Queiramos acreditar ou não, há um projeto político e há uma estratégia bolsonaristas
A reforma da Previdência é necessária e devemos defendê-la. Mas nós, os democratas, não vamos vender a alma por ela. É imprescindível, mas não vai salvar o país de todos os males. E realizá-la não dá, a Bolsonaro, o aval para impor sua sharia à sociedade brasileira.
Sharia? Como assim?
Sim, sharia.
Partindo de Bolsonaro, seus filhos, seu guru e seus sequazes, ideias e práticas autoritárias estão avançando na sociedade brasileira. Se não resistirmos agora, depois poderá ser muito tarde.
Deve-se observar os pequenos sinais de autocratização nas falas e medidas de Bolsonaro e sua gangue política anti-establishment. É sempre assim que começa. Os autoritários vão avançando um milímetro de cada vez, até estabelecerem sua sharia para sufocar a sociedade.
Vejamos alguns sinais.
Em seu café da manhã de ontem (25/04/2019) com jornalistas, Bolsonaro disse o seguinte:
“Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro”.
Ora… quer dizer que uma mulher não pode vir aqui fazer sexo com um homem? E quer dizer que um homem não pode mais fazer sexo com outro homem e uma mulher com outra mulher? Haverá uma sharia no Brasil bolsonarista?
Vamos virar o Irã, a Arábia Saudita, o Iêmen ou o Sudão? Qual será a pena, Sérgio Moro? Vão condenar à morte os desviantes, castrar quimicamente ou extirpar seus órgãos sexuais?
Nunca é demais lembrar a fala de Bernardo Bertolucci, famoso cineasta italiano, em entrevista a Wagner Carelli, na revista BRAVO!, no fim dos anos 90:
“O fascismo começa caçando tarados”.
Teoricamente, o bolsonarismo não pode ser caracterizado como fascismo. Mas o comportamento de seus próceres é, sem dúvida, fascistoide.
Ficamos sabendo ontem também que ninguém menos do que o presidente da República telefonou para o presidente do Banco do Brasil e mandou demitir o diretor de Marketing e Comunicação porque não gostou de uma propaganda que busca atrair a clientela jovem pelos motivos, supostos, de que dava muito destaque à presença de negros descolados (e, talvez, não tão desejadamente héteros).
Um presidente da República tem mais o que fazer do que se meter em campanha publicitária de um Banco. Isso é mania de ditador. Parece um Jânio piorado. Quer dirigir o país como um pai-patrão. Só falta agora proibir novamente o biquíni nas praias.
Sim, são pequenos sinais. Mas são a esses sinais fracos que devemos prestar toda a atenção. O processo de autocratização a partir de governos eleitos é lento e gradual. Começa sempre assim. Vejam a trajetória de Viktor Orbán e Recep Erdogan.
O imperativo democrático da hora é impedir que Bolsonaro, seus filhos, seu guru e seus sequazes, imponham sua sharia à sociedade brasileira.
Jair Bolsonaro, seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo, seu guru Olavo e seus cerca de quarenta sequazes (os principais hubs da rede descentralizada bolsonarista), compõem um governo paralelo bolsonarista que manda no governo oficial. Ontem mesmo Bolsonaro confirmou, no café da manhã com jornalistas, que Carlos continuará a gerir suas mídias sociais. E acrescentou:
“O navio dele [Carlos] está indo para um bom caminho.”
Então, depois de tudo que fez e continua fazendo, Carlos Bolsonaro, o irresponsável Carluxo, continua no núcleo duro desse governo paralelo, que comanda, inclusive, os milicianos virtuais que manipulam as mídias sociais.
Qual é o projeto político dessa turma insana? Há um projeto? Sim, queiramos acreditar ou não, há um projeto e há uma estratégia.
O objetivo da estratégia olavista-bolsonarista é tornar a nossa democracia menos liberal e, em seguida, pervertê-la de democracia eleitoral em autocracia eleitoral (ou seja, em um regime claramente i-liberal). O objetivo dos bolsonaristas nunca foi trocar de governo nos marcos da democracia realmente existente e sim operar uma mudança no regime político. Este é o propósito comum do populismo-autoritário que viceja em várias partes do mundo nesta segunda década do século 21.
Para tanto, tal como em outros países estão procedendo os populistas-autoritários, os bolsonaristas concorreram às eleições com o fito de eleger um líder capaz de estabelecer uma ligação direta com as massas, bypassando as mediações institucionais vigentes no Estado democrático de direito. A estratégia aposta na formação de uma vigorosa corrente de opinião pública capaz de reproduzir a narrativa bolsonarista e de dar apoio às mudanças regressivas que, gradualmente, serão capazes de alterar o DNA do regime democrático (transformando-o em uma democracia i-liberal e, em seguida, numa autocracia eleitoral).
Devemos torcer para que as reformas econômicas propostas pela equipe de Paulo Guedes sejam bem-sucedidas? É claro que sim. Mas desde que isso não dê a Bolsonaro aquele crédito maldito para que ele possa avançar na consecução da estratégia descrita resumidamente acima. Tudo tem limite. Não vamos imolar a liberdade no altar da eficiência econômica. Que os liberais-econômicos queiram fazê-lo, entende-se. Eles já demonstraram que não são necessariamente liberais-políticos e que são capazes de prestar serviços a populistas-autoritários (seja Pinochet, Emílio Médici, Xi Jinping ou Bolsonaro) sem corar ou perder o sono. Nós, os democratas, não!
Já sabíamos, desde o início, que a única maneira de o governo Bolsonaro dar certo era o bolsonarismo dar errado. Mas como Bolsonaro, seus filhos, seu guru e seus sequazes, são bolsonaristas, não há nenhuma maneira.
Sim, o governo brasileiro está nas mãos de malucos. É preciso que os tais agentes de mercado entendam que o nome do presidente não é Paulo Roberto Nunes Guedes e sim Jair Messias Bolsonaro. E que a imprensa pare de dar uma de Pollyanna e diga isso claramente à opinião pública.
Você aceitaria mudanças que tornassem nossa democracia menos liberal desde que fossem aprovadas reformas econômicas fundamentais (como a da Previdência e a Tributária)? Esta é a pergunta que devemos fazer a todos: aos atores políticos, aos agentes de mercado e, principalmente, aos jornalistas.