A Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito conta agora, duas semanas depois de lançada, com pouco mais de 800 mil adesões. É uma marca importante, mas considerando um eleitorado de 150 milhões de pessoas, não temos nem 1% de assinaturas (ultrapassamos há pouco 0,5%). Talvez chegue a 1 milhão até o dia de ser lida (11 de agosto), mas dificilmente alcançará 1%. Não deixa de ser uma evidência de que os democratas politicamente ativos são minoria.
Também está colhendo adesões, na plataforma Change.org, um Manifesto à Nação Brasileira em Defesa das Liberdades – documento claramente bolsonarista – que conta com um número similar de assinaturas (mais de 800 mil). É um documento contra a democracia, quer dizer, defende a liberdade de acabar com a liberdade.
Para começar essa conversa é necessário entender que a PPA (População Politicamente Ativa) não é composta por quem vota ou comparece a comícios como platéia (sobretudo num país onde o voto é obrigatório e há forte clientelismo) e sim por quem interage politicamente na esfera pública (presencial ou virtualmente), seja – entre outras coisas – emitindo opiniões, articulando ou participando ativamente de manifestações, assinando declarações, fazendo campanha eleitoral ou experimentando mudanças nas relações entre as pessoas em localidades, setores de atividade e organizações.
É possível que os simpatizantes de Bolsonaro na PPA sejam em número igual ou maior aos simpatizantes de Lula, pois a parcela da PPA que ganha até dois salários mínimos (faixa de renda da população que dá vantagem à Lula nas pesquisas de opinião) é pequena.
Sim, a faixa de renda do eleitorado que dá vantagem à Lula nas pesquisas de opinião é a de quem ganha até 2 salários mínimos. Se Lula perder a vantagem que tem nessa faixa, talvez empate com Bolsonaro.
O fato é que há uma nova PPA no Brasil. Boa parte dessa PPA surgiu a partir de uma insatisfação difusa com o sistema (2013), traduziu-se politicamente como rejeição ao petismo (2014-2016) e foi então reacionarizada pelo bolsonarismo (2017 aos nossos dias).
Bolsonaro, provavelmente, não tem – como opção positiva – os 30% dos votos que lhe atribuem a maioria das pesquisas eleitorais. Ainda há nesse bolo muito de antipetismo. Muitos preferem Bolsonaro, mesmo sabendo que ele ruim, porque não querem a volta do PT. Aliás, como dissemos acima, o bolsonarismo nasceu – juntamente com uma insatisfação com o sistema – do antipetismo, depois cavalgado pela extrema-direita.
Mas contribuiu muito para o antipetismo o chamado lavajatismo. Não sem razão. Na cruzada de limpeza ética estimulada pela Lava Jato (mas que, na verdade, começou bem antes, a partir das reações políticas e judiciais aos crimes cometidos pela dupla Waldomiro-Dirceu – que logo se desdobrou no mensalão), três presidentes do PT foram presos. Três tesoureiros do PT foram presos. Cinco secretários do PT foram presos. Os líderes do PT na Câmara dos Deputados e no Senado foram presos. A presidente petista da república sofreu impeachment. E um ex-presidente da república foi preso. Além disso, os presidentes da Petrobrás, dos Correios, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, da Eletrobrás, da Nuclebrás, da Valec e do BNDES foram presos. Ainda que o PT tente dizer que tudo isso foi uma grande conspiração “das elites” (de direita) contra “o povo” (representado pelo partido), não cola. Teria de ser a maior conspiração da galáxia para inventar do nada tanta corrupção (e, além disso, houve confissão e dinheiro de roubo devolvido).
Há ainda muito antipetismo. Mas só há antipetismo porque houve (e há) petismo. É o óbvio, que entretanto precisa ser repetido.
Pois bem. O que é o petismo? E por que uma extensa parcela que se tornou politicamente ativa da população rejeitou esse tipo de comportamento político chamado de petismo?
O comportamento petista irritou as pessoas a ponto de predispô-las a passarem da condição de população politicamente passiva para a condição de população politicamente ativa. Não irritou as pessoas apenas intelectualmente (por discordância ou dessintonia com o que pensam). Irritou-as emocionalmente. E como a emoção é sempre o gatilho da ação, elas resolveram agir, com os meios de que dispunham. E a proliferação e a disponibilização das mídias sociais forneceu, em parte, esses meios, sobretudo para quem ganha mais de dois salários mínimos e, em especial, para quem ganha mais de cinco salários mínimos. Quem ganha até dois salários mínimos continuou apenas votando e, eventualmente, participando de comícios como platéia – o que não caracteriza uma população politicamente ativa.
