócrates, do qual, no entanto, ele continua sendo o precursor em todos os pontos essenciais. Sócrates pergunta simplesmente “o que é x?”. Mas não há por que tentar descobrir uma outra diferença, sugerindo que Pródicos está interessado no sentido próprio das palavras, ao passo que Sócrates está interessado na coisa real [4]. Como vimos, para ambos, o significado de uma palavra consiste naquilo a que ela se refere, e a visão correta foi expressa por Classen, quando diz que ao descrever qualquer objeto, ou uma dada situação, Pródicos observará: essa palavra é apropriada, ao passo que aquela, embora quase equivalente e idêntica quanto ao sentido, não é. Sócrates vai pelo mesmo caminho, exceto que, quando indaga o que é x, o onoma ou nome que está investigando não é usualmente uma única palavra, mas antes uma fórmula consistindo em uma série de palavras, um logos ou uma definição.
O subtítulo do diálogo de Platão, Crátilo, é Sobre a correção das palavras. Por muito tempo essa foi considerada uma obra de interesse mais limitado, atitude tipificada por H. N. Fowler, na introdução da sua tradução do diálogo, na série Loeb, em 1926, onde lemos: “Não se pode dizer que o Crátilo seja de grande importância no desenvolvimento do sistema platônico, pois trata de um assunto especializado [a origem das palavras], um tanto quanto à parte da teoria geral da filosofia”. Há como que uma revolução em curso, desde mais ou menos 1955, na interpretação erudita do diálogo, contudo, e provavelmente são poucos os que procurariam, hoje, negar a fundamental importância dos temas nele discutidos. O assunto do diálogo não é a origem da linguagem, mas sim a questão da possibilidade dos nomes serem corretos [5]. O ponto de partida de Platão é, como quase sempre, uma questão suscitada pelas especulações sofistas. O diálogo se abre com Hermógenes, irmão de Cálias, famoso patrono dos sofistas, expondo brevemente a posição de Crátilo, o Heracliteano, segundo o qual há uma natural correção nos nomes, a mesma para todos, gregos e bárbaros, após o que ele expõe a sua própria opinião: a única verdade dos nomes depende do acordo das pessoas ao designar, em dado momento, o nome de uma coisa.
Sócrates apóia, pelo menos nesse estágio, a teoria da correção natural e sugere (391b-e) que a melhor maneira de investigar a questão seria perguntar àqueles que sabem, isto é, aos sofistas. Mas como Hermógenes não domina bem a sua herança, e não é capaz de responder, o que poderia fazer era pedir a seu irmão que lhe ensinasse a doutrina da correção nos casos que aprendera com Protágoras. Hermógenes se recusa, alegando que seria absurdo fazer tal pedido, visto que rejeita a Verdade de Protágoras e, por isso, não poderia considerar de qualquer valor o que é dito nesse tipo de “Verdade”. Sócrates, então, diz que Hermógenes deveria ler Homero e os outros poetas, nos quais a doutrina segundo a qual os deuses usavam, para as coisas, nomes diferentes dos usados pelos homens mortais é clara prova de uma crença em nomes que são naturalmente corretos. Isso nos fornece razões suficientes para concluir que em sua obra Sobre a Verdade Protágoras tinha de fato discutido a correção dos nomes, e a maneira natural de ler a passagem é supondo que o próprio Protágoras, em certo sentido e em certo grau, tinha expressado a crença na doutrina da correção natural.
Isso concorda com o testemunho, citado anteriormente, de sua crença de que havia usos certos e errados para determinadas palavras. No mito que se encontra no Protágoras (322a3ss), nos é dito como a humanidade procedeu a uma distribuição articulada de vozes e nomes, e isso sugere que o processo envolvia algum tipo de diaeresis de nomes [6]. O fato de a discussão, na qual Sócrates se refere a Hermógenes, ocorrer no tratado A Verdade sugere que a doutrina da correção dos nomes pode ter sido desenvolvida por Protágoras em relação com a doutrina de tornar um logos mais correto (orthos) do que o outro logos ao qual era oposto; mas, na ausência de detalhes só podemos especular como é que tudo isso se encaixava.
No restante do diálogo, isto é, naturalmente, na parte principal, Sócrates procede a um extenso exame, primeiro da tese de Hermógenes de que a correção das palavras depende simplesmente do acordo dos usuários sobre quais nomes devem ser aceitos como corretos e, depois, da tese de Crátilo, segundo a qual há uma base natural para a sua correção. Sócrates argumenta, de ponta a ponta, que a correção dos nomes procede de sua função de indicar a natureza das coisas nomeadas (ver, p. ex., 422d1-2), e supõe que fazem isso mediante um processo de imitação da coisa em questão. Mas as coisas que encontramos em nossa experiência são, do ponto de vista cognitivo, inconsistentes, porque sempre são e não são ao mesmo tempo. Isso as torna incapazes de corresponder plenamente aos nomes que usamos num discurso significativo — problema que já havia sido apresentado por Parmênides. A solução de Platão, contudo, não foi nem renunciar à linguagem, nem abandonar de vez o mundo da experiência mas, antes, a invenção de um “Terceiro Mundo”, o das Formas platônicas. Essas Formas são como que deliberadamente imaginadas para satisfazer os requisitos de serem objetos de referência e significado linguísticos satisfatórios. Mas, embora de certa maneira possam ser descritas como deliberadamente imaginadas, em outro sentido, naturalmente, isso é falso — para Platão são entidades reais, os constituintes definitivos da realidade.
As Formas platônicas foram assim destinadas a servir de referentes fundamentais para os nomes. Objetos perceptíveis, em relação aos quais esses mesmos nomes tendem a ser usados na fala cotidiana sobre o mundo, constituem uma espécie de esfera de referência derivada ou secundária. A introdução dessa distinção entre referentes primários e secundários tem sido corretamente vista como um primeiro passo na direção de uma distinção entre significação e referência. Uma das dificuldades com que se defronta a teoria da significação referencial, que propunha a relação um-a-um entre nomes e objetos fenomenais, era, como já vimos, que um nome para o qual não havia nenhum objeto correspondente a ser encontrado no mundo fenomenal poderia não ter sentido algum, porque não havia nada a que ele estaria de fato se referindo. Se pudermos dizer que a palavra possui sentido independentemente de ser ou não, de fato, usada para se referir a alguma coisa, então poderemos dizer que o problema está resolvido, ou, pelo menos, que está reduzido a proporções mais tratáveis. Foi exatamente isso que os estoicos realizaram, parcialmente, com a sua doutrina do lekta imaterial associado, como significações, a palavras e pensamentos, em um mundo no qual os únicos objetos reais eram todos materiais e corpóreos.
Mas não é provável que Platão tenha chegado até aí. Ele permaneceu sempre comprometido, ao que parece, com uma teoria da significação puramente referencial. O Crátilo conclui com a afirmação de que, embora possam ser dados e, portanto, possam ser atribuídos por uma espécie de acordo, os nomes somente serão corretamente dados por aqueles que têm um conhecimento direto da realidade imutável, isto é, do mundo das Formas, e que compõem os nomes de tal maneira que são semelhantes às coisas nomeadas e são imagens delas. Esta é a contribuição de Platão para o problema que herdou dos sofistas. Ele resolveu o problema da linguagem correta alterando a realidade para se ajustar às necessidades da linguagem, em vez de fazer o inverso.
8 – A doutrina do logos na literatura e na retórica
Alguns aspectos da vida em Atenas, na segunda metade do século V a. C., poderiam sugerir que o que estava acontecendo era uma mudança bastante fundamental em direção a uma sociedade na qual o que as pessoas pensavam e diziam começava a ser mais importante do que os fatos reais. Na sua forma moderna extrema, isso leva à doutrina de que não há fatos, nem verdade, apenas ideologias e modelos conceituais; e a escolha entre eles é uma questão individual, talvez dependente das necessidades ou preferências pessoais, ou talvez influenciada pelo pensamento dos grupos sociais tratados como unidades, mas de forma alguma estabelecida por outros meios além desses. O que aconteceu no século V a. C. dificilmente chegou a isto. Mas o que emergiu, de fato, foi a compreensão de que a relação entre discurso e fato real está longe de ser simples. Embora seja provável que os pensadores do século V estivessem, todos, preparados para aceitar que há e deve haver sempre uma relação entre os dois, havia uma crescente compreensão de que o que está frequentemente envolvido não é simplesmente a apresentação do fato em palavras mas, antes, uma representação que envolve, no processo, considerável grau de reorganização. Esse despertar do que foi chamado de autoconsciência retórica é uma característica tanto da literatura contemporânea como da discussão teórica no século V. Foi esse alargamento do fosso entre retórica e realidade quê levou Platão, no Górgias, a contrastar retórica e filosofia, e a condenar a prática da primeira; e, depois, no Fedro, a argumentar a favor de uma retórica reformada, baseada na dialética e na psicologia, como uma possível servidora da filosofia.
O poder da retórica não foi, é claro, uma descoberta da geração dos sofistas. Sua importância era já conhecida de Homero e provavelmente nenhum dos primeiros poetas subestimava a importância de sua própria atividade no uso das palavras. Mas a teoria da literatura e a arte da retórica foram, em grande parte, criação do período sofista. Nossa melhor informação se encontra nas duas obras existentes de Górgias, escritas em forma de declamações retóricas, mas que têm certamente propósitos mais sérios, o Elogio de Helena (DK 82B11) e o Palamedes (DK 82B11a). O propósito do Helena é declarado: libertar Helena da culpa por ter feito o que fez ao deixar seu lar e seu marido para ir para Troia com Páris; mostrar que os que a condenam estão falando falsamente e, ao indicar a verdade, pôr fim à ignorância deles (par. 2). O acento na verdade, aqui, é enfático, e mostra que não há, em Górgias, a intenção de negar a existência do fato. Com efeito, só é possível engano em relação ao que é realmente verdade. São consideradas, a seguir, quatro possíveis explicações para o comportamento de Helena: (1) que foi por decreto dos deuses e da Necessidade, (2) que ela foi levada à força, (3) que foi persuadida pelo poder do discurso (logos) e (4) que foi tudo obra do Amor. No primeiro caso, deus é uma força mais forte que o homem, seguindo-se, daí, que deus é que é o culpado, não o ser humano mais fraco. No segundo caso, deve-se ter pena da mulher em vez de condená-la, e é o bárbaro que a sequestrou que merece palavras de condenação, perda de direitos civis por lei (nomos), e punição de fato.
