in ,

Para animar novas conversações democráticas

Os cientistas políticos atuais definem democracia mais ou menos assim:

“A democracia é um regime político caracterizado por: 1) eleições livres e justas para o Legislativo e o Executivo; 2) sufrágio praticamente universal no mundo atual; 3) um amplo conjunto de direitos políticos e civis, como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade de organização, entre outros; 4) mecanismos de prestação de contas e responsabilização que possam controlar o poder Executivo; e 5) controle civil sobre os militares e outros atores armados. O aprofundamento democrático significa melhorar uma ou mais dessas características definidoras — por exemplo, tornar o exercício dos direitos mais uniforme — de modo a melhorar o nível geral da democracia”.

Usei aqui um trecho de recente paper de Scott Mainwaring e Aníbal Pérez-Liñán (2023), no Journal of Democracy, intitulado “Why Latin America’s Democracies Are Stuck” (1).

Mas poderia usar qualquer outro semelhante, por exemplo, de Carothers, Coppedge, Diamond, Foa, Fukuyama, Galston, Horowitz, Huntington, Inglehart, Kyle, Levitsky, Lindberg, Linz, Lipset, Lührmann, Mounk, O’Donnell, Plattner, Runciman, Tannenberg, Teorell, Welzel, Ziblatt.

Tudo bem. Está certo. No entanto esse tipo de caracterização não é capaz de empolgar as pessoas que não se dedicam a estudar teorias políticas, nem de animar novas conversações democráticas. Mais aborrecida ainda é a repetição de uma leitura rebaixada de Przeworski segundo a qual a democracia é troca eleitoral de governo (sem derramamento de sangue) e nada mais.

O problema é que a democracia depende da continuidade de conversações democráticas. Se essas conversações cessarem (ou desanimarem), a democracia acaba.

Por isso que no meu último livro – Como as democracias nascem (2) – me dediquei a reapresentar conceitos (como os já cunhados por Althusius, Spinoza, Tocqueville, Mill, Dewey, Popper, Arendt, Bobbio, Lefort, Castoriadis, Maturana, Rawls, Berlin, Havel, Dahrendorf, Sen, Dahl e Rancière) e a criar novos conceitos para ver a democracia de outra maneira. Por exemplo:

• A democracia como “metabolismo” de uma rede (mais distribuída do que centralizada) social (quer dizer, propriamente humana) de conversações.

• A democracia como auto-organização societária (a rigor, comunitária).

• A democracia como modo-de-vida ou de convivência social.

• A democracia como uma brecha no muro da cultura patriarcal; ou como um modo de desprogramar (detox, rehab) cultura autocrática.

• A democracia como dinâmica neomatrística ou revivescência de uma cultura matrística (pré-patriarcal).

• A democracia como um erro no script da Matrix ou como uma janela para o simbionte social poder respirar.

• A democracia como um modo não-guerreiro (pazeante) de regulação de conflitos (e, neste sentido, como o contrário da guerra – que é a autocracia).

• A democracia como o governo de qualquer um (e não o governo de um, de poucos, de muitos ou da maioria).

• A democracia como fruição da liberdade presente (que se materializa quando se interage na comunidade política, após a libertação do reino da necessidade, da servidão da casa ou da família e das exigências sobrevivenciais).

• A democracia como fundação constante da pólis para encontrar um espaço onde os seres humanos possam se reunir permanentemente, sem necessidade, para gerar uma nova entidade (ou uma nova “espécie social” que surge quando vivemos a convivência); ou, a democracia como criação de novos mundos sociais (quer dizer, humanos).

Espero que ajude a animar novas conversações democráticas.

Notas

(1) Há uma tradução em português. Por que as democracias da América Latina estão estagnadas. Scott Mainwaring e Aníbal Pérez-Liñán, Journal of Democracy, janeiro de 2023 / Journal of Democracy em Português, junho de 2023.

(2) Franco, Augusto (2023). Como as democracias nascem: redescobrindo o papel inovador da democracia como regime político e como modo-de-vida. São Paulo: Casas da Democracia, 2023. Provisoriamente, pedidos dessa publicação podem ser feitos pelo e-mail [email protected]

Meus artigos de maio de 2023 na Crusoé

Junho de 2013, 10 anos depois