Em seguida listamos, como exemplos, alguns fatores alergênicos que podem explicar porque o petismo irritou as pessoas a ponto de deixá-las vulneráveis ao bolsonarismo.
O espírito militante patrulhador e a intolerância (com quem pensa diferente)
Muito antes de termos o desprazer de encontrar os novos militantes bolsonaristas, tivemos contato com os militantes petistas. É claro que os militantes bolsonaristas são muito mais insuportáveis do que os petistas – sobretudo porque são mais ignorantes e mais propensos a acreditar em narrativas parabólicas conspirativas. Mas todo militante é parecido.
Militantes, não importa a causa, são seres protegidos da verdade (ou seja, não adianta discutir com eles). Porque sempre estão em guerra contra alguém ou alguma coisa (e na guerra a primeira vítima é, via-de-regra, a verdade). Aliás, a palavra militante vem do latim militantia, de militans, particípio de militare, “servir como soldado”, de miles, “soldado”.
Pois bem. O militante petista foi o primeiro agente de uma espécie de jihadismo ostensivo (conquanto, em geral, não-violento) com o qual a maioria de nós teve contato. O contato mais desagradável com o militante petista é o da patrulha. Você fala ou escreve alguma coisa discordando de qualquer posição petista e pronto: lá vem a chusma patrulhá-lo.
A patrulha petista original não é exatamente igual ao atual cancelamento. Seu objetivo é a dissuasão. Se depois de emitir um juízo fora da “linha justa” você é patrulhado, pensará duas vezes antes de recalcitrar. Com o tempo, porém, a patrulha petista foi ficando parecida com o cancelamento bolsonarista. E, no que tange aos setores identitaristas pertencentes ao PT, ficou até pior (basta ver o que fizeram com o Antônio Risério).
A patrulha, porém, não é o único fator alergênico do comportamento petista. Há também a perseguição, sobretudo aos que já pertenceram aos quadros petistas, que são tratados como traidores e viram inimigos. Nesse particular o PT segue a máxima autocrática de destruir os inimigos privando-os dos recursos necessários à consecução de seus projetos e, até mesmo, das condições de sobrevivência. O sujeito nessa situação vira um pária em todos os meios em que o PT tem influência: é excluído de várias atividades, postos ou cargos universitários (sobretudo nas federais e nas áreas de humanas), nas iniciativas culturais e artísticas em geral, não recebe mais convites para palestras e consultorias feitos por empresas onde simpatizantes do PT tenham assento nos conselhos de administração ou na diretoria, é escanteado em veículos de comunicação e excluído as articulações de organizações da sociedade civil hegemonizadas pelo partido.
Em particular, pessoas que pretendem fazer carreira na área cultural – artística, intelectual e até jornalística – dificilmente resistem à pressão “ambiental” do PT. O propósito do neopopulismo lulopetista é transformar toda a população (ou, pelo menos, a sua maioria) em simpatizante do partido. Quem não se torna simpático sofre retaliações indiretas, tendo mais dificuldade para prosseguir na sua carreira e vai ficando sem meios para realizar os seus projetos. Perde financiamentos, perde audiência, é preterido ou ignorado por seus pares, não é convidado para eventos, é recusado por editoras, não é contratado para prestar serviços. Isso está voltando agora com força na campanha de 2022. É como se o normal ou natural fosse apoiar Lula. Quem não apoia – mesmo que seja contrário a Bolsonaro – é porque tem algum problema: quem sabe é um bolsonarista enrustido, um direitista envergonhado, alguém com algum interesse escuso ou, simplesmente, um egoista que só pensa em si e está pouco se lixando para o povo.
A condenação moral de quem não segue o partido
Isso é curioso. A militância petista acha-se mais ética ou com mais senso moral do que todos os outros setores políticos. É arrogante. E essa arrogância irrita os demais atores.
Como já escrevi no artigo Não há nenhuma superioridade moral em ser de esquerda, “a esquerda acredita que é melhor, não apenas politicamente, mas também moralmente, porque tem objetivos mais generosos. Transformando a política de uma questão de modo (modo de regulação de conflitos) em uma questão de lado (de quem está do lado certo, o único moralmente justificável por seus excelsos propósitos), a esquerda acha-se moralmente superior. Isso justifica, de antemão, tudo o que fazemos “nós”, contra tudo o que fazem “eles”. Pertencer ao “nós” é moralmente superior a pertencer ao “eles”. Porque é estar do “lado certo” da história, não do “lado errado”, onde estão “eles”. Por que isso é um problema? Porque, pensando e agindo de acordo com essas crenças, a esquerda passa a discriminar quem não é de esquerda. Só quem presta, ou quem presta mais, é de esquerda”. Ora, quem é discriminado fica irritado e, muitas vezes, ressentido. Só fica esperando uma oportunidade para dar o troco.
