Para começar é preciso dizer que não se deve escolher o mal, mesmo que ele seja considerado “menor”. Todo mal é mal, não bem. Assim, na “lógica” do “mal menor”, a luta do bem contra o mal vira a luta do mal contra o mal.
Como notou Hannah Arendt, “politicamente, a fraqueza do argumento [do “mal menor”] sempre foi que aqueles que escolhem o mal menor esquecem muito rapidamente que escolhem o mal”.
O truque eleitoral lulopetista de dizer que Bolsonaro é o “mal maior” pode trazer problemas. Ora, se ele – Bolsonaro – é o “mal maior”, qualquer candidato que o confronte será um “mal menor”. Seja qual for esse candidato, todos deverão apoiá-lo na reta final. Por que? Ora, para evitar o “mal maior”.
Bolsonaro, ao que tudo indica, vai perder a eleição no segundo turno, seja qual for seu oponente. Se ele é o “mal maior”, isso já está garantido. Então Lula não é o único candidato capaz de vencer Bolsonaro evitando o “mal maior”. Se Bolsonaro não vai vencer no primeiro turno, qualquer um que disputar com ele serve.
Se Bolsonaro vai tentar dar um golpe, contestando, na justiça ou nas ruas, com tanques ou sem tanques, o resultado eleitoral, tanto faz que o vencedor seja Lula ou qualquer outro. Todos os que defendem o regime democrático terão de reagir.
Não há erro lógico nesse argumento. Mas é necessário analisar as suas implicações políticas.
Se Bolsonaro é um mal maior, um mal tão grande que cabe qualquer sacrifício para impedir a sua reeleição, então a única conclusão razoável é juntar todas as forças democráticas para barrar a sua trajetória.
Entende-se que Lula, estando à frente nas pesquisas de intenção de voto, não queira abrir mão de sua candidatura, nem em nome de evitar o mal maior. Mas… se temos de votar em Lula, mesmo não concordando com ele, para evitar o mal maior que é a reeleição de Bolsonaro, por que então Lula não anuncia um futuro governo de coalizão democrática com todos os setores não bolsonaristas. Se o mal é tão grande assim…
O fato é que, na luta do mal contra o mal, do mal menor contra o mal maior, entramos numa bifurcação desfavorável à continuidade do processo de democratização:
A – Eleger um populista-autoritário cujo programa é de destruição da democracia.
B – Eleger um populista-democrático que estacionará a democracia no seu aspecto apenas eleitoral, impedindo-a de ascender à condição de democracia liberal.
Sim, pode-se dizer que Lula é democrata, enquanto que Bolsonaro é autocrata – e isso está absolutamente correto. Mas é preciso acrescentar que Lula é populista. Como tal, não há como tergiversar, é i-liberal e majoritarista. Existem muitos democratas eleitorais populistas que (ainda) não chegaram a ser autocratas eleitorais (ou nunca vão chegar): Evo, Correa, Lugo, Funes, Zelaya. Outros já viraram autocratas: Maduro, Ortega.
Todavia, se não entendermos direito o que é populismo e não soubermos diferenciar democracia eleitoral de democracia liberal, nunca vamos ser capazes de entender Lula.
Não é tão difícil entender os populismos contemporâneos. A matéria já foi exaustivamente esmiuçada pela teoria política.
Assim como não é tão difícil entender as diferenças entre democracias (apenas) eleitorais e democracias liberais.
Basta perguntar: os regimes vigentes no México e na Noruega são equivalentes? Os regimes vigentes na Argentina e na Suécia são iguais? E os do Brasil e da Finlândia? E os da Bolívia e da Nova Zelândia? Não? Então democracias (apenas) eleitorais não são a mesma coisa que democracias liberais.
Lula ama de paixão a democracia eleitoral. Mas vem demonstrando que não concorda com a democracia liberal. Aliás, a concepção de democracia de Lula é pedestre, para dizer o mínimo.
Lula vem demonstrando, no tocante à guerra criminosa de Putin contra a Ucrânia (na verdade, contra as democracias liberais) que não adota o mesmo referencial dos países democráticos para avaliar a situação. Pelo contrário, Lula repete a propaganda do Kremlim.
E o problema não são as opiniões autocráticas de Lula sobre Putin e sua guerra contra as democracias liberais. O problema é que essas posições são exatamente as mesmas dos militantes petistas que ocuparão o governo se Lula for eleito. Teremos um governo de apoiadores da nova guerra fria de Putin?
Tudo isso é para dizer que se não há eleições em maio no Brasil, podemos e devemos discutir todas as alternativas. Até para não cair no truque do “mal menor”, entrando numa luta do mal contra o mal. Ademais, pesquisas de opinião tão antecipadas não podem refletir qual será a disposição do eleitorado às vésperas do pleito. É o básico contra a gritaria das torcidas.
Repita-se: em maio não tem eleição no Brasil. A campanha de Lula não é só para vencer as eleições em outubro. Ao tomar maio como se fosse outubro, o lulopetismo faz uma campanha para matar no embrião qualquer projeto democrático liberal.