Algumas dificuldades, contudo, podem ser levantadas no terceiro caso, quando é o logos que persuade, e a resposta é desenvolvida, um tanto longamente, por Górgias. Como é que a persuasão livra de culpa a pessoa que foi persuadida a fazer o que quer que seja que tenha feito? A réplica de Górgias parece ser dupla. Em primeiro lugar (pars. 8-10), é dada ênfase ao enorme poder do logos. Isso se vê nas experiências emocionais, tanto as bem-vindas como as indesejáveis, produzidas tanto pela poesia como pela maestria da prosa. Mas há uma segunda maneira também pela qual o logos age sobre a alma humana (pars. 10-14). A maioria dos homens é incapaz de recordar o que de fato aconteceu, ou de investigar o presente, ou de adivinhar o futuro. De modo que, na maioria das questões, eles usam a Opinião (Doxa) como um conselheiro para suas almas. Essa opinião, contudo, não é confiável e pode fazer a pessoa tropeçar e cair, com consequências infelizes para si mesma. O logos é capaz de agir persuasivamente nessa opinião porque a opinião não é conhecimento e, por isso, é fácil de mudar. Isso se pode ver em três exemplos. Primeiro, o caso dos que discutem os corpos celestes, os meteorologoi. Estes substituem uma opinião por outra, removendo uma e formando outra em seu lugar, e fazem com que as coisas que não se vêem, e às quais falta credibilidade, se tornem aparentes aos olhos da opinião. O segundo é o caso em que logos está em peremptório debate com logos — como numa disputa em tribunais: aqui, um discurso, pela habilidade de sua composição, não pela verdade de suas afirmações, ao mesmo tempo delicia e persuade uma grande multidão. O terceiro caso é aquele em que um filósofo disputa com outro filósofo. Aqui, a rapidez do pensamento obviamente facilita alterar a credibilidade da opinião em questão.
O resultado é que o poder do logos em relação à condição da alma é comparável ao das drogas. Pois diferentes drogas têm diferentes efeitos no corpo: algumas curam doenças, e outras põem fim à vida. Assim também com logoi — alguns causam sofrimento, outros prazer e outros medo; alguns instilam confiança e coragem nos ouvintes, enquanto outros envenenam e seduzem a alma com uma espécie de persuasão perversa. A comparação da persuasão com as drogas sugere que Górgias deseja distinguir dois tipos de persuasão, uma boa e outra má. Será, então, a segunda persuasão que operou no caso de Helena. Isto se ajusta bem com a posição atribuída a Górgias no diálogo de Platão que leva o seu nome (449d-457c): retórica, em si mesma, é, para Górgias, simplesmente uma técnica. Como tal, pode ser usada para produzir tanto crença falsa como crença verdadeira, embora Górgias, e seus defensores no diálogo, mantenham todos que ela deve, de fato, ser usada moralmente e não para propósitos imorais. Mas há um problema particular em Helena. No início do Elogio, como vimos, Górgias declara que era sua intenção indicar a verdade (par. 2). Entretanto, ao longo da discussão de logos (nos pars. 8-14), ele fala do logos que persuade produzindo engano (apaté), e da persuasão que é bem-sucedida porque moldou, primeiro, um logos falso. Isso levou à sugestão de que, para Górgias, a única maneira pela qual a persuasão age na opinião é por engano.
Este é um assunto que já foi extensamente discutido [1], mas que não foi ainda totalmente elucidado. É preciso, primeiro, ver a doutrina em relação com o que é dito na segunda e na terceira partes do tratado de Górgias Sobre a natureza (DK 82B3). Temos aí, na segunda parte, a asserção de que, mesmo se as coisas são, não podem ser conhecidas, pensadas ou apreendidas por seres humanos; e, na terceira parte, o argumento segundo o qual, mesmo que pudessem ser apreendidas, ainda assim não poderiam ser comunicadas a uma outra pessoa. Isso acontece porque o meio pelo qual comunicamos é o discurso ou logos, e esse logos não é, e jamais poderá ser, os objetos externamente subsistentes que realmente são. O que comunicamos ao nosso próximo nunca é “essas coisas reais”, mas apenas um logos que é sempre outra coisa diferente das coisas em si mesmas. Nem é mesmo o discurso, diz Górgias, que revela a realidade externa: é o objeto externo que fornece informação sobre o logos.
Conclui-se, daí, que Górgias está introduzindo um fosso radical entre o logos e as coisas às quais ele se refere. Uma vez reconhecido esse fosso, podemos compreender muito facilmente o sentido em que todo logos envolve uma falsificação da coisa à qual se refere — ele jamais conseguirá, segundo Górgias, reproduzir, em si mesmo, por assim dizer, aquela realidade que está irreparavelmente fora dele. Na medida em que afirma reproduzir fielmente a realidade, não passa de engano ou apaté. Todavia, essa é a afirmação que todo logos parece fazer. Portanto, todo logos é, nessa medida, Engano; e no caso da literatura, como na tragédia, por exemplo, tirou-se a interessante conclusão de que o homem que engana é melhor do que o homem que não consegue enganar (DK 82B23). Essa doutrina explica a afirmação no par. 11 do Helena, que se os homens possuíssem mesmo conhecimento, o logos não seria (visivelmente) similar (àquilo do qual eles possuem o conhecimento). No início do Elogio, o que parece que Górgias está dizendo é que para se chegar à verdade é necessário indicar a verdade ou a realidade mesma e não o logos, e isso só pode ser feito mediante a aplicação de algum tipo de processo de raciocínio ao logos em questão (par. 2).
Um pouco mais de luz pode resultar da consideração do segundo dos dois discursos retóricos de Górgias, Defesa de Palamedes (DK 82b11a). De novo nos é dito (par. 35) que se fosse possível que a verdade sobre as coisas se fizesse pura e clara, por meio dos logoi, para aqueles que ouvem, o julgamento seria fácil, pois se seguiria diretamente das coisas que foram ditas. Mas não é esse o caso. O que é preciso é prestar atenção, não aos logoi, mas aos fatos reais. Antes, no discurso, Conhecimento do que é Verdadeiro é contraposto à Opinião (par. 24), e se diz que o logos por si mesmo é inconclusivo a menos que se aprenda também da própria Verdade mesma (par. 4). Finalmente (par. 33) Palamedes declara sua intenção de expor o que é verdadeiro e de evitar engano no processo.
Com base nessas indicações, é possível discernir um modelo conceitual comum subjacente ao argumento, tanto no Helena como no Palamedes. De um lado está o mundo real, rotulado como verdade ou aquilo que é verdadeiro. A cognição desse mundo real é conhecimento. Mas o estado cognitivo mais comum é opinião, não conhecimento, e o logos, que é mais poderoso que a opinião, age sobre a opinião. Ambos são falsos, em contraste com verdade e conhecimento. Mas é possível apelar dos enganos do logos e da opinião, para o conhecimento e a verdade. O efeito desse apelo, embora providencie conhecimento, não remove o incurável caráter falso do logos, visto que o logos não pode nunca ser a realidade que pretende expor. Todavia, há dois tipos de logoi — um melhor, e um pior do que o outro.
A superioridade de um logos sobre outro não é acidental; depende da presença de características específicas. O estudo delas é o estudo da arte da retórica, e seu bom desenvolvimento é a fonte do poder do logos sobre as almas, que se intitula Psychagogia, ou a conquista das almas dos homens, no Fedro (261a) de Platão. Logo depois, no Fedro (267a), nos é dito que o poder do logos faz as coisas pequenas parecerem grandes, e as grandes parecerem pequenas; que pode apresentar as coisas de data recente numa forma antiga, ou contar coisas antigas de maneira nova. Ambos, Tísias e Górgias, tinham argumentado que as coisas que são prováveis merecem mais respeito do que as coisas que são verdade, e é essa capacidade de promover probabilidades que é parte do poder que se encontra no logos. Muito do que é dito aqui, por Platão, é declarado também por Isócrates, no seu Panegírico 7-9; e acrescenta ele que é importante, na oratória, ser capaz de fazer uso adequado dos eventos do passado, e no tempo adequado ou Kairos. Um bom número de referências em outras obras acentua a importância do kairos, ou a escolha do tempo adequado, na retórica; e Dionísio de Halicarnasso não só nos diz que Górgias foi o primeiro a escrever sobre o kairos, mas acrescenta a declaração, infelizmente não incluída no DK, que kairos não é algo a ser alcançado pelo conhecimento — é mais próprio da opinião [2]. Uma referência em Diógenes Laércio (IX, 52) deixa claro que Protágoras também tinha escrito a respeito do kairos. Quando juntamos as doutrinas do Provável ou Plausível e do momento Certo no Tempo e as relacionamos com Opinião (o que os homens pensam ou creem), fica claro que já temos os elementos de uma teoria da retórica que pode ser comparada com as modernas descrições da técnica da propaganda. De fato, talvez se compreenda melhor a Retórica, que é agora um termo fora de moda, se a descrevermos como cobrindo, na Antiguidade, toda a arte de relações públicas e apresentação de imagens. Foi a teoria dessa arte que os sofistas inauguraram.
9 – Relativismo sofista (Primeira parte)
Nas discussões dos três capítulos precedentes os termos logos e logoi foram usados repetidamente. Em grande número de casos eles não foram traduzidos, em outros foram traduzidos diversamente por “afirmações”, “argumentos” e (no singular) por “fala” ou “discurso” e, pelo menos em uma ocasião, pareceu apropriado falar de um logos como ocorrendo “na estrutura das coisas”. Na verdade, uma pesquisa nos dicionários revela imediatamente que a faixa de significados ou aplicações da palavra grega logos é ainda mais larga do que poderia sugerir a variedade de traduções dadas acima. Não é, estritamente falando, com uma palavra com diferentes sentidos que estamos lidando aqui mas, antes, com uma palavra com uma série de aplicações relacionadas, todas, com um único ponto de partida. Esse é um fenômeno que, de acordo com G. E. L. Owen, veio a ser rotulado de “significação focal”, embora talvez “referência focal” fosse uma expressão melhor, visto que o que está envolvido é uma referência extra-linguística a alguma coisa que se supõe ser fato no mundo à nossa volta [1]. No caso da palavra logos, há três áreas principais de aplicação ou uso, todas relacionadas por uma unidade conceituai subjacente. São elas, em primeiro lugar, a área da linguagem e da formulação linguística, portanto fala, discurso, descrição, declaração, afirmação, prova (quando expressa em palavras) e assim por diante; em segundo lugar, a área do pensamento e dos processos mentais, portanto reflexão, raciocínio, justificação, explicação (cf. orthos logos) etc.; em terceiro lugar, a área do mundo, aquilo sobre o que somos capazes de falar e pensar, portanto princípios estruturais, fórmulas, leis naturais e assim por diante, desde que, em cada caso, sejam considerados realmente presentes e exibidos no processo do mundo.