Quando acusava FHC e os tucanos de serem neoliberais, o PT não parava aí. Dizia que eles eram neoliberais porque, no fundo, eram fascistas ou neocolonialistas ou vendidos ao imperialismo norte-americano. E, segundo boa parte da militância petista intolerante, faziam tudo isso porque eram moralmente inferiores.
A incapacidade de reconhecer os próprios erros
Ecoando a letra do hino do partido comunista alemão – que dizia numa estrofe infame: “o Partido, o Partido, o Partido, tem sempre razão” – o PT nunca reconhece um erro, falha ou malfeito. A culpa é sempre dos adversários ou dos inimigos.
Depois de ter depositado seus ovos dentro da carcaça podre do velho sistema político, de ter se aliado ao que havia de mais corrupto na política, de ter chafurdado no mensalão e no petrolão, o PT não foi capaz de fazer uma autocrítica, de se desvencilhar de sua direção corrupta e não aceitou o processo constitucional do impeachment qualificando-o como golpe. Não satisfeito, o PT passou a acusar os que não fizeram a campanha de Haddad e não votaram nele em 2018, pela vitória de Bolsonaro. E continua até hoje com essa cantilena. Que irrita demais.
O hegemonismo
O hegemonismo é uma exacerbação do majoritarismo (a soberania da vontade da maioria), próprio da concepção política do neopopulismo. No caso do lulopetismo, o hegemonismo é uma espécie de espírito Highlander (“Só pode haver um”). O partido-Príncipe é o dono da verdade, o professor de Deus. É o PT FIRST: o hegemonismo petista como um trumpismo com o sinal trocado.
Imaginando que democracia seja, fundamentalmente, soberania popular, o PT faz um raciocínio simples, primário e incorreto: se nós somos os legítimos (ou mais legítimos) representantes do povo, o “verdadeiro povo” (the true people – composto pelos que seguem o líder do partido), então nós somos a verdadeira democracia (traduzida como uma sociedade menos desigualitária e mais justa). Ou melhor, uma sociedade menos desigualitária e mais justa só poderá se estabelecer quando nós hegemonizarmos todos os processos da vida social, a começar pelas instituições estatais, passando pelos corporações sindicais e movimento sociais, até chegar às diversas formas de sociabilidade.
O hegemonismo exige o alinhamento de posições em todo lugar, seja a família, a escola, a igreja, a organização da sociedade civil, o órgão estatal e, se possível, a empresa. Isso gera uma espécie de proselitismo evangelizador por parte da militância e da “simpatizância” que também irrita as pessoas, porque ninguém gosta de se sentir errado (ou de ser acusado de estar errado). E, para o PT, quem não é do PT ou não apoia o PT (ou seus satélites da esquerda) está sempre errado.
Na campanha eleitoral de 1982 o PT dizia: “Vote no 3, que o resto é burguês” (3 era o número do partido na ocasião). Claro que o partido amadureceu do ponto de vista de estratégia e tática eleitorais. Mas pedaços desse “DNA” remanesceram nos discursos atuais de campanha (quase 40 anos depois).
O tratamento instrumental dos aliados
O PT faz alianças, diz-se, não sem razão, apenas para ficar mais forte e, não raro, matar os aliados ao final. Todo mundo que já negociou com o PT, no parlamento, para a montagem de chapas de candidatos ou no movimento social, sabe da dificuldade do PT de ter uma visão não-instrumental das alianças (entendendo que fazer composições é o correto numa democracia). Não. O PT, via de regra, tem que estar na cabeça ou no comando de qualquer articulação. Se é para fazer uma frente ampla em defesa da democracia, até para evitar um golpe de Estado que alardeie como iminente, o que o PT propõe é que todos apoiem o seu candidato (jamais passando pela sua cabeça propor um futuro governo de coalizão democrática).
Depois disso, quem – não sendo petista – pode confiar plenamente no PT?
A contradição evidente de se dizer democrata mas apoiar ditaduras
Todo mundo que tem dois neurônios (funcionando) sabe que existem coisas que democratas não podem fazer. Por exemplo, desculpar a ditadura de Cuba (dizendo que todo o problema é o bloqueio dos EUA). Ou defender (justificar ou não condenar abertamente) ditaduras como a da Venezuela, da Nicarágua e de Angola. Ou, ainda, não condenar claramente a guerra de conquista da Ucrânia movida por Putin (dizendo que ele está apenas se defendendo da expansão da OTAN). Por último, justificar as tentativas de anexação da Ucrânia pela ditadura russa e de Taiwan pela ditadura chinesa em nome de combater “o imperialismo norte-americano”.
