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A crise do pensamento e os novos pensadores

Este é o sexto artigo de uma série chamada Novos Pensadores. O primeiro foi intitulado É tempo de novos pensadores. O segundo Seja um novo pensador. O terceiro Um roteiro de investigação para novos pensadores. O quarto Quem são os novos pensadores. E o quinto Um novo vocabulário político.

A crise atual pode ser vista como a conjunção de várias crises: ética, política, social, econômica. Mas todas essas crises, que incidem diferentemente em várias localidades, também podem ser vistas como conexas a uma crise maior: a crise do padrão civilizatório patriarcal ou da sociedade hierárquica que vem se reproduzindo desde o surgimento do Estado. Nesse sentido, ela é também a crise da forma atual de Estado, o Estado-nação e de todas as formas políticas a ele subordinadas e de todos os arranjos sociais a ele relacionados.

Assim, os governos, os parlamentos, os partidos e as corporações, mas também a família monogâmica, a igreja, a escola, as organizações da sociedade civil e a empresa hierárquica, estão igualmente em crise.

Parece evidente que, depois de 5 a 6 milênios de sociedade hierárquica, a crise atual só poderia ser uma crise global e de longa duração. A emergência de uma sociedade-em-rede (que apareceu num primeiro momento confundida com o processo de globalização econômica, mas também, inevitavelmente, cultural e das comunicações) já é a transição do atual padrão civilizatório para outro padrão (ou padrões, no plural, já que o mundo único está se estilhaçando), que não sabemos qual será.

Mas transição não é substituição. Não há nada pronto para colocar no lugar das velhas instituições em crise. As velhas formas de agenciamento que estão fenecendo coexistirão ainda, por longo tempo, com as novas formas que estão emergindo. E, nestas circunstâncias, seria mesmo de se esperar que essas instituições de um mundo que está acabando reagiriam ferozmente à sua extinção ou à sua obsolescência. Por isso há tanta luta, tanto ódio entre seguidores de diversas doutrinas. Por isso tantas doutrinas anacrônicas, que imaginávamos já ultrapassadas e enterradas, estão renascendo.

Tanta confusão intelectual deixa as pessoas perdidas, mais suscetíveis à tentação de encontrar um mestre, um guia, uma nova religião ou doutrina, um codex verdadeiro, que consiga explicar o mundo para elas.

O CAMINHO DO ERRO

Em momentos de crise profunda, como o que vivemos, as pessoas ficam esperando o surgimento de alguém que traga alguma luz, ajude a compreender a situação e indique um caminho. Infelizmente, porém, os que achamos que poderiam fazer isso também estão em crise. Estão errando, ou melhor, indo e voltando, caminhando em zigue-zague, porque estão, como todos nós, buscando uma resposta.

Só os autoritários e os impostores têm uma resposta pronta, na ponta da língua, para qualquer problema. Querem nos dizer que já sabiam de tudo há muito tempo e que encontraram a solução correta. É bom desconfiar desses cheios de certezas: em geral são candidatos a condutores rebanhos ou oportunistas tentando se capitalizar na crise.

Todos estamos desafiados a exercitar a nossa própria imaginação, construir a nossa própria racionalidade (ou encontrar a nossa própria interpretação da realidade). Ninguém pode fazer isso por nós. Isso exige pensamento compartilhado. Por isso, não devemos mais seguir a alguém. Devemos seguir – ou seja, continuar errando (quer dizer, procurando) – com os que se sintonizam com a gente. O caminho do erro (que é o caminho da aprendizagem) – desde que estejamos abertos à interação – é melhor do que o acerto em repisar um caminho que não foi aberto com nós e sim por alguém para nós (que é o caminho do ensino ou, melhor, da ensinagem).

A CRISE TAMBÉM É CRISE DO PENSAMENTO

A crise do padrão civilizatório também é uma crise do pensamento (das pessoas que pensaram em sintonia com esse padrão).

Assim, para dar um exemplo, talvez o melhor exemplo, é uma crise do platonismo e dos pensamentos dos que se conformaram à definição platônica do que seriam filósofos. Quando Platão disse que Protágoras não era filósofo (e, por extensão, Górgias, Pródicos, Hípias, Antífon, Trasímaco, Cálicles, Eutidemo e Dionisodoro, entre tantos outros, também não eram), estava perfeitamente sintonizado com um modo patriarcal de pensar. Todos esses sofistas – não apenas refutados intelectualmente, mas julgados moralmente e condenados por Platão – seriam pequenos pensadores, em oposição ao grande pensador (“o filósofo”).

De lá para cá as academias (efluentes do platonismo) nos ensinaram a desvalorizar os pequenos pensadores – o homem comum que pensa com sua própria cabeça e com a mente coletiva do seu emaranhado social, desvalorizando a sua opinião em relação ao conhecimento filosófico (ou filosoficamente considerado científico) dos grandes pensadores.

Mas agora, quando o padrão civilizatório entra em crise, os pensamentos dos velhos pensadores também entram em crise porque não podem fornecer respostas para problemas que estão implicados nas condições que permitiram a sua geração.

Por isso pode-se dizer que é hora de novos pensadores. Que, em uma sociedade-em-rede, todos seremos pequenos pensadores. E que isso não é ruim e sim bom (ao contrário do que os pensamentos patriarcais costumavam avaliar, sempre privilegiando o grande em relação ao pequeno, o alto em relação ao baixo, o puro em relação ao impuro, o certo em relação ao errado).

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E se você quiser saber mais, clique nos links:

É tempo de novos pensadores

Seja um novo pensador

Um roteiro de investigação para novos pensadores

Quem são os novos pensadores

Um novo vocabulário político

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