Qualquer candidatura que não tenha vocação para pacificar e unir o país é prejudicial para a democracia
Para além de toda manipulação da opinião pública via mídias sociais (Facebook, Instagram e Twitter) e programas de mensagens (como o WhatsApp e o Telegram), existe realmente uma base bolsonarista cujo piso é de cerca de 15% do eleitorado e que não vai desaparecer, faça Bolsonaro o que fizer (mesmo se assassinar uma criança a tiros em praça pública sob as câmeras de TV).
São 22 milhões de pessoas, das quais entre 7 e 8% compõem a parte mais retrógrada e obscurantista de uma nova PPA (população politicamente ativa). Isso significa que temos 1% (do eleitorado de 150 milhões) de agentes bolsonaristas – o que é suficiente para desencadear fenômenos de rede que podem alterar o comportamento do sistema em seu conjunto.
Pode ser que isso não seja suficiente para levar Bolsonaro ao segundo turno (é o menos improvável). Mas não é de número de votos que estamos falando aqui e sim de agentes. Significa que, seja qual for o resultado eleitoral de 2022, o bolsonarismo se manterá como uma força política expressiva, capaz de continuar alimentando o processo de erosão da democracia mesmo fora do governo.
É o que está acontecendo, por exemplo, nos Estados Unidos, onde um amplo contingente trumpista no partido Republicano prossegue desestabilizando o regime político e enfreando a democratização da sociedade, mesmo sob o governo Biden. Biden, vestindo o manto do pacificador e gritando “unit”, não foi suficiente para barrar o crescimento do trumpismo. E aqui não temos nem um meio-Biden para conter a degeneração da política em guerra fria promovida pelos populismos.
Caso Lula vença as eleições (é o mais provável), seu governo será necessariamente conturbado pelas oposições bolsonarista e lavajatista não apenas no parlamento, mas também na sociedade – sobretudo nas pequenas e médias cidades do interior. E ele, Lula, terá, muito menos do que Biden, poucas possibilidades de fazer um governo de “pacificação” ou de “união nacional”.
O estado de guerra instalado logo após uma possível vitória de Lula sustentará essa militância destrutiva (bolsonarista e morolavajatista) durante todo o seu mandato. O problema, portanto, não são as eleições de 2022 e sim as eleições de 2026, quando as forças populistas-autoritárias e punitivistas esperarão dar o troco.
Na ausência de maioria congressual qualificada (2/3) e própria (PT e aliados de fé), Lula não governará sem um centrão expandido (em relação ao atual) e sem alguma forma (ainda mais turbinada) de mensalão.
E a beligerância e o hegemonismo do PT farão uma pressão constante para que o governo extermine ou neutralize os adversários lançando mão de expedientes antidemocráticos ou pouco democráticos (ou o escorpião deixará de ser escorpião).
Tudo isso abrirá flancos para o ataque moralista-punitivista e escalará o conflito. Em oposição à Lula, o morolavajatismo voltará a ser, pelo menos objetivamente, aquele velho bolsolavajatismo da República de Curitiba. Zero colaboração, nenhum consenso, pouco diálogo. Ou seja, o cenário é o de uma guerra civil fria de longa duração, no qual a democracia será ainda mais corroída do que no atual mandato de Bolsonaro (independentemente das intenções dos novos governantes).
Conclusão: qualquer candidatura que não tenha vocação para pacificar e unir o país é prejudicial para a democracia. O problema é que os populismos em disputa (de direita e de esquerda) não pacificam, nem unem, nada. Os populismos contemporâneos são formas de degenerar a democracia em guerra eleitoral impedindo que ela caminhe para ser uma democracia liberal (por isso são i-liberais). É definitivo. Se você faz guerra – quente, fria, de posição, de movimento, de conquista, de extermínio ou de punição, ou pratica uma política adversarial (como continuação da guerra por outros meios, por exemplo, como guerra eleitoral) – contribui para erodir a democracia.
A chance que o PT teve, de fazer quatro mandatos (na verdade, pouco mais do que três) seguidos, não volta mais. A estratégia petista de ir alterando o DNA da democracia homeopaticamente (conquistando hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido), exige o tempo de uma geração em trabalho constante (estando no governo). Não haverá esse tempo.
A democracia passará num corredor polonês. Quem vier em seguida fará necessariamente um governo de transição, uma ponte precária entre os populismos e alguma coisa mais normal, não-guerreira, não i-liberal, não-majoritarista, não-hegemonista. Se Lula for eleito em 2022, seu substituto não terá como fazer muita coisa além de remediar, cicatrizar feridas, rearrumar a casa para um sucessor de outra extração e estirpe (ou seja, um não-petista, não-bolsonarista e não-lavajatista).
Até agora já perdemos 20 anos com os populismos e suas consequências nefastas. Se bobear, poderemos perder mais uma década. De qualquer forma, o horizonte dos democratas liberais desloca-se, possivelmente, para 2030.
P. S. | Aviso aos democratas. Não adianta agora querer plantar nabos e rabanetes esperando colhê-los em quinze dias. A hora é de plantar tamareiras.