Com efeito, o PT apoiou o bolivarianismo de Chávez, continuou apoiando Maduro mesmo quando já estava claro que a Venezuela havia virado uma ditadura, e fez o mesmo com o sandinismo de segunda geração de Daniel Ortega na Nicarágua, outra ditadura. Sempre apoiou os irmãos Castro, ditadores de Cuba. E foi um dos responsáveis pela articulação da via neopopulista de usar a democracia contra a democracia, adotada por todos esses já mencionados (com exceção dos cubanos, que não querem ouvir falar de eleição) e por Correa no Equador, por Evo na Bolívia, por Funes em El Salvador, por Lugo no Paraguai, por Zelaya em Honduras, por Cristina e Fernandez na Argentina, por Obrador no México etc.
O que garante, às pessoas que não concordam com o PT, que – uma vez novamente no poder – o PT não reeditará uma prática de apoio às ditaduras amigas?
O caráter i-liberal (ou não-liberal) do projeto petista
Aqui encontramos uma consequência da concepção e da prática da política como uma continuação da guerra por outros meios: o famoso “Nós” (o povo) contra “Eles” (as elites). Sim, aquelas “elites que nos governam desde Cabral” – como ficou rouco de repetir Lula em seus discursos.
As elites aqui não são definidas sociologicamente e sim ideologicamente. Elites são todos os que não estão com o partido e com seu líder supremo. Muito antes de Bolsonaro, isso foi introduzido pelo PT. O paroxismo dessa praxis foi a campanha de reeleição de Dilma em 2014. A partir dali o “Nós” contra “Eles” pervadiu a sociedade toda, chegando inclusive às famílias, aos namoros e aos grupos de amigos.
Bem, isso leva claramente a uma postura i-liberal ou não-liberal, que pode ser assim caracterizada:
Em vez de achar normal que a sociedade esteja dividida entre muitas – e às vezes transversais – clivagens, o PT acha que a sociedade está dividida por uma única clivagem, separando a vasta maioria (o povo) das elites.
Em vez de avaliar que a melhor maneira de lidar com essas clivagens é por meio de um debate aberto e livre, sob uma cultura política que valoriza a moderação e a busca do consenso (sem elidir os dissensos), o PT acha que a polarização (povo x elites) deve ser encorajada. Os representantes do povo (que são os atores legítimos ou mais legítimos) não devem fazer acordos (a não ser táticos) ou construir consensos (idem) com os representantes das elites (posto que estes são ilegítimos ou menos legítimos) e sim buscar sempre suplantá-los, fazendo maioria em todo lugar (majoritarismo e hegemonismo).
Em vez de ressaltar que o Estado de direito e os direitos das minorias (inclusive das minorias políticas) precisam ser respeitados, o PT pensa que as minorias políticas (antipopulares) não devem ser toleradas (e devem ser deslegitimadas) quando impedem a realização das políticas populares; e, além disso, acha – embora não o declare – que a legalidade institucional (erigida para servir às elites) não deve ser respeitada (a não ser por razões táticas, de não ficar em posição ilegal) quando se contrapõe aos interesses do povo.
Os três parágrafos acima compõem uma definição, por contraposição, entre uma postura liberal em termos políticos e uma postura populista (i-liberal ou não-liberal). Mesmo que as pessoas, em sua imensa maioria, não entendam as diferenças conceituais entre um comportamento liberal e um comportamento populista, i-liberal ou não-liberal, elas são capazes de perceber os efeitos nocivos da guerra fria (“nós contra eles”) insuflada pelo populismo.
Acontece que as pessoas, em geral, não gostam de transformar a convivência social, seja na família, nos grupos de amigos, nos namoros, nas escolas e universidades, nas igrejas e nas organizações da sociedade e no trabalho, em uma disputa adversarial divisiva e estiolante. Quando tudo é luta, luta, luta, qualquer ambiente torna-se insuportável.
A estratégia do neopopulismo lulopetista
O PT jamais anunciou uma estratégia pronta e acabada. Mas é possível compor suas concepções e práticas de sorte a ter um retrato dessa estratégia. Vejamos alguns exemplos:
O PT sempre defendeu o controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação e da internet. Frequentemente hostilizou a imprensa livre (inclusive a Rede Globo, como faz atualmente o bolsonarismo). Enquanto isso, o PT montou e financiou um rede suja de sites e blogs para detratar seus adversários transformando-os em inimigos. Montou milícias virtuais (os MAVs), promoveu cursos e editou um manual com táticas para a guerrilha na internet. Mas tem mais.
