1 – Uma candidatura democrática não-populista pode ser muito importante para a democracia no Brasil. Ela poderá ser o lugar onde se encontrarão os democratas para continuar resistindo aos populismos i-liberais e majoritaristas, seja qual for o desfecho da disputa eleitoral que se aproxima. Democratas não-populistas costumam ser minoria e, mesmo assim, seu papel de fermento para a formação de uma opinião pública democrática é essencial para a continuidade do processo de democratização.
2 – Para tanto, é importante que essa candidatura seja centrada na paz ou na pacificação da sociedade brasileira, vincada que está, de alto a baixo – do parlamento, passando pelas demais instituições, até chegar aos locais de trabalho, de estudo e moradia, aos grupos de amigos e às famílias -, por antagonismos e polarizações destrutivas. Sim, a democracia é um modo não-guerreiro de regulação de conflitos. Que essa candidatura seja, portanto, uma recusa à política do “nós contra eles” que caracteriza os populismos contemporâneos, digam-se de direita ou de esquerda.
3 – Ou seja, que essa candidatura seja a de uma pessoa comum e não a de um grande líder salvador, um condutor de povos, arrebanhador de massas, visando acumular forças para um confronto, com o objetivo de destruir algum suposto responsável por todo mal que nos assola segundo a lógica amigo x inimigo.
4 – Que essa candidatura seja um sopro de ar fresco num ambiente empesteado por emoções adversariais, ensejando que o tecido social dilacerado pela degeneração da política como uma continuação da guerra por outros meios possa começar a se recompor e re-entretecer a partir do reconhecimento de que podemos coexistir pacificamente e, mais do que isso, de que podemos conviver num clima de respeito mútuo, sem deslegitimar os adversários ou transformá-los em inimigos da nação, da pátria, de deus, da família ou do povo, ainda que pensemos de modo diferente.
5 – Que é possível divergir e disputar posições sem que nossos relacionamentos sejam marcados pela intolerância, pelo ódio e pela cólera, pelo ressentimento, pelo desejo de vingança e pela vontade de revanche. Que é possível, sim, converter inimizades políticas em amizades políticas – porque do contrário não faria qualquer sentido a democracia.
6 – As sociedades abertas são atravessadas por múltiplas clivagens – e não somente por aquela que opõe “o povo”, de um lado, “às elites”, de outro. A democracia é diversa e a melhor maneira de lidar com essas clivagens é por meio de um debate aberto e livre, sob uma cultura política que valoriza a moderação e a busca o consenso, aceitando – em vez de querendo extirpar – o dissenso.
7 – Uma candidatura democrática não é uma missão providencial conferida por alguma instância extra-política, seja por algum deus, pela natureza ou pela história. É apenas um serviço prestado às pessoas que compõem a sociedade, todas as pessoas, as que se posicionam favoravelmente e as que se posicionam contrariamente ao que acreditamos.
8 – Que uma candidatura democrática não-populista não se apresente como aquela que tem solução para tudo, nem aquela que possua um projeto redentor pronto e acabado para resolver todos os problemas do país. Mas que afirme e reafirme, por palavras e atos, que não há solução sem política e que não há saída fora da democracia.
9 – Assim, sob o signo da pacificação, valorizando a diversidade que é própria do regime e do modo-de-vida democráticos, respeitando o Estado de direito e os direitos das minorias – inclusive das minorias políticas – uma candidatura democrática não-populista pode cumprir neste momento um inestimável serviço à democracia brasileira.
10 – Que essa candidatura possa, a despeito do resultado eleitoral de 2022, inspirar uma ação da cidadania pela paz e pela democracia, abrindo um novo horizonte e fazendo surgir uma nova esperança para que possamos atravessar, com menos sofrimento, esse período tão sombrio em que estamos vivendo.