Embora em qualquer determinado contexto a palavra logos pareça apontar principalmente, ou mesmo exclusivamente, para apenas uma dessas áreas, a significação fundamental, usualmente, talvez sempre, envolve algum grau de referência às duas outras áreas também, e isso, acredito, é verdade tanto para os sofistas como para Heráclito, para Platão e para Aristóteles. Por isso, no que se segue, onde por conveniência o termo “argumento” é usado como tradução, deve-se lembrar que isso será enganoso a menos que seja entendido como normalmente referindo-se, em certo grau, a todas as três áreas mencionadas acima.
Diógenes Laércio inicia o seu breve sumário das doutrinas de Protágoras (DK 80A1) com a afirmação: “Ele foi o primeiro a dizer que há dois logoi [argumentos] concernentes a todas as coisas, sendo opostos um ao outro. Foi por meio desses logoi que passou a propor argumentos envolvendo uma série de estágios [2], e foi o primeiro a fazer isso”. Essa doutrina é firmemente associada a Protágoras em outras fontes também (DK 80A20) e, segundo Sêneca (Ep. 89.43), ele queria dizer, com isso, que se pode tomar qualquer lado de uma questão e debatê-la com igual sucesso — até mesmo a questão se todo assunto pode ser debatido a partir de qualquer um dos pontos de vista. É claro que sempre houve argumentos opostos desde que a raça humana se entreteve em argumentar. Mas o aspecto essencial não era simplesmente a ocorrência de argumentos opostos, mas o fato de que ambos os argumentos opostos pudessem ser expressos por um único orador, como se fosse dentro de um único argumento complexo.
Essa doutrina, de fato, era bem conhecida na segunda metade do século V a. C., e não estava confinada em Protágoras. Um fragmento da peça Antiope, de Eurípedes, que não pode ser anterior a 411 a. C., diz: “Em todos os casos, se a pessoa for inteligente no falar, poderia estabelecer um debate de argumentos duplos” (fr. 189N2); é interessante notar que, aparentemente, segundo Aristides, era um ator, na peça, que expressava ambos os argumentos. Em As nuvens, de Aristófanes, produzida pela primeira vez em 423 a. C., há um famoso debate entre dois logoi ou argumentos personificados — o Argumento Justo e o Argumento Injusto. Como já vimos, existe de fato um tratado conhecido como o Dissoi Logoi, ou “Argumentos Duplos” (DK 90), a ser datado provavelmente do início do século IV a. C. Começa declarando “Argumentos duplos concernentes a bons e maus são apresentados, na Grécia, por aqueles que se dedicam à filosofia”, e os três parágrafos seguintes começam da mesma forma, mas discutem respectivamente o belo e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso. Sob cada título são apresentados argumentos opostos ou antitéticos.
O autor do tratado é desconhecido. É, sem dúvida, de caráter sofista, e alguns quiseram atribuí-lo à escola de Protágoras, se é que havia uma. Mas há, aqui, o perigo de circularidade no argumento. A técnica de argumentos opostos é certamente atribuída a Protágoras. Mas, enquanto não ficar estabelecido que estava confinada nele, não se deve concluir que todos os outros exemplos procedam exclusivamente dele. De fato, há testemunhos de que essa maneira de ver as coisas era bem uma característica da época. Além das referências já dadas, eu citaria a passagem em Vida de Péricles 4.3, de Plutarco, segundo a qual
Péricles era também aluno de Zenão, o Eleático, que discursava sobre física, como Parmênides, e que aperfeiçoou um tipo de habilidade para questionar adversários, num argumento, que os levava a um estado de aporia através de argumentos opostos [di’ analogias]; assim se expressou Timon de Flius, quando falou do grande poder, cujo efeito jamais falhou, do homem de língua de dois gumes, Zenão, que tinha o domínio de todas as coisas.
Aqui, Timon está identificando, corretamente, o procedimento com o método pelo qual Zenão reduzia seus adversários ao silêncio, mostrando-lhes que suas posições preferidas eram contraditórias pelo fato de implicarem também a negação de si mesmas. Como já vimos, esse é o método da antilógica, e talvez seja o aspecto mais característico do pensamento de todo o período sofista.
Depois de mencionar a doutrina dos dois logoi opostos, Diógenes de Laércio prossegue citando a famosa declaração, manifestamente do início de um dos escritos de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, quanto a como são, e das coisas que não são, quanto a como não são”. O título da obra é dado por Platão (Teeteto 161c) como sendo Sobre a verdade, ao passo que Sexto Empírico (DK 80A1) diz que ela está no início de Escritos demolidores, possivelmente um outro nome para a mesma obra. A interpretação dessa famosa sentença tem sido tema de discussão desde o tempo de Platão até os nossos dias. Na realidade, não seria exagerado dizer que a compreensão correta de seu sentido nos levará diretamente ao coração de todo o movimento sofista do século V. Alguns pontos que foram temas controvertidos no passado podem agora ser considerados razoavelmente resolvidos. Proponho simplesmente fazer uma lista deles a fim de guardar lugar para outros temas de controvérsia. O homem que é a medida é cada homem individualmente, como você e eu, e certamente não a raça humana, ou a humanidade tomada como uma entidade em si. Em segundo lugar, o que é medido nas coisas não é a sua existência e não-existência, mas o modo como são e o modo como não são, ou, em termos mais modernos, quais são os predicados que devem lhes ser atribuídos como sujeitos em sentenças sujeito-predicado. Diz Platão, no Teeteto, 152a6-9), imediatamente após citar a afirmação, que isso significa que “cada grupo de coisas é para mim tal como me aparece, e é, para você, tal como lhe aparece”. O exemplo típico, mais tarde, na Antiguidade é este: se o mel parece doce para alguns e amargo para outros, então ele é doce para aqueles aos quais parece doce e amargo para aqueles aos quais parece amargo.
Mas se isso seria, hoje, provavelmente aceito pela maior parte dos estudiosos, só até aí se pode chegar com segurança — o resto é assunto de debate e de alguma dificuldade. A questão mais controvertida concerne à natureza e à situação das coisas das quais o homem é a medida. Será conveniente resumir a discussão de Platão no Teeteto, onde se dá um exemplo. Protágoras tinha dito que o homem é a medida de todas as coisas, querendo dizer que cada grupo de coisas é para mim tal como me aparece e é para você tal como lhe aparece. Assim, no caso do vento, às vezes quando o mesmo vento está soprando ele é frio para uma pessoa e, para outra, não. Nesse caso, portanto, Protágoras diria que o vento é frio para aquela que sente frio, e não é frio para a outra. Ora, é claro que essa teoria implica a rejeição da percepção cotidiana de que o vento em si mesmo ou é frio, ou não é frio, e uma das pessoas que o sente se engana supondo que o vento é tal como lhe parece e a outra está certa. Mas restam pelo menos três possibilidades: (1) não há um único vento, más dois ventos particulares, o meu vento que é frio, e o seu vento que não é. (2) Há um vento (público), mas não é nem frio nem quente. A frieza do vento só existe particularmente para mim quando tenho a sensação de frio. O vento mesmo existe independentemente da minha percepção dele, mas a sua frialdade, não. (3) O vento em si mesmo é ao mesmo tempo frio e quente — quente e frio são duas qualidades que podem coexistir no mesmo objeto físico. Eu percebo uma, você percebe a outra.
Todas essas três visões têm seus defensores modernos, embora a divisão maior seja entre os que defendem (2) e os que defendem (3) [3]. Chamarei a (2) de opinião subjetivista (embora o termo subjetivista pudesse claramente ser aplicado também, em sentido ainda mais forte, a (1)), e de opinião objetivista a (3). Mas é preciso compreender que (2) incluirá a opinião de que a percepção baseia-se, de modo causal, nos aspectos de fato presentes no mundo objetivo. Esses fatores causativos podem bem, numa opinião comumente sustentada, ser a fonte dos conteúdos das percepções de um indivíduo. Mas o que ele percebe são os resultados dessas causas, não os próprios fatores causativos; como esses resultados são determinados pelo impacto dos fatores causativos em si mesmo enquanto sujeito, e vão variar de pessoa a pessoa, de acordo com as diferenças no sujeito, será conveniente e, espero, não muito ilusório continuar a incluir essa teoria sob o título de teorias subjetivistas.
Depois de explicar que com a doutrina do homem-medida Protágoras queria dizer que o vento era frio para o homem a quem ele parecia frio e não era frio para o homem a quem não parecia ser frio, Platão continua dizendo, no Teeteto (152b9), que parecer é o mesmo que ser percebido, e conclui que Percepção, então, é sempre daquilo que é, e é infalível, sendo o mesmo que conhecimento. Agora, como a expressão “aquilo que é” é quase regularmente usada em Platão para se referir à realidade objetiva, permanente, enquanto distinta dos padrões mutáveis do mundo das aparências, isso parece favorecer mais a interpretação (3) do que a interpretação (2). Mas essa inferência dificilmente se justifica, no presente caso, visto que a doutrina do homem-medida não é um critério para a existência mas, sim, para determinar como as coisas são, no sentido de quais predicados devem lhes ser aplicados. Em outras palavras, ao dizer que a percepção é sempre daquilo que é, poderíamos entender que isso significa que, para Protágoras, percepção de um objeto branco é sempre a percepção de que ele é branco.
Mais importante para nosso propósito aqui é a afirmação de que percepções como tais são infalíveis. Isso significa que cada percepção individual, em cada pessoa individual e em cada ocasião individual é, estritamente falando, incorrigível — não pode nunca ser corrigida mediante comparação com a percepção de outra pessoa que difere da minha, nem por outro ato de percepção por mim mesmo em outra ocasião, mesmo que seja apenas um instante depois de minha primeira percepção. Se alguma coisa me parece doce, então é doce para mim, e isso não pode ser refutado pela experiência de outra pessoa que a percebe não como doce, mas como amarga, e assim por diante. Essa asserção é de considerável importância filosófica e o fato de ter sido proposta por Protágoras é certamente prova bastante clara de que, ao propô-la, Protágoras estava filosofando. Pois constitui a doutrina de que todas as percepções são verdadeiras.
Mas as conseqüências dessa posição filosófica não são insignificantes. Se todas as percepções são verdadeiras, segue-se que não há percepções falsas. Se todas as percepções são incorrigíveis, então não devem ser corrigidas, nem devem ser refutadas mediante a contraposição de outros atos de percepção, seja pela mesma pessoa, seja por outra. Que essas consequências foram de fato tiradas no período sofista, creio que pode agora ser estabelecido da seguinte forma. O ponto de partida deve ser o argumento no Eutidemo 283 e-286d, de Platão. Aí se afirma que “não é possível contradizer”, querendo dizer, com isso, que não é possível a uma pessoa contradizer a outra (ouk estin antilegein). Essa doutrina paradoxal está baseada numa segunda asserção paradoxal, a saber, que não é possível dizer o que é falso. Este segundo paradoxo é defendido da seguinte maneira.
Quem diz a verdade está falando qual é o caso daquilo que é o caso. A pessoa que fala de maneira inverídica está falando o que não é o caso daquilo que não é o caso. Mas aquilo que não é o caso simplesmente não existe. De modo que uma pessoa que diz o que não é caso não está falando de coisa alguma. Está usando palavras mas elas não se referem a nada porque aquilo ao que elas parecem estar se referindo simplesmente não existe. Daí se segue, argumenta-se, que se duas pessoas fazem uma afirmação, ou (1) dizem a mesma coisa, e nesse caso não há contradição, ou (2) uma pessoa está dizendo qual é o caso, isto é, o que é verdadeiro porque a coisa a respeito da qual está falando é tal como ela diz que é, e a outra pessoa está dizendo alguma coisa diferente do que diz a primeira pessoa. Isto também é o caso e, portanto, é verdadeiro, mas, porque é verdadeiro, será sobre alguma coisa diferente daquilo sobre o qual a primeira pessoa estava falando. Portanto as duas pessoas estão falando de coisas diferentes. Suas afirmações aparentemente conflitantes não constituem uma contradição porque não estão falando da mesma coisa, ou (3) uma pessoa está dizendo qual é o caso, isto é, o que é verdadeiro porque a coisa da qual está falando é como ela diz que é. A outra pessoa está dizendo alguma coisa verbalmente diferente, do tipo que geralmente se diz que é inverídico. Mas porque é inverídico não é, absolutamente, sobre alguma coisa e, portanto, não é sobre aquilo a que se referia a afirmação feita pela primeira pessoa. Ela está usando meras palavras que não se referem a nada e, portanto, não está contradizendo a afirmação verdadeira feita pela primeira pessoa.
Este, ou algo parecido com isso, é o argumento desenvolvido no Eutidemo. Ambas as asserções, que não é possível contradizer e que não é possível dizer o que é falso, têm uma longa história subsequente. Aristóteles (Met. 1024b32, Top. 104b21) atribuiu ambas a Antístenes, embora não diga que tiveram sua origem nele. Antístenes aparentemente ainda estava vivo em 366 a. C. e, com base nisso, tem sido comum negar que qualquer uma das doutrinas tivesse alguma coisa a ver com o movimento sofista. Os testemunhos contra essa opinião, entretanto, sempre foram consideráveis. Imediatamente após o relato no Eutidemo, resumido acima, Platão faz Sócrates dizer (286c1) que “tem ouvido esse argumento de várias pessoas em várias ocasiões — pois Protágoras e os que lhe estão associados costumavam fazer grande uso dele, como o fizeram outros ainda antes dele”. Se não bastasse isso, temos também uma afirmação, no Crátilo (429c9-d3), de que há muitos, tanto agora como no passado, que dizem que é completamente impossível dizer coisas que são falsas. Certamente baseado em testemunhos como esse, Filopono, no século VI d. C., não tinha dúvida de que a doutrina pertencia de fato a Protágoras (in Cat. 81.6-8).
Mesmo assim, a posição poderia ter parecido a alguns ainda duvidosa, na falta de novos testemunhos. Inesperadamente, surgiu um. Em 1941, descobriu-se parte de um papiro com um comentário sobre o Eclesiastes, provavelmente de autoria de Dídimo o Cego (século IV d.C.). Uma passagem dele, de grande interesse e importância, se tornou acessível em 1966, ao ser publicada por dois especialistas, G. Binder e L Lisenborghs [4]. O que aí é dito é o seguinte:
Uma afirmação paradoxal de Pródicos nos é transmitida no sentido de que não é possível contradizer (ouk estin antilegein)… isto é contrário à ideia e à opinião de todos os homens. Pois todos os homens contradizem tanto nas suas transações cotidianas como em questões de pensamento. Mas ele diz dogmaticamente que não é possível contradizer. Pois, se duas pessoas se contradizem, ambas falam. Mas é impossível que ambas estejam falando com referência à mesma coisa. Pois ele diz que só a que está dizendo a verdade e que proclama as coisas tais como são realmente é que está falando delas. A outra, que está se opondo a ela, não fala da coisa, não fala a verdade.
Na tradição doxográfica, Pródicos é mencionado como aluno de Protágoras (DK 84A1), e a passagem justifica completamente a atribuição da doutrina segundo a qual não se pode contradizer o período sofista em geral e, em particular, Protágoras e seus discípulos.
Podemos agora voltar à doutrina do homem-medida e ao exemplo dado no Teeteto. No caso de discordâncias de percepção entre duas ou mais pessoas, não é possível que qualquer das afirmações feitas envolva falsas descrições do que está sendo descrito. Para o homem a quem o vento parece frio, ele é frio; e para o homem a quem ele parece quente, ele é quente. Ambas as afirmações são verdadeiras e não há, aqui, possibilidade de falsidade. Mas, da mesma forma, não há contradição — as duas afirmações não são sobre a mesma coisa, visto que cada homem está falando apenas de sua própria experiência, ou daquilo a que se refere a sua própria experiência. Ele não tem acesso à experiência do outro homem ou àquilo a que se está referindo na experiência do outro homem, e não pode fazer sobre isso nenhuma afirmação significativa.
No caso, então, em que algo assim estivesse envolvido na doutrina da percepção de Protágoras, tal como expresso na sua doutrina do homem-medida, como relacionar isso com a sua afirmação “concernentes a todas as coisas há dois logoi, um oposto ao outro”? Surgem duas dificuldades. Primeiro, se as percepções de cada um deles são verdadeiras, e elas constituem logoi, poderia parecer que concernentes a todas as coisas não haveria dois logoi, mas um número muito maior, a saber, tantos quantos as diferentes percepções de diferentes pessoas, seja agora, ou no passado ou no futuro. A resposta poderia ser que a grande variedade de experiências de percepção se reduzirá sempre a apenas duas, quando se toma uma como ponto de partida. Todas as cores diferentes de vermelho são sempre, necessariamente, não-vermelhas; todos os sabores diferentes do doce serão sempre, necessariamente, não-doces. Portanto, os dois logoi opostos seriam compreendidos, respectivamente, como A e não-A. Mas isso leva a uma objeção mais grave. A e não-A são claramente contraditórios. Se, para Protágoras, há sempre, de fato, dois logoi opostos concernentes a todas as coisas, e todos os logoi são verdadeiros, o que aconteceu com a doutrina segundo a qual é impossível contradizer? Este é um problema que não se colocou tão nitidamente na interpretação mais antiga de Protágoras, porque, na visão mais antiga, ele não sustentava que é impossível contradizer. Mas era um problema que sempre esteve lá, visto que a doutrina do homem-medida parece exigir que não haja nunca logoi opostos sobre a mesma coisa; eles são sempre sobre coisas diferentes; por exemplo, minha experiência e sua experiência são coisas diferentes, não uma e a mesma coisa. Se, como agora vimos razão para supor, há forte indício de que, de fato, Protágoras sustentava que a contradição é impossível, parece que temos um conflito direto com a doutrina dos dois logoi opostos.
Mas há uma resposta possível. O que é preciso é reconhecer que há dois diferentes níveis envolvidos. Como afirma a passagem de Dídimo, as pessoas de fato se contradizem uma à outra, no sentido de que opõem negativamente uma afirmação à outra, tanto na vida cotidiana como no argumento filosófico. Não há, provavelmente, situação alguma na qual isto seja, pelo menos psicologicamente, impossível, e isso foi reconhecido na citação da Antiope de Eurípides. O que é necessário que se diga é que no nível verbal é possível a contradição, mas que isso não se aplica ao nível das coisas sobre as quais estamos falando. Pois quando estabelecemos aparentes contradições, no nível das palavras, elas são só aparentes, e se ambas as afirmações têm sentido será porque são sobre coisas diferentes, não são sobre a mesma coisa.
Esta explicação tem a vantagem de nos permitir entender uma afirmação histórica que, infelizmente, não tem sido regularmente incluída nas coleções de passagens relativas aos sofistas. No início de sua composição sobre Helena, escrita talvez por volta de 370 a. C., Isócrates fala de “homens que envelheceram afirmando que é impossível dizer coisas que são falsas, ou contradizer, ou opor dois argumentos (logoi) concernentes às mesmas coisas”, e opõe esses homens, como grupo, a outros (que parecem ser platônicos) que mantêm a unidade das virtudes. E prossegue dizendo que, infelizmente, essa evolução não é apenas recente — todo mundo sabe que Protágoras e os sofistas de seu tempo nos deixaram escritos exibindo coisas desse tipo —, e então menciona Górgias, Zenão e Melissos. Em primeiro lugar, deve-se notar que essa passagem reúne três princípios — a doutrina dos dois logoi, a impossibilidade de falsidade e a impossibilidade de contradição, em relação a um único grupo de homens. Mas fala da impossibilidade da doutrina dos dois logoi, quando a Protágoras se atribuía a sua asserção positiva. Isso significaria que, afinal de contas, não é a Protágoras que se faz referência?
Não é isso. A formulação tradicional da doutrina dos dois logoi dizia que há dois logoi concernentes a todas as coisas. O que Isócrates diz é que “eles” sustentam que é impossível haver dois logoi concernentes às mesmas coisas (no plural). Em outras palavras, quando há dois logoi, eles concernem não a uma mesma coisa, mas a coisas diferentes. Não poderia ser que Isócrates esteja correto por estar preservando a resposta dada, no círculo de Protágoras, exatamente à dificuldade que estávamos discutindo? [5] Nós sabemos que, em certo sentido, Protágoras tinha atacado a doutrina segundo a qual a realidade era Uma (DK 80B2).
Mas, se há dois logoi concernentes a todas as coisas, como é possível manter, ao mesmo tempo, que quando há dois logoi estes não se referem à mesma coisa mas a coisas diferentes? De fato, no Teeteto, não disse Sócrates (152b2) “quando o mesmo vento está soprando, uma pessoa o sente frio e outra não” — sugerindo, assim, que o vento é uma coisa, não duas coisas? A isso a resposta deve ser, obviamente, sim. Mas, nesse caso, o que aconteceu com a sugestão de que há duas coisas envolvidas, em vez de uma? A resposta só pode ser que uma coisa é a que funciona como sujeito, e os dois logoi são o que é expresso por termos predicados aplicados, por exemplo, ao vento, enquanto sujeito. Isso explicaria por que Aristóteles trata habitualmente a doutrina do homem-medida de Protágoras como implicando uma negação da lei da não-contradição. Para Protágoras, o mesmo vento é quente e não-quente (= frio). Isto envolve duas afirmações contraditórias, a saber, “o vento é quente”, e “o vento não é quente”, e até esse ponto os que fazem essas duas afirmações estão falando da mesma e única coisa. Todavia, na medida em que se considera o vento como contendo, ao mesmo tempo, duas qualidades, ou substâncias, a saber, quente e frio, também é verdade que as afirmações “o vento é quente” e “o vento é frio” se referem a duas coisas diferentes, a saber, o quente no vento e o frio no vento. Ambas as afirmações podem ser verdadeiras, sem contradição, visto que as duas afirmações são afirmações sobre coisas diferentes. Convém, aqui, mencionar a casual sobrevivência de uma passagem do livro de Protágoras, Sobre aquilo que é, citada por Porfirio (DK 80B2), na qual Protágoras argumentava longamente, usando uma série de demonstrações, contra os que apresentavam o ser como um. Podemos inferir que Protágoras insistia em que aquilo que é não é um, mas uma pluralidade em todas as ocasiões.
Evidentemente algumas das minuciosas interpretações sugeridas aqui estão abertas a contestação. O que quero sugerir é que há dados convincentes em favor da tentativa de interpretar a doutrina de Protágoras como uma contribuição intencional, séria, para um problema filosófico sério. Volto-me, em seguida, para a questão de saber até que ponto isso era algo a ser associado somente com Protágoras, e até que ponto representa uma abordagem partilhada também por outros sofistas, ou até pelo movimento sofista como um todo. Já tivemos ocasião de considerar o surpreendente novo testemunho que deixa claro que Pródicos estava ligado exatamente a esses problemas. Mas e os outros? Aqui, o testemunho disponível não é novo. Mas clama realmente, creio eu, por uma nova abordagem, não obnubilada pelas pressuposições tradicionais como acontece frequentemente no estudo dos sofistas.
O testemunho mais importante se encontra no tratado de Górgias intitulado, segundo Sexto Empírico, Sobre aquilo que não é ou sobre a natureza. Temos dois sumários distintos dessa obra, um preservado por Sexto (ver DK 82B3) e o outro, na terceira seção de um fragmento de texto em estilo doxográfico, erroneamente atribuído a Aristóteles e, por isso, incluído no Corpus de seus escritos sob o título “Sobre Melissos, Xenófanes e Górgias” — ou, abreviadamente, De MXG. Nesse tratado Górgias apresentou o seu argumento em três estágios: (1) nada é, (2) se é, não pode ser conhecido pelos seres humanos, (3) e se é, e é cognoscível, não pode ser indicado e tornado significativo para outra pessoa.
A interpretação do que Górgias está dizendo é difícil, e o certo é que ainda não está à vista uma compreensão unânime do seu sentido geral, sem falar dos seus argumentos detalhados. Contudo, sua importância dificilmente poderá ser superestimada. Afinal de contas, é o que mais próximo temos, ou jamais teremos, de uma apresentação técnica completa de um argumento sofista articulado do século V a. C. É um texto mais técnico e mais organizado do que o Dissoi Logoi, como qual, sob outros aspectos, pode ser comparado. O seu tratamento pelos estudiosos sintetiza, de várias maneiras, o problema da abordagem erudita do movimento sofista como um todo. Houve basicamente três estágios [6]. Durante muito tempo pensou-se que não tinha intenção séria, mas fora composto simplesmente como uma paródia ou uma pilhéria sobre filósofos, ou, na melhor das hipóteses, um exercício puramente retórico de argumentação.
De modo geral, é provável que essa visão não mais impere, embora ainda tenha defensores. Por isso Guthrie pôde escrever, a respeito do argumento apresentado na primeira das três seções da obra: “É tudo, claro, uma bobagem interessante” [7]. Um segundo estágio é alcançado por aqueles que estão preparados a levá-la a sério e a tomaram como um ataque geral e cuidadosamente orquestrado contra as doutrinas filosóficas dos eleáticos e, por extensão, contra as doutrinas de certos filósofos físicos entre os pré-socráticos. Esse tipo de interpretação toma o verbo “ser”, no tratado de Górgias, no sentido de “existir”. A primeira parte, então, argumenta que Nada existe, e passa a demonstrar isso argumentando que Não-ser não existe, tampouco Ser existe. Isso é dirigido contra a asserção de Parmênides de que somente o Ser existe e Górgias, com os seus argumentos, chega a uma posição de niilismo filosófico. Parmênides tinha destruído o mundo multiforme das aparências, mas reteve o mundo unitário do Ser Verdadeiro; Górgias apagou a lousa inteira, e ficou com simplesmente — Nada.
Um dos atrativos desse segundo estágio na interpretação do tratado de Górgias era o fato de colocar Górgias firmemente, mesmo se um tanto destrutivamente, dentro da corrente principal da história da filosofia. Creio que isso permanece como requisito para uma interpretação correta. Mas, entrementes, houve algumas mudanças algo radicais em consequência das quais talvez estejamos à vista de uma melhor compreensão do curso geral da história da filosofia grega.
Resumindo, nossa abordagem de Parmênides e dos eleáticos tende a ser, agora, um tanto diferente do que era há um século ou mesmo há meio século. Isso resulta, em parte, de um exame mais atento dos fragmentos existentes e da tradição doxográfica, no caso de Parmênides, e em parte de uma reavaliação mais geral da interpretação filosófica do verbo “ser” no grego, tanto antes como depois dos sofistas. Numa importante pesquisa começando por Homero, Charles Kahn notou a dificuldade de fazer qualquer distinção sintática firme entre o uso do verbo de forma absoluta, isto é, sem nenhum predicado, como em “X é”, e a sua construção predicativa, como em “X é Y”. E contestou o uso do primeiro, ou o uso absoluto, como “existencial”. De fato, ele tende a tratar ambos os usos basicamente como sinais de asserção, reduzindo ambos, o uso “existencial” e o uso “predicativo”, a um uso mais fundamental que está muito mais próximo do “predicativo” do que do “existencial” [8]. Depois, num artigo de importância fundamental, G. E. L. Owen [9] argumentou que no diálogo Sofista de Platão, a discussão não inclui, nem obriga nenhum isolamento de um verbo existencial, e que ele se revela como sendo primariamente um ensaio em problemas de referência e predicação. Em terceiro lugar, essa nova abordagem foi aplicada diretamente a Parmênides, sobretudo por A. P. D. Mourelatos [10], com a conclusão de que Parmênides não estava interessado diretamente na existência e não-existência, mas antes em distinguir, entre duas vias, uma positiva na qual dizemos “x é F”, e uma negativa na qual dizemos “x não é F”. É a segunda via que Parmênides está condenando em favor da primeira como a única via possível.
Tudo isso importa em uma enorme mudança de ênfase. Da opinião de que boa parte da filosofia grega se preocupava primariamente com problemas de existência, passa-se para a opinião de que a preocupação, nesses casos, era mais com o que chamaríamos de problemas de predicação, que eles tendiam a tratar mais como problemas da inerência de qualidades e características dos objetos no mundo real à nossa volta. Isso me leva ao que eu gostaria de considerar o terceiro estágio na abordagem do tratado de Górgias, a saber, sua interpretação à luz dos problemas de predicação. Essa abordagem é relativamente nova, e é controvertida. Não posso tentar justificá-la, aqui, com análise e argumentação detalhada [11]. Mas após alguma reflexão concluí que seria melhor apresentar simplesmente minha interpretação do tratado como um todo, sem mais explicações, mesmo que não tenha valor. Direi simplesmente que, mesmo que venha a ser julgado totalmente errado nessa questão, não estaria, de forma alguma, em conflito com o caráter antilógico do tratado. A discordância não seria sobre a questão do argumento de Górgias ser construído sobre contradições inferidas e logoi opostos — de fato é, claramente — mas somente sobre a natureza e as aplicações dos logoi opostos.
Nessa opinião, é principalmente no uso predicativo do verbo “ser” que Górgias está interessado, e com as contradições que isso parece gerar. Ele está argumentando que não há como aplicar o verbo “ser” a um sujeito sem que surjam contradições, e está pensando principalmente nas declarações acerca de fenômenos. Essas contradições, os eleáticos tinham identificado no caso de declarações negativas; para Górgias elas também se verificam nas declarações positivas.
Para a primeira parte do tratado, é provável que o texto do De MXG seja uma representação mais fiel do original do que a versão dada por Sexto. Nas duas versões, a primeira parte se iniciava com a afirmação de que nada é. No De MXG é dado um argumento especial para estabelecer isso, imaginado pelo próprio Górgias — não é possível a qualquer coisa ser ou não ser. Suponha que algo seja capaz de não ser, o fato de que é (capaz disso) significa que é. Mas se é (tomado como uma alternativa à suposição de que é capaz de não ser), aí nos defrontaremos com uma série de opções — ou é um, ou é muitos, ou é não-gerado ou é alguma coisa que foi gerada. Argumentos derivados, em parte, de Zenão e Melissos, são aduzidos para mostrar que nenhuma dessas quatro opções é possível. Se não é nenhuma das alternativas emparelhadas, também certamente não são ambas as alternativas juntas. Se não é nenhuma dessas três possibilidades, não é absolutamente nada, visto que só há essas três possibilidades.
O que é isso de que se está falando aqui? Parece-me haver claras indicações de que Górgias está interessado em cada uma e todas as coisas, não importa o que, incluindo-se, acima de tudo, os objetos fenomenais. Isso é fortemente sugerido pelo uso da palavra pragmata (“coisas”) no plural (979a27-28), apoiado por mais duas referências gerais em Isócrates, que diz, no Helena (X, 3): “Pois poderia alguém superar Górgias, que ousava declarar que nenhuma das coisas que são é”, e no Antidosis (XV, 268), onde menciona Górgias como o último de toda uma série de “velhos sofistas, dos quais um disse que a soma das coisas é feita de um número infinito de elementos, Empédocles de quatro… Parmênides e Melissos de um, e Górgias de nenhum” (ambas as passagens em DK 80B1) [12]. Esta última passagem, especialmente, fortalece a opinião segundo a qual Górgias estava interessado não só em atacar os eleáticos mas também os pluralistas entre os pré-socráticos.
A segunda parte do tratado argumenta que, mesmo que disséssemos de alguma coisa que ela é, ela seria incognoscível e impensável por qualquer ser humano. A maneira como isso é discutido é, filosoficamente, de considerável interesse e a questão de sua real validade é apenas parte desse interesse, talvez uma parte relativamente pequena. Não podemos dizer que as coisas sendo pensadas são — se disséssemos isso teríamos de dizer que todas as coisas sendo pensadas são, e que são tal como são pensadas, isto é, possuem as qualidades presentes a elas no pensamento. Assim, se pensarmos em um homem voando, ou em carros apostando corridas no mar, seguir-se-ia que um homem está de fato voando ou que carros estão de fato apostando corrida no mar. Assim, de modo geral, se supomos que qualquer coisa que alguém pense é, então não haveria mentira. Portanto, concluímos, não se pode dizer que o que um homem pensa é. A partir disso se argumenta que o que é não é capaz de ser pensado. Portanto, se alguma coisa é, não será pensável.
Talvez o principal interesse desse argumento seja a maneira como ele abre um contraste, de fato um fosso, entre atos mentais cognitivos (pensamentos, percepções etc.) e os objetos que eles conhecem ou pretendem conhecer. Parece que se está dizendo que para que qualquer coisa seja conhecida ou pensada a mente deve ter (isto é, repetir ou reproduzir e, portanto, ela mesma possuir) as características próprias do objeto conhecido. Objetos brancos, se pensados, requerem pensamentos brancos e objetos que são requerem, se pensados, pensamentos que são. As implicações dessa opinião e as objeções a ela são de considerável interesse, mas este não é o lugar para discuti-las. O que é mais relevante para a minha argumentação são algumas outras considerações. Foi argumentado, na Parte I do tratado, que nada é. Agora, hipoteticamente, somos solicitados a considerar as consequências de supor que, de fato, as coisas são. Essas consequências são declaradas inaceitáveis por causa do que se seguiria em relação às coisas e ao nosso pensamento sobre elas. Não há nenhuma tentativa de abolir o pensamento; somente se nega que possamos dizer dos pensamentos que eles são — assim como não há tentativa de abolir as coisas. De fato, o argumento todo depende completamente da retenção de ambos, pensamento e coisas. Além disso, está até implícito que pensamentos podem ser verdadeiros (assim como falsos). Isso significa que Górgias não está aceitando a opinião que eu, antes, atribuí a Protágoras, segundo a qual não é possível dizer o que é falso. Em segundo lugar, toda a Parte II do tratado se ocupa do pensamento sobre os fenômenos. Começa supondo que os fenômenos são. Isso confirma a sugestão feita anteriormente de que a Parte I também se ocupa dos fenômenos.
A opinião segundo a qual deve haver uma correspondência entre as características do pensamento e as características dos objetos de pensamento é repetida e desenvolvida mais nas implicações da Parte III do argumento de Górgias. Aqui se argumenta que mesmo se alguma coisa é, e é cognoscível, não pode ser comunicada a outra pessoa. O único método de comunicação preferido para a discussão é o discurso (logos). O método de transmissão do logos de uma pessoa para outra é por sons vocais ou fala. Claramente audíveis e, também, claramente não-visíveis. Portanto, se estamos interessados na comunicação concernente a coisas visíveis, por exemplo, cores, essas coisas não podem ser transmitidas por sons incolores e não-visíveis. Há, portanto, um fosso fundamental entre o logos e as coisas, ou pragmata, que vêm a nós de fora de nós mesmos. Esse fosso não deve ser visto como transposto pelo fato de o logos, pelo menos quando expresso em sons vocais, audíveis, ser ele mesmo algo da mesma categoria das pragmata— ele vem a nós de fora de nós mesmos, é verdade, mas através de um órgão do sentido diferente daquele através do qual recebemos impressões visuais.
Mas talvez o fosso deva ser transposto de outra maneira. Há um sentido pelo qual o logos vem a nós das pragmata fora de nós. Pois o logos é formado a partir delas quando são percebidas por nós — assim, do nosso encontro com o sabor surge em nós o logos que é a expressão que corresponde a essa qualidade, e da incidência da cor o logos que corresponde à cor. Mas isso também não resolve a questão. O logos não tem a função de exibir o objeto externo, é o objeto externo que nos fornece informação acerca do (a significação do) logos. Aqui parece que temos o início de dois diferentes sentidos para logos: (1) como algo gerado em nossas mentes, resultante de nossas percepções, e (2) como um som fonético audível, isto é, uma palavra “falada”. Que uma distinção desse tipo estava sendo feita é confirmado pela linguagem usada em De MXG, onde nos é dito que é impossível a uma pessoa transmitir à outra, por palavras ou outros sinais, alguma coisa que ela mesma não possui no seu próprio pensamento. Isso sugere uma análise em três estágios — o próprio objeto com suas qualidades, o que obtemos desse objeto, e as palavras faladas com as quais tentamos, inevitavelmente falhando, segundo Górgias, passar adiante (o conhecimento de) um tal objeto para mais alguém.
Deve-se enfatizar que o relato do tratado de Górgias, dado acima, está sujeito a discussão em muitos de seus detalhes, embora represente razoavelmente bem o que eu mesmo creio que Górgias estava dizendo. Mas as condições do texto, especialmente na versão De MXG, são tão más e as dificuldades de interpretação, tanto no caso da versão de Sexto como na De MXG, tão grandes que há muito trabalho a ser feito antes que possamos esperar chegar a qualquer compreensão detalhada segura [13]. Mas isso não tem muita importância para meus atuais propósitos. Pois quaisquer que sejam as correções e os refinamentos, ou mesmo alterações fundamentais do relato acima que estejam ainda por serem feitas, a importância e o interesse filosófico do que Górgias tinha a dizer já estão suficientemente enfatizados. Primeiro, olhando para trás no tempo, é claro que ele está dividindo e separando três coisas que Parmênides tinha identificado no seu fragmento 8.34-36, a saber, ser, pensar e dizer. Na interpretação tradicional de Parmênides essas linhas podem ser entendidas assim: “O pensar e o pensamento que ele é são um e o mesmo. Pois você não encontrará o pensar sem o ser no qual ele é expresso”. Na primeira parte de seu tratado, Górgias tinha negado o ser aos fenômenos; na segunda e na terceira partes ele tinha argumentado que, mesmo que se concedesse o ser aos fenômenos, ainda se deveria separar o ser do pensar e das palavras nas quais o pensar é expresso, seja para si mesmo ou para um outro.
Isso basta quanto à importância retrospectiva da doutrina de Górgias. Muito maior é a sua importância prospectiva, pois Górgias está suscitando, por implicação e, diria eu, em boa parte conscientemente, todo o problema de significação e referência. Não vamos nos preocupar demais com as inadequações de seu tratamento da questão, o importante é que ele estava começando a ver que há um problema, e problema muito sério. Se as palavras são usadas para se referir às coisas, e parece óbvio que essa é a função primordial para a qual são usadas, como é que uma palavra é aceita como se referindo às coisas às quais dizemos que ela se refere, e não às outras coisas às quais dizemos que ela não se refere? Seria conveniente que pudéssemos dizer que é devido a alguma coisa em relação com a própria palavra, e seria mais simples se houvesse alguma coisa na palavra que espelhasse ou reproduzisse dentro da própria palavra os aspectos distintivos das coisas às quais ela se refere. Mas, exceto talvez para as palavras que são especificamente onomatopaicas e que, pelos seus próprios sons, reproduzem os sons das coisas às quais se referem, esses aspectos não são aparentes nas palavras. Somos levados a tentar desenvolver uma doutrina da significação vinculada às palavras, de forma que, em virtude dessa significação, elas possam então ser entendidas como se referindo às coisas às quais supomos que elas se refiram. Mas essa significação terá de ser alguma coisa distinta dos meros sons das palavras em questão. Esse é o ponto de partida de Platão em Crátilo e, diriam alguns, de toda a sua carreira filosófica. Questão semelhante se levanta em relação aos atos cognitivos, aos pensamentos e às percepções que, dizemos, expressamos em palavras. Palavras, pensamentos e coisas, qual é a relação entre eles?
Mas não é só isso. Uma vez separadas essas três coisas umas das outras, embora insistindo ainda que deve haver algum tipo de correspondência entre todas as três como requisito para verdade e conhecimento, nos defrontamos com o problema da melhor maneira de entender logos em relação justamente a essas três coisas. Pois, como foi dito no início deste capítulo, logos parece ter, de fato deve ter, uma espécie de pé plantado em cada uma dessas três áreas. O logos de uma coisa é: (1) o princípio, ou a natureza, ou a marca distintiva, ou elementos constituintes da própria coisa; (2) o que nós entendemos que ela é; e, finalmente, (3) a descrição (verbal), relato, ou definição correta da coisa. Todas as três levantam a questão do ser. Pois o logos da coisa sob o título (1) é o que a coisa é; sob (2) é o que nós entendemos que ela é; e sob (3) é o que dizemos que ela é.
Até aqui vimos que, na esfera da percepção, Protágoras tinha argumentado que todas as percepções são verdadeiras e, portanto, são de coisas que são, como são; ao passo que Górgias mantinha que não devemos dizer, de coisa alguma, que ela é. Nem Górgias nem Protágoras fizeram, então, qualquer distinção entre percepções conflitantes que pretendiam ser da mesma coisa? Contrariamente ao que se poderia esperar dele, Górgias reteve, sim, claramente, uma distinção entre pensamentos verdadeiros e falsos, embora não nos diga como é que analisava a diferença entre eles; ele parece ter suposto que a percepção envolve a recepção de “eflúvios” próprios dos objetos físicos (DK 8084). Para Protágoras, não pode haver distinção em termos de verdade entre percepções diversas e conflitantes. Mas para ele também havia, claramente, distinções que precisam ser, agora, consideradas.
Será conveniente começar com o testemunho de uma importante passagem de Aristóteles em Retórica, B, 24.10-11 (1402a5-28, da qual apenas um pequeno extrato é dado no DK 80A21):
Na Dialética, argumenta-se que o que não é é, pois o que não é é aquilo que não é; e também que o desconhecido pode ser conhecido, pois pode-se conhecer do desconhecido que ele é desconhecido. Da mesma forma, na Retórica, um aparente entimema pode surgir daquilo que não é absolutamente provável senão apenas em casos particulares. Mas isso não deve ser entendido de modo absoluto, como diz Agatão: “poderíamos talvez dizer que essa coisa mesma é provável: que muitas coisas acontecem aos homens que não são prováveis”, pois aquilo que é contrário à probabilidade no entanto acontece. Sendo assim, aquilo que é improvável será provável… [mais exemplos]… Aqui ambas as alternativas aparecem igualmente prováveis, mas uma é realmente, a outra não é provável de modo absoluto, mas apenas nas condições mencionadas. E isso é o que significa “fazer com que o pior pareça o melhor argumento”. Por essa razão os homens estavam, com razão, desgostosos com a promessa de Protágoras; porque é uma mentira, não uma probabilidade real, mas aparente, que não se encontra em nenhuma arte exceto na Retórica e na Sofística (da trad. ingl. de Freese).
A promessa de Protágoras de “tornar mais forte o argumento [logos] mais fraco” ficou célebre com os autores posteriores. Mas deve haver já uma referência a essa doutrina em As nuvens (DK C2) de Aristófanes, onde ele faz Estrepsíades declarar que na casa de Sócrates “eles guardam ambos os logoi, o mais forte, não importa o que seja, e o mais fraco, e desses dois eles dizem que o mais fraco é o vitorioso embora expresse o que é mais injusto”. Parece que Aristóteles também nos está dando exemplos reais do século V — especialmente o argumento “não é é” que foi usado por Górgias, e a citação de Agatão, cuja primeira vitória foi conquistada num concurso trágico em 416 a. C.; de modo que o que ele diz a respeito do provável poderia concebivelmente ser tirado dos próprios escritos de Protágoras. A aplicação retórica de uma doutrina concernente a transformar o argumento mais fraco em mais forte é óbvia, e é às vezes tratada como se tivesse uma aplicação apenas puramente retórica. Assim, segundo Eudoxo (80A21), como exercício da sua aplicação, Protágoras ensinava seus alunos a louvar e condenar o mesmo argumento [14]. Mas Aristóteles, que naturalmente considera esses argumentos apenas retóricos e sofísticos, diz que as pessoas estão desgostosas com a promessa de Protágoras “porque é falsa”. Isso pode sugerir que Protágoras afirmava que sua doutrina não era meramente retórica, mas envolvia, de alguma forma, um grau de validade ou verdade. Como vimos (acima), o tratado no qual ele expressou a sua doutrina do homem-medida era aparentemente conhecido sob os dois títulos: Sobre a verdade ou Escritos demolidores.
Continua…
Notas e referências
DK se refere à coleção clássica de textos existentes relacionados ao movimento sofista, de Diels, reeditada por Kranz. Cf. DIELS, H., KRANZ, W. Die Fragmente der Vorsokratiker. Vol. II. 6. ed., Berlim, 1952 (e reimpressões posteriores), Seção C, “Aeltere Sophistik”.
Capítulo 2
[1] Nomothetiké, usualmente traduzida por “legislação”, mas, aqui, de sentido muito mais amplo.
[2] Tentativas bem-intencionadas, feitas por alguns estudiosos do século XIX, para mostrar que nos diálogos anteriores Platão tinha urna opinião mais favorável de alguns sofistas não foram geralmente bem aceitas.
[3] GROTE, History of Greece, nova ed., Londres, 1883, vol. VIII, p.156. Esta, naturalmente, não é a opinião pessoal de Grote.
[4] Henry SIDGWICK, The Sophists, Journal of Philology 4 (1872) 289.
[5] Foram publicadas primeiro em alemão, em Berlim, em 1833-36, tendo sido coletadas, depois de sua morte em 1831, das notas tomadas pelos seus estudantes ao longo dos precedentes vinte anos. Uma tradução inglesa foi publicada em Londres em 1892.
[6] Primeira edição, Londres, 1846-56.
[7] Publicada primeiro em alemão, em Tübingen, em três volumes, em 1844-52, mas expandida nas sucessivas edições, pelo próprio Zeller até a quinta edição, e subsequentemente por W. Nestle, na sexta edição (Leipzig, 1920).
[8] Ver Philosophie der Griechen, Leipzig 1.2, 5a ed., 1147-64 1.2, 0. ed., 1423-39.
[9] Ibid. 1.2, 6a ed., 1291-6.
[10] Ver seu tratamento posterior no seu livro Vom Mythos zum Logos, Stuttgart, 1940, 2. ed., 1942, 250-2.
[11] Ver p. ex. K. JOEL, Geschichte der antiken Philosophie. Tübingen, 1921, 674.
[12] History of Greek Philosophy, voI. III, Cambridge, 1969, 3-9.
[13] I sofisti, 1. ed., Turim, 1949; tradução inglesa The Sophists, Oxford, 1954; 2a ed. em italiano, 2 vols., 1967.
[14] Vol. 1 , Hamburgo, 1829, 552.
[15] DK 59B12. Para a abreviação DK usada aqui e alhures, ver sob Diels-Kranz na Bibliografia, 299, e Prefácio, 7.
[16] Ver, p. ex., Erik WOLF, Rechtsphilosophie und Rechtsdichtung im Zeitalter der Sophistik (Griechisches Rechtsdenken Bd. II), Frankfurt, 1952, 9-16.
Capítulo 3
[1] No texto a seguir só posso proceder por generalizações que, inevitavelmente, estarão sujeitas a qualificação. Para maior discussão da controvertida questão do desenvolvimento econômico da Grécia antiga, ver M. M. AUSTIN e P. VIDAL-NAQUET, Economic and Social History of Ancient Greece, Londres, 1977, e C. G. STARR, The Economic and Social Growth of Early Greece, Nova Iorque, 1977.
[2] Seguindo a interpretação dada por GOMME, Thucydides Notes, CQ 42 (1948) 10-11 e Historical Commentaty on Thucydides, vol. II, Os¬ford, 1956, 107-10.
[3] History of Greece, 4a ed., Londres, 1975, 241.
[4] Ver TUCÍDIDES, 1.140 com V. EHRENBERG, Sophocles and Pericles, Londres, 1954, 94-5; P. 1111ART, Le vocabulaire de l’analyse psychologique dans l’oeuvre de Thucydide, Paris, 1908; Gnomé chez Thucydide et se contemporains, Paris, 1973.
[5] Ver J. K. DAVIES, Atherrian Propertied Families, Oxford, 1971, 262 ss.
[6] The Greeks and the Irrational, Berkeley, 1951, 189-90.
[7] Para um levantamento dos indícios, ver E. DERENNE, Les procès d’impiété intentes aux philosophes et au siècles, Liège, 1930, reimpresso em Nova Iorque 1976. Os julgamentos foram discutidos também por K. J. DOVER, The freedom of the intellectual in Greek Society, Talanta 7 (1975) 24-54, mas de maneira que me parece excessivamente cética.
[8] P. ex. Adcock, Cambridge Ancient History, Cambridge, V, 478.
[9] Cf. Xenophon An. II, 6.4 comparado com a crítica de Solmsen ao Greeks and the Irracional, de Dodds, AJP 75 (1954) 192 n. 1.
Capítulo 4
[1] Images of Man in Ancient and Medieval Thought, Studia Gerardo Verbeke ab amicis et collegis dicata, Louvain, 1976, Cap. I: The Image of the Wise Man in Greece in the period before Plato; e também anteriormente em The first Greek sophists, Class. Rev. 64 (1959) 8-10.
[2] Acima, 39-40.
[3] Cf. G. VLASTOS, Plato’s testimony concerning Zenon of Elea, Journ. Hellenic Studies 95 (1975) 159-60.
[4] G. RYLE, Plato’s Progress, Cambridge, 1966.
[5] History of Greek Philosophy, III, Cambridge, 1966, 43-4.
[6] Como a de E. R. DODDS, no comentário sobre Gorg. 449c2, em seu Platão, Gorgias, Oxford, 1959, 195.
[7] In Journal of Philology 4 (1872) 298-300.
[8] Ver. p. ex. R. ROBINSON, Plato’s Earlier Dialectic, 2a ed., Oxford, 1953, 88.
[9] The Philosophy of Socrates, Londres, 1968, 28-37.
[10] Cf. E. HAVELOCK, The Liberal Temper in Greek Politics, Londres, 1957, 216; e E A. G. BECK, Greek Education, Londres, 1964, 166.
[11] Sobre Protágoras, M. GROENEWALD, Ein neues Protagoras-Fragment, Zeitschr. f Pap. u. Ep. 2 (1968) 1-2; com J. MEYER, The alleged new fragment of Protagoras, Hermes 100 (1972) 175-8; sobre Pródicos, ver abaixo, 154, n. 4.
Capítulo 5
[1] H. DIELS, W KRANZ, Die Fragmente der, Vorsokratiker, 6a ed. e posteriores, 3 vols., Berlim, 1951-52. Há uma edição por M. Untersteiner com tradução italiana e comentário em 4 fascículos, intitulada Sofisti, Testimonianze e Frammenti, Florença, 1949-62, que é bem distinta do seu volume interpretativo I Sofisti, Turim, 1949.2a ed., 2 vols., Milão, 1967.
[2] to proteron, e não to prõton. Corretamente traduzido por W. K. C. GUTHRIE, Plato Protagoras and Meno, Londres, Penguin, 1956: “A última vez que ele veio a Atenas eu era ainda criança”.
[3] GUTHRIE, History of Greek Philosophy, III, 263.
[4] J. Ph. LAUER e Ch. PICARD, Les statues ptolémaiques du Sarapieion de Memphis, Paris, 1955. Ver, também, K. SCHEFOLD, Die dichtr und Weisen in Serapieion, Mus.Helv. 14 (1957) 33-8.
[4] J Ph. LAUER e Ch. PICARD, Les statues ptolémaiques du Sarapieion de Memphis, Paris, 1955. Ver, também, K. SCHEFOLD, Die dichtr und Weisen in Serapieion, Mus. Helv. 14 (1957) 33-8.
[5] Para uma tentativa dessas, ver E. R. DODDS, Plato Gorgias, Oxford, 1959, 6 ss. Para uma opinião contrária, GUTHRIE, History of Greek Philosophy, Cambridge, III. 36, n. 4, e E. L. HARRISON, Was Górgias a Sophist? Phoenix 18 (1964) 183-92.
[6] Para a referência, ver V. GOLDSCHMIDT, Essai sur le Cratyle, Paris, 1940, 7, n. 3, com UNTERSTEINER, Sofisti, Test. e Framm. 112 (1961) 209.
[7] Ver E JACOBY, Fragmente der griechischen Historiker, Leiden, 2a ed., 1957, I 477, e a discussão completa em III b, Texto 221-228, III b, Nota 143-154.
[8] Sobre tudo isso, ver Bruno SNELL, Die Nachrichten über die Lehren des Thales, Philologus 96 (1944) 119-28, reimpresso no seu Gesammelte Schriften, Göttingen, 1966, e em C. J. CLASSEN, Sophistic (Wege der Forschung) Darmstadt, 1976. Ver também CLASSEN, Bemerkungen zu zwei griechischen Philosophie-Historikern, Philologus 109 (1965) 175-81.
[9] Ver seu sumário em R. K. SPRAGUE, The Older Sophists, Columbia S.C., 1972, 109-11
[10] Sobre esse assunto ver E. R. DODDS, The Greeks and the Irrational, Berkeley, 1951, 117-21, com referências.
[11] Sobre a opinião segundo a qual o Piritos foi escrito por Eurípides, ver KUIPER, De Pirithoo Fabula Euripidea, Mnemosyne 35 (1907) 354¬85, e D. L. PAGE, Greek Literary Papyri I, Londres, 1942, 120-2; sobre a atribuição do Sísifo a ele, ver DIHLE, Das Satyrspiel Sysiphus’, Hermes 105 (1977) 28-42.
[12] Assim diz, com razão, R. K. SPRAGUE, The older Sophists, Columbia S.C., 1972, 294-301; o testemunho importante é dado em tradução.
[13] Em seu Nomos Basileus, Nápoles, 1956, 268-92.
[14] Ver Aristophanes Clouds, ed. K. J. DOVER, Oxford, 1968, introdução xxxii-lvii, reimpresso com pequenas alterações em G. VLASTOS, The Philosophy of Socrates, Nova Iorque, 1971, 50-77.
[15] Para uma avaliação recente, ver os comentários de G. E. R. LLOYD, Magic, Reason and Experience, Cambridge 1979, 86-98.
Capítulo 6
[1] Ver a discussão por P WILPERT, Aristoteles und die Dialektik, Kant-Studien 48 (1956-57), 247-57, e J. D. G. EVANS,Aristotele’s Concept of Dialectic, Cambridge, 1977, 17-30.
[2] Ver esta seção no seu artigo Plato’s testimony concerning Zeno of Eleas, Journ. Hellenic Studies 95 (1975) 150-5.
[3] Plato and Parmenides, Londres, 1939, 67-8.
[4] Zeno of Elea’s Attacks on Plurality, American Journ. Philology 63 (1942) 1-25, 193-206 = Wege und Formen frühgriechischen Denkens, Munique, 2a ed., 1960, 198-236 = R. E. ALLEN, D. 1. FURLEY, Studies in Presocratic Philosophy, vol. 11, Londres, 1975, 102-42.
[5] Isso já em uma das mais antigas discussões modernas dos termos, Excursus Vem The meno of Plato, ed. E. S. THOMPSON, Londres, 1901
[6] Visto corretamente por V1astos, op. cit., 154.
[7] Para detalhes, ver a discussão em R. ROBINSON, Plato’s Earlier Dialectic, Oxford, 2a ed. 1953, 7-32.
[8] Ibid., 70.
Capítulo 7
[1] I. LANA, Protagora, Turim, 1950, 56 ss.
[2] Para o que se segue, ver especialmente A. GRAESER, On Language, Thought and Reality in Ancient Greek Philosophy, Dialectica 31 (1977) 360-88. Aproveito-me bastante da sua terminologia, embora minha apresentação de Heráclito difira da sua.
[3] Cf. DK 84A14, 17-19, ao qual deveria ser acrescentado Platão, Prot. 358a6. Ver sobre a técnica de Diaresis C. J. CLASSEN, Sophistic, Darmstadt, 1976, 231-8.
[4] Conforme CALOGERO, Gorgias and the Socratic Principie Nemo Sua Sponte Peccat, Journal of Hellenic Studies 77 (1957) 12.
[5] Para uma demonstração muito clara, ver G. ANAGNOSTOPOULOS, The significance of Plato’s Cratylus, Review of Metaphysics 27 (1973/74) 318-45.
[6] Ver P. M. GENTINETTA, Zur Sprachbetrachtung bei den Sophisten und in der stoischhellenistishchen Zeit, Winterthur, 1961, 25-6.
Capítulo 8
[1] Especialmente por estudiosos italianos. Ver, para uma útil discussão e uma visão geral, M. MIGLIORI, La filosofia di Gorgia, Milão, 1973,95-108.
[2] De Compositione Verborum 12. Para o tópico todo do kairos, ver W. SÜSS, Ethos, Studiem zur älteren griechischen Rhetorik, Leipzig, 1910, 17ss.
Capítulo 9 (Primeira parte)
[1] Sobre esse ponto, ver Charles H. KAHN, The Verb ‘Be” in Ancient Greek, Dordrecht, 1973, 6, n. 11.
[2] Não se tem geralmente reconhecido (como se deveria) que a palavra sunerõtés-en, aqui traduzida por “propor argumentos envolvendo uma série de estágios”, é, de fato, um termo altamente tecnológico do período helenista. Ver Sexto Empírico, vol. IV, índices, Col. K. Janacek (Teubner Series) Leipzig, 1962, 220.
[3] Algumas referências podem ser interessantes aqui. Para (1) conheço só A. E. TAYLOR, Plato, the man and his work, Londres, 4a ed., 1937, 326. Mas Gregory Vlastos sustenta que Platão não estava interessado em se pronunciar sobre a situação do vento não percebido, de modo que sua opinião liga (1) e (2); ver Plato’s Protagoras, ed. G. VLASTOS, Nova Iorque, 1956, p. xiii com n. 26 a. Para (2), que tem sido geralmente defendida, ver a bem recente History of Greek Philosophy III, de W. K. C. GUTHRIE, Cambridge, 1969, 184. Para (3) pode-se citar E NATORP, Forschungen zur Geschichte des Erkenntnisproblems, Berlim, 1884; V. BROCHARD (1889) reimpresso no seu Etudes ele Philosophie, Paris, 1926; H. GOMPERZ, Sophistik und Rethorik, Leipzig, 1912, 200ss.; CORNFORD, Plato’s Theory of Knowledge, Londres, 1935; H. CHERNISS, Aristotle’s Criticism of the Presocratics, Baltimore, 1935; VON FRITZ, Real-Encyclopildie s.v. Protagoras, 916s.; E. R. DODDS, The Ancient Concept of Progress, Oxford, 1973, 95-6. Apoiei essa opinião em Plato’s Account of the Relativism of Protagoras, Durham University Journal (1949), 20ss.
[4] Museum Helveticum 23 (1966) 37-43, reimpresso com importantes revisões em C. J. CLASSEN, Sophistik (Wege der Forschung 187), Darmstadt, 1976, 452-62.
[5] Talvez seja significativo o fato de que alguns manuscritos de Isócrates corrigiram “concernentes às mesmas coisas” para “concernentes a todas as coisas” como que conscientes de que isso seria necessário para tornar a afirmação de acordo com a formulação mais conhecida da doutrina dos dois logoi.
[6] Para um sumário mais completo com referências, ver H. J. NEWIGER, Untersuchungen zu Gorgias’Schrift über das Nichtiseiende, Berlim, 1973, 1-8.
[7] Na sua History of Greek Philosophy, Vol. III, 197, n. 2.
[8] Ver o seu artigo The Greek Verb ‘To be’ and the Concept of Being, Foundations of Language 2 (1966) 245-65, e seu livro The Verb in Ancient Greek, Dordrecht, 1973.
[9] Plato on Not-Being, que é o capítulo 12 em G. VLASTOS, Plato, a Collection of Critical Essays, VoL I — Metaphysics and Epistomology, Nova Iorque, 1971.
[10] The Route of Parmenides, New Haven, 1979; também Determinacy and Indeterminacy as the Key contrast in Parmenides, Lampas 8 (1975) 334-43.
[11] Tentei aplicar essa abordagem à primeira parte do tratado, no artigo que gostaria de considerar pioneiro, Gorgias on Nature or that which is not, Phronesis 1 (1955/56) 3-25. De modo geral, a primeira tentativa de analisar esse tratado dessa maneira encontra-se em G. CALOGERO, Studi sull’eleatismo, Roma, 1932, cap. 4; tradução alemã: Studien über den Eleatismus, Hildeshein, 1970.
[12] Para uma exposição muito boa sobre esse ponto, ver a obra bem recente de H. J. NEWIGER, op. cit., 21-2
[13] O tratamento melhor e mais completo, até hoje, se encontra no livro de NEWIGER (ver acima 160, n. 6). (Julgo-o superior ao de M. MIGLIORI, La filosofia di Gorgia, Milão, 1973), mas resta muito a ser feito.
[14] Usualmente, mas menos corretamente, eu acho, traduzido por “a mesma pessoa”. Ver, p. ex., J. P DUMONT, Les sophistes fragments et témoignages, Paris, 1969, 37: “a mesma coisa”.
Continua…
BIBLIOGRAFIA SOBRE OS SOFISTAS
Selecionada por G. B. Kerferd (1980)
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II. Tratamentos do movimento como um todo
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III. Nome, conceito e origens
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V. Alguns temas e doutrinas particulares
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VI. Apêndices
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