O PT tentou instituir a participação assembleísta e conselhista arrebanhada e controlada por “movimentos sociais” que atuam como correias-de transmissão do partido para cercar a institucionalidade vigente e subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado. Sim, o PT aparelhou o Estado com seus militantes em uma proporção jamais vista até então.
O PT defendeu a partidocracia (voto em lista pré-ordenada, fidelidade partidária e financiamento exclusivamente estatal dos partidos), querendo manter o oligopólio dos incluídos na política para bypassar o processo legislativo.
Havia no PT, recentemente (em 2016), quem quisesse até mudar os currículos das academias militares e alterar o processo de promoção de oficiais das forças armadas privilegiando aqueles com compromisso nacionalista.
O PT defendeu, nos idos de 2013-2014, um plebiscito para convocar uma Constituinte exclusiva de reforma política favorável aos interesses hegemonistas do partido.
A estratégia do PT visava – ao que tudo indica – mudar homeopaticamente o genoma do regime democrático. Previa estabelecer uma hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado controlado pelo partido com o fito de nunca mais sair do governo (ou nele se delongar indefinidamente).
Muitas pessoas – mesmo as que não eram estudiosas da política ou não tinham grande experiência política – sentiram que isso não poderia ser coisa boa. Observando o comportamento do PT e de seus principais aliados internacionais, desconfiaram que, uma vez tendo alcançado o poder pelo voto, o PT não sairia facilmente do poder apenas pelo voto.
Não estavam erradas. Nenhum partido populista sai facilmente do poder apenas pelo voto. Como escrevi no artigo linkado na frase anterior, “Orbán saiu? Não, foi reeleito. Erdogan saiu? Não, foi reeleito. Modi saiu? Não, foi reeleito. Putin saiu? Não, foi reeleito. À direita, Trump é a única exceção, mas deslegitimou a vitória de Biden. [Vejamos agora à esquerda]. Ortega saiu? Não, foi reeleito n vezes. Chávez e Maduro sairam? Não, um morreu e o outro, seu sucessor, foi reeleito n vezes. Correa saiu? Não, emplacou seu sucessor Moreno. Evo saiu? Não, foi reeleito n vezes até que sofreu um golpe parlamentar. Zelaya saiu? Não, foi preso. Lula e Dilma sairam? Não, Lula fez sua sucessora Dilma, que sofreu impeachment. Lugo saiu? Não, sofreu impeachment. Funes saíu? Não, fez seu sucessor, Salvador Cerén, da mesma Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional. À esquerda, Cerén (El Salvador) é a única exceção (já que Cristina não conta ao não ter conseguido emplacar Scioli seu sucessor, pois estava em transição do velho populismo peronista para o neopopulismo contemporâneo). Com as exceções, mencionadas acima, que confirmam a regra, nenhum partido que abrigava esses populistas saiu do governo apenas pelo voto.
Aí as pessoas pensam. Vamos votar no Lula para nos livrar de Bolsonaro. Tudo bem. Mas… e depois? Como vamos tirar o PT do poder apenas pelo voto?
Conclusão
Bem… tudo isso irritou, contrariou e deixou ressentidas muitas pessoas que engrossaram o antipetismo. Ou seja, o antipetismo não caiu da árvore dos acontecimentos, nem veio de Marte ou de Vênus. Ele tem uma fonte inequívoca: o petismo! Irritadas, parte dessas pessoas aderiu a qualquer alternativa capaz de evitar a continuidade do petismo ou o seu retorno ao centro do palco. Como, num primeiro momento, não havia alternativa democrática, permaneceram contrariadas, algumas até negando a política. E, em alguma medida, ressentidas. Infelizmente, a alternativa antipetista que surgiu foi o lavajatismo seguido do bolsonarismo (é simbólico que a famosa República de Curitiba tenha virado, sem a menor cerimônia, comitê eleitoral de Bolsonaro). As pessoas ficaram então vulneráveis à alternativas antidemocráticas. Vulneráveis, elas se deixaram capturar.
Não estou falando, porém, de todas as correntes que compõem o bolsonarismo. Estou falando apenas do antipetismo, que nem é uma corrente de opinião, uma força política organizada ou em organização e sim uma predisposição para aderir a qualquer movimento que surgiu se opondo ao petismo.