Não podemos ter políticos como os da Noruega numa sociedade como a da Somália
Não há como resolver nossos problemas políticos de uma vez. Não vai ocorrer um desfecho mágico restaurador da ordem, da honestidade, dos bons costumes. Não vai acontecer um fato extraordinário, uma enchente amazônica ou uma explosão atlântica (e, se acontecesse, o resultado seria menos liberdade e não mais liberdade). A perspectiva apocalíptica é própria de projetos autocráticos. E bonapartismos não são democráticos.
As mudanças democráticas são lentas, graduais, incrementais (ainda que não evolutivas). Como muitas pessoas não se conformam com isso e querem um Armageddon, para resolver tudo de uma vez, entram em aventuras autoritárias.
A política democrática só aceita uma via para solucionar seus problemas: mais política, mais democracia. Feita pelos seres humanos realmente existentes (e pelos políticos realmente existentes), não por Francisco de Assis ou Mohandas Gandhi, não por salvadores da pátria, não por demiurgos ou redentores da humanidade, nem por cruzados praticando a antipolítica da pureza.
Uma coisa é a lei que deve valer igualmente para todos (embora isso jamais tenha ocorrido na história humana). Outra coisa é a política. Se o sujeito da mudança está fora do jogo político, isso significa uma intervenção indevida na ordem democrática, que é sempre precária mesmo, imperfeita e provisória, tendo de ser feita e refeita continuamente. Um estamento corporativo incrustado no Estado, sem mandato para tanto, não pode fazer aquela “reforma da natureza” (da política) de que falava Monteiro Lobato.
No máximo se constituirá assim uma milícia. Quando você junta funcionários do Estado – policiais, procuradores, juízes – com um propósito, não apenas de fazer cumprir as leis, mas político, sem mandato popular para tanto, constitui, mesmo que não queira, uma milícia. Pode até ser uma milícia legal, voltada para o bem, mas será uma milícia. A arquitetura institucional dos regimes democráticos não prevê a existência de milícias legais para fazer política (ainda mais quando seu objetivo é o de reformar a política). Sobretudo quando tais milícias não estão sob controle externo, da sociedade, os mecanismos de pesos e contrapesos da democracia passam a não funcionar adequadamente em relação a elas. Coisas assim podem ocorrer em períodos de exceção, ditos revolucionários. Mas não houve na história nenhuma revolução, no sentido jacobino (ou bolchevique) do termo ou no sentido moralizante e anticomunistizante (dos militares das décadas de 60 e 70 na América Latina) cujo resultado tenha sido mais democracia.
Se queremos políticos parecidos com os da Noruega, é preciso ter uma sociedade semelhante à norueguesa (com níveis equiparáveis de capital social). Não se pode ter uma política como a da Noruega em uma sociedade como a da Somália. E isso não pode ser mudado pelo voluntarismo de funcionários estatais dedicados a acabar com a corrupção. A Noruega não é o que é porque existe lá uma milícia de “jovens tenentes” cobrando honestidade dos políticos.
É sempre a sociedade que regula isso, não alguns valentes funcionários públicos, aboletados no Estado. É a sociedade que gera um clima social (sistêmico) que coíbe a corrupção e não aceita golpes contra a democracia, não qualquer milícia (mesmo legal) composta por policiais, procuradores e juízes. Todos esses devem ser controlados e vigiados pela sociedade, tão ou mais intensamente do que os políticos que cometem crimes comuns e do que os políticos que cometem crimes políticos (contra a democracia).
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