“Não podemos permitir que isso aconteça”. É o Zé Dirceu, na Folha de ontem, no artigo intitulado O que está por trás da denúncia contra Alexandre de Moraes, falando que Tarcísio quer privatizar empresas estatais.
Permitir? Palavra estranha. Quem não vai permitir?
Dirceu é um dos principais dirigentes do “Partido Interno” que, juntamente com Lula, “profissionalizou” e desencaminhou o PT levando-o ao Mensalão e ao Petrolão. Mesmo afastado na direção formal do partido, mesmo preso, ele nunca deixou de cumprir esse papel, reconhecido e acatado pelos demais dirigentes e militantes históricos da tendência majoritária da sigla.
Para quem não sabe, ou não lembra, Partido Interno é uma referência direta ao 1984 de George Orwell. É um partido dentro do partido, onde as decisões estragégicas para a implementação de um projeto de poder são tomadas, tornando os simples filiados cúmplices de crimes que não cometeram.
Claro que Dirceu só tem a agradecer ao ativismo de um judiciário, que extrapola seu papel constitucional nos últimos tempos, pela sua reabilitação para voltar à luta (quer dizer, à prática degenerada da política como continuação da guerra por outros meios, aplicando-se a fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin). É por isso que fez um artigo, como o que saiu ontem na versão impressa da Folha de São Paulo, defendendo Alexandre de Moraes no caso dos vazamentos de mensagens de WhatsApp revelando conversas indevidas de seus auxiliares no STF e no TSE.
O truque aplicado por Dirceu é manjado. É o mais antigo expediente de qualquer força política que, para empalmar o poder, constroi um inimigo universal (de novo, a referência é ao Inimigo Público Número 1 do 1984 de Orwell, o Emmanuel Goldstein) e concita os seguidores para estender permanentemente aqueles “dois minutos de ódio” (agora disfarçados, na enganadora versão lulopetista, de amor universal à espécie humana).
O Goldstein escolhido por Dirceu é, claro, Bolsonaro e seus congêneres, Donald Trump, Elon Musk e até Tarcísio de Freitas (por ter vendido a Sabesp “por preço de banana” e ter feito “a alegria dos rentistas” da Faria Lima que fazem “fila para apoiá-lo” como candidato à presidência da República). E aí ele conclui, numa sentença senhorial, de quem já se acha (novamente) dono do Brasil. “Não podemos permitir que isso aconteça”.
Mas ninguém precisa ser bolsonarista, trumpista ou admirador de Musk para criticar a exacerbação do poder monocrático de ministros do STF. Nós, os democratas que repudiamos tanto o neopopulismo lulopetista quando o populismo-autoritário bolsonarista (e trumpista e elonista), fazemos isso. E é isso, precisamente isso, que revela o truque sujo dos tarados construtores de inimigos como Zé Dirceu, um investidor do “negócio” lucrativo e antidemocrático da polarização.
O expediente sórdido de Dirceu é fazer uma mistura de tudo que, na sua visão, prejudica o projeto de poder antipluralista do PT. Se você critica Alexandre de Moraes, então é bolsonarista (ou trumpista). Se você acha que empresas estatais devem ser privatizadas, então é bolsonarista, trumpista e… fascista (ele não usou a palavra, mas os militantes petistas tribalizados a usam sem parar).
Então, se você não quiser ser classificado como fascista, não pode fazer nenhuma crítica aos poderes que, neste momento, voluntária ou involuntariamente, estão favorecendo o Partido dos Trabalhadores.
Ocorre que, descobrindo-se minoria no parlamento, nas mídias sociais e nas ruas, o PT resolveu alterar uma correlação de forças que lhe é amplamente desfavorável “no tapetão”, contando, para tanto, com um judiciário supremo que aderiu à estranha ideia de “democracia militante”. Assim, se uma decisão do Congresso não agrada ao PT, recorre-se ao STF para anulá-la. Se não se consegue disputar com o inimigo nos votos dos 594 representantes parlamentares eleitos, recorre-se ao voto de 11 ministros da suprema corte. E, pior, recorre-se, muitas vezes, à decisão monocrática de apenas 1 (um) juiz que se investiu de um poder que não tem legitimamente.
Claro que, para bom entendedor, o artigo de Dirceu também tem como propósito intimidar a imprensa para que pense duas vezes antes de publicar qualquer coisa que possa prejudicar o projeto de poder do PT. Por isso ele começa dizendo que “causa estranheza o destaque dado pela Folha” ao tema. E repete a palavra “estranheza” no segundo parágrafo do texto. Ora… o que causaria estranheza seria um veículo de comunicação fingir que um fato não existiu ou que não é notícia de